Pedaços das esculturas de Mario Cravo Jr. são furtados na Pituba
Braços e cabeça das obras que representam os orixás Oxalá e Iemanjá, que ficam no Edifício Sede dos Correios, foram arrancados
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Bruno Wendel
bruno.cardoso@redebahia.com.br
Primeiro arrancaram os braços. Depois retiraram a cabeça e mais um braço. As mutilações nas esculturas de ferro de Mario Cravo Jr. (1923-2018) são a prova da insegurança e do descaso com a arte. Em uma semana, bandidos invadiram o Edifício Sede dos Correios, na Pituba, e furtaram partes de duas das três esculturas em latão e cobre martelado e soldado do artista plástico. As obras representam os orixás Oxalá, Exu e Iemanjá e ficam na área externa do prédio, que funcionou pela última vez para atendimento ao público no dia 06 de novembro do ano passado. Escultura de Oxalá teve cabeça arrancada (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Escultura original (Foto: Divulgação) Escultura de Iemanjá teve dois braços arrancados, incluindo o que segurava a representação de um espelho (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Os furtos acontecem, em sua maioria, à noite. Nesta quarta-feira (2), bandidos arrancaram os dois braços da escultura de Iemanjá, que fica próxima a uma das entradas do prédio. Na quinta-feira (3) e sexta-feira (4), eles levaram um dos braços e a cabeça de Oxalá, localizado na área do estacionamento. A única obra ainda intacta é a de Exu, erguida no jardim do prédio. Exu é a única obra intacta (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) O CORREIO procurou a delegada Maria Selma, titular da 16ª Delegacia (Pituba), mas até então não há informação se alguma ocorrência foi registrada na unidade. A assessoria de comunicação dos Correios informou, por meio de nota, que as ocorrências estão sendo apuradas e que “a segurança do local foi reforçada”.
Poucos funcionários ainda trabalham no Edifício Sede dos Correios - ele deve ser totalmente desativado até março deste ano. “Isso acontece porque não há investimento em segurança. Só tem um vigilante pela manhã e outro à noite para dar conta de toda essa imensa área. Não tem como eles fazerem milagres. No meio do ano passado, houve troca de tiros aqui, entre bandidos e um dos seguranças”, declarou um funcionário.
Otávio Cravo, um dos filhos de Mário Cravo Jr., disse que há, no local, um conjunto de dez obras do artista. "Vimos a depredação, já vi que arrancaram os braços de Iemanjá. É uma imoralidade, um desrespeito absoluto. É o trato com a coisa pública e o país que a gente vive", lamentou.
Segundo Otávio, a família esteve no local antes dos furtos e fez uma proposta de levar as esculturas para outro local, já que o prédio vai ser desativado."As obras são de propriedade do órgão federal, dos Correios. Nós estamos tentando um abaixo-assinado aos órgãos públicos para fazer um tombamento daquilo, porque não é a primeira vez. Na reitoria (da Ufba) também tinha uma obra muito importante de meu pai e levaram 60% da obra para vender em ferro velho pelo preço de uns R$ 1.000", disse. (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Gradil Os bandidos não estão só de olho nas obras de Mário Cravo Jr. Eles já roubaram parte das grades de alumínio que formam não só o muro de proteção, como também os portões. “É um absurdo. Eles sabem que latão, cobre e alumínio são materiais fáceis de se vender. Arrancaram parte do muro e tivemos que providenciar uma barreira de madeira para tampar a fenda que ficou”, detalhou o funcionário, que não quis ser identificado.
A escuridão no entorno do prédio é um dos fatores que também contribuem com a falta de segurança. “Os postes de iluminação estão todos com as lâmpadas queimadas e degradados. Aqui, à noite, o segurança tem que usar uma lanterna para enxergar algo em um breu”, contou. (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Repercussão O furtos das obras causou indignação à população. “Lamentável. É a falta de entendimento da sociedade para conservação da arte e valorização da cultura. É uma situação que retrata a falta de educação de um povo, lamentavelmente. Uma triste realidade no Brasil, em especial na Bahia, que nos últimos dados estatísticos teve um dos piores desempenhos em educação”, declarou o médico Francisco Viana, 62 anos.
O designer de interfaces Manasses Santos, 24, questionou também a segurança do prédio. “Somente a educação é capaz de mudar os pensamentos, ideias, a sociedade. O que aconteceu com as obras de Mário Cravo é simplesmente a degradação da cultura, que está associada também à falta de segurança. Acontece tanta coisa na rua, imagina num prédio do tamanho que é a sede dos Correios para um único segurança tomar conta de tudo à noite?”.
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Pai Balbino Daniel de Paula, de Xangô Aganju, do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, de Lauro de Freitas, comentou também as ações dos bandidos.“É muita ousadia. O axé não combina com gente que pratica o mal. Latão e cobre são materiais de fácil comercialização em ferro-velho, um absurdo. Exu vai dar conta de quem pegou”, disse. Já a professora Gisele Dela Justina, 35, disse que, por conta da violência na Pituba, teve que adotar uma medida drástica. “Não ando mais à noite na Pituba. Há oito anos, sofri uma tentativa de assalto. É uma região perigosa. Deveriam ter levado as obras para outro lugar”, declarou a professora.
Arraste o mouse para direita e para esquerda e veja o antes e o depois da obra Iemanjá.
O artista Um dos pioneiros da Arte Moderna na Bahia e um dos grandes artistas brasileiros do século XX, o artista plástico, escultor, pintor e desenhista baiano Mario Cravo Jr. morreu em Salvador no dia 1º de agosto de 2018, aos 95 anos. Considerado um dos mais importantes artistas plásticos da atualidade, tornou-se reconhecido internacionalmente por retratar, em sua obra, as tradições, crenças, costumes e os mitos do povo baiano.
Em 2017, ele comemorou 70 anos de sua iniciação profissional. Tudo começou em 1947, quando ele expôs por duas vezes: Mario Cravo Júnior Expõe (no Edifício Oceania) e Mario Cravo Esculturas e Desenhos (na Associação de Cultura Brasil-Estados Unidos- ACBEU). Até julho do ano passado, o artista trabalhou normalmente, no Espaço Mário Cravo, em Pituaçu, durante todas as manhãs.
Mário Cravo Jr. era amigo próximo dos escritores Jorge Amado (1912 - 2001) e Zélia Gattai (1945-2011) e irmão de coração de Carybé (1911- 1997). Jorge Amado escreveu sobre ele, em 1961: "A madeira, a pedra, o ferro, na forja dos infernos, nas mãos do verdadeiro Exu da Bahia são a flor, a água, a poesia, a vida mais vivida e mais profunda".