Para SSP, não houve feminicídios em Salvador de janeiro a maio; promotora contesta dados
Em termos simples, o feminicídio ocorre quando uma mulher é assassinada por ser mulher
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Hilza Cordeiro
hilza.cordeiro@redebahia.com.br
Nenhuma mulher foi morta vítima de feminicídio em Salvador entre janeiro e maio deste ano. Pelo menos é isso que dizem os dados divulgados nesta quarta-feira (12) pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). A pasta desconsidera como feminicídios crimes como a morte da estudante Andreza Victória Santana da Paixão, 15 anos, morta pelo ex-namorado em abril, e de Cássia Cristina Conceição, 47, morta a facadas também pelo ex no mês de março. Os dois crimes ocorreram em Nova Brasília de Itapuã.
Desde 2015, o feminicídio é uma circunstância qualificadora do homicídio e, em termos simples, ocorre quando uma mulher é assassinada por ser mulher. Dois anos após a instauração da lei que especifica o feminicídio, a Bahia só registrou, também até maio, uma condenação pelo crime.
A ausência de casos nas estatísticas da capital foi recebida com surpresa pela promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), do Ministério Pública do Estado (MP-BA) e pela diretora de Políticas Públicas para as Mulheres da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres e Juventude (SPMJ), Rita Moinhos.
Falta de reflexãoSegundo a promotora, há algumas explicações para a falta de ocorrências do crime nos registros policiais. “Ou isso é um caso de desinformação, o que eu não acredito que seja porque vem se falando sobre isso o tempo todo, ou é uma questão relacionada ao sistema patriarcal que não permite que os profissionais da polícia reflitam sobre o assunto e contexto da lei”, declara.
Os dados divulgados levam em conta apenas mulheres identificadas, maiores de 18 anos. Em abril deste ano, a adolescente Andreza Victória Santana Paixão, de 15 anos, foi assassinada pelo ex-namorado em Nova Brasília de Itapuã porque ele não aceitava o fim do relacionamento. O ex-namorado, Adriel Montenegro dos Santos, 21, integra agora o Baralho do Crime da própria SSP-BA. Ele segue foragido, sendo procurado por homicídio qualificado. Adriel Montenegro é considerado foragido depois de atirar na nuca de Andreza Victória(Foto: Reprodução)
No entanto, para o delegado José Bezerra, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil (DHPP), se uma mulher é morta porque o ex-companheiro não aceitou o fim do relacionamento, o caso não pode ser considerado feminicídio porque o crime não terá acontecido no âmbito doméstico. “Vejo como no sentido em que se deu um desequilíbrio por parte do companheiro em não saber lidar com o sentimento de perda, isso não quer dizer que ele odeie mulher”, argumenta.
Para Rita Moinhos, da SPMJ, como a lei é recente, os receptores das queixas ainda estão no caminho para reconhecer o feminicídio como um crime diferente do homicídio simples. “Toda mudança exige uma adequação e é nossa função insistir para que o crime seja identificado da forma correta. É um trabalho de sensibilidade dos profissionais, mas não apenas deles, e sim de toda a sociedade”, defende.
BahiaAinda de acordo com os dados da SSP-BA, na Bahia foram registrados 15 feminicídios no mesmo período, sendo dois na Região Metropolitana de Salvador (RMS) e 13 no interior do estado. Já o crime de homicídio doloso teve 19 ocorrências na capital, 16 na RMS e 89 nas demais cidades da Bahia.
Somente neste ano, o CORREIO noticiou nove casos em que mulheres foram assassinadas tendo como principal suspeito os seus próprios companheiros. Márcia Teixeira enumera também outros 12 casos de mulheres que foram executadas este ano em crimes sem motivação e autoria identificada, ainda em investigação pela polícia.
Ainda segundo a promotora, para a Justiça, todos os casos nos quais a mulher é morta pelo companheiro ou namorado, dentro do ambiente doméstico, são considerados feminicídio. “Basta ler os jornais para saber que isso acontece praticamente todos os dias”, disse. Segundo a Lei 13.104/2015, que especifica a qualificação de feminicídio, considera-se razões de condições do sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A pena para o crime é de 12 a 30 anos de prisão. A condenação pode ser aumentada em um terço se o crime for praticado durante a gestação da mulher ou três meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; ou na presença de algum descendente da vítima.
Lei é novidadeO delegado José Bezerra explica que nem toda mulher vítima de homicídio é automaticamente vítima de feminicídio. “O feminicídio foi uma inovação trazida pela lei, mas, do ponto de vista prático, não houve mudança. Os crimes contra a mulher já eram tido como homicídio qualificado por motivo fútil”, afirma.
Para ele, a ocorrência do crime de feminicídio não é corriqueira porque as situações costumam ser muito específicas. “Os casos em que o indivíduo mata porque odeia mulher é uma incidência muito difícil de ocorrer”. As ocorrências mais comuns de violência contra a mulher, ainda conforme Bezerra, são os casos de violência doméstica.
O próprio delegado expõe que os conceitos da lei são novos e que é natural que a polícia precise de um período de para passar a tratar os crimes como feminicídio.
Casos recentesTanto para Márcia Teixeira quanto para Rita Moinhos, os recentes casos das duas mulheres mortas – uma assassinada após ser sequestrada e estuprada em Itapuã e outra baleada pelo ex-namorado – configuram como feminicídio. “Quando a morte é dada com características de aniquilação da mulher, como nos casos em que há estupro e destruição de partes do corpo, como mamas, quadris, pernas, essa violência, o modus operandi desse crime nos leva a caracterizá-lo como feminicídio”, explica a promotora.
O delegado José Bezerra, entretanto, preferiu não comentar estes casos, já que os inquéritos ainda não foram finalizados. José Carlos matou Luana a tiros um mês após fim do relacionamento(Foto: Reprodução)