'Não tenho dúvida que meu filho foi torturado até a morte', diz mãe de Davi Fiúza
Audiência ouve testemunhas de caso em que PMs são acusados por sumiço de adolescente
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Da Redação
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Mãe de Davi Fiúza, adolescente que desapareceu em Salvador há quase 8 anos, Rute Fiúza diz esperar que a audiência que acontece nesta quarta-feira (31) marque o início do caminho para a justiça pelo filho. "Começa uma resposta", disse ela, em frente à Vara Militar, no bairro do Bonfim, onde serão ouvidas testemunhas de acusação. Policiais militares são acusados pelos crimes de sequestro e cárcere privado do adolescente, jogado dentro de uma viatura da Polícia Militar no dia 24 de outubro de 2014 e nunca mais visto. A audiência acabou sendo adiada para outubro.
Rute falou da decisão de julgar o caso por sequestro, ao invés de homicídio. "Não tem corpo. Poderiam dizer que não tem corpo, como teve homicídio sem corpo?", diz. "É caso de tortura, ocultação de cadáver. Acho que seria mais apropriado. Não tenho nenhuma dúvida que meu filho foi torturado até a morte", acrescenta.
A mãe contou que pensa no filho diariamente, mas que preferiu se desfazer dos objetos físicos deixados por Davi. "O principal ficou no meu coração e na minha memória. Davi é meu ancestral, ele vai ficar comigo para sempre. Tem pessoas que preferem guardar algo físico, eu prefiro guardar o amor, o carinho, a reciprocidade que havia entre eu e ele. Um carinho e amor de mãe pra filho e de filho pra mãe. Admiro pessoas que guardam, mas não tenho essa capacidade, prefiro guardar dentro do meu coração", disse ela.
Ela relembrou que Davi foi um filho muito planejado. "Ele é comigo para sempre. Não há um só dia que eu não lembre de Davi. São dias muito difíceis. O aniversário dele, 8 de outubro. Davi foi muito planejado, queria ter um filho do signo de libra. Ele foi planejado para nascer libriano. Dia das Mães, lembro do último presente, uma xícara que ele me deu. O último presente foi uma saboneteira. Lembro do cantor que ele gostava, da música. Datas marcantes, dezembro, outubro. Dezembro vem o Natal, coisa em família. E minha família não é mais completa, falta um. Quando falta um, a conta não está perfeita", lamentou.
Com o prosseguimento do caso na Justiça, ela admite que "várias vezes" achou que não veria o caso caminhar, mas agora está se permitindo acreditar. "Estou esperançando".
Alexandra Montgomery, representante da Anistia Internacional, também compareceu à audiência, criticando a demora no andamento do processo. "Primeiro é um absurdo um adolescente desaparecer dessa forma. Absurdo as investigações nunca conseguirem localizar o corpo desse menino. E outro absurdo é esse processo ser trasladado da justiça comum para a militar, que nunca deveria ter sido o fórum competente para analisar esse tipo de violência", afirmou ela, lembrando que houve mobilização de várias partes do mundo pedindo justiça para Davi.
Ela criticou também a mudança na tipificação do crime. "A justifiticativa de que não pode acusar por homicídio e sim por sequestro, pra nós, da Anistia, é um absurdo jurídico. O desaparecimento forçado é um crime continuado. Do dia que a pessoa é desaparecida até o dia que a pessoa é localizada ou não, esse crime continua. Tem tratado internacional, pelo menos três, que tratam do desaparecimento forçado. A acusação só ta sendo por sequestro porque o Brasil até hoje não tipificou o crime de desaparecimento forçado, que é uma obrigação. Para nós está tudo errado, institucionalmente o Brasil está deixando tudo a desejar", avalia.