Funcionária do TJ-BA é presa após chamar PM negro de 'macaco'
Escrivã Libânia Torres foi conduzida à delegacia, mas já responde em liberdade por injúria racial
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Marcela Vilar
marcela.vilar@redebahia.com.br
Uma escrivã do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), 64 anos, identificada como Libânia Maria Dias Torres, foi presa em flagrante por resistência e injúria racial depois de ter chamado um policial militar de “macaco” e dado um tapa no soldado que atendia uma denúncia de agressão da servidora contra a companheira dela. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o momento da agressão, feita na última quarta-feira (16).
Segundo nota da PM, por volta das 20h30 de quarta, uma equipe da 50ª Companhia Independente da Polícia Militar foi acionada para interferir numa briga de casal. A denúncia foi de que uma senhora de 64 anos estava sendo espancada dentro da própria residência no bairro do Vale dos Lagos, em Salvador.
Porém, ao chegarem ao local, os policiais verificaram que a própria Libânia era a agressora. “Mesmo com a presença da guarnição no local, a senhora agrediu a companheira dela fisicamente ao ponto em que o policial da guarnição interveio na agressão”, disse a Polícia Militar, por meio de nota.
Em seguida, a servidora do TJ-BA deu um tapa no rosto do policial que tentava separar a briga e começou a chamá-lo de macaco. Por isso, foi conduzida até a delegacia.
Libânia Torres, contudo, já está em liberdade, pois a lei de combate ao racismo não permite que a prisão seja convertida em preventiva por conta do tempo mínimo de pena. A liberdade provisória foi homologada pela juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes, da Vara de Audiência de Custódia, nesta quinta-feira (17), após o Ministério Público da Bahia se posicionar favorável. “Um dos requisitos para que haja prisão preventiva é que a pena máxima seja superior a de 4 anos e a pena máxima de injúria racial é de 3 anos. Do que adianta o racismo ser um crime imprescritível e inafiançável se não cabe prisão? É mais uma lei pra inglês ver. Vou brigar para que ela venha responder um processo penal e seja penalizada”, argumenta o advogado Marinho Soares, que representa o policial agredido no caso. Marinho Soares compartilhou o vídeo em seu perfil do Instagram e Facebook e diz ter recebido uma notificação das redes sociais que o vídeo seria uma fake news. “As pessoas interessadas estão dizendo que a gente tá mentindo. Só falta dizer que o vídeo foi editado, alterado. Se a lei dificulta, imagine o que a defesa não vai falar”, disse.
O CORREIO tentou entrar em contato com o policial, mas, segundo o advogado, ele teria sido orientado pela PM a não se pronunciar sobre o caso. Questionada, a instituição não se manifestou sobre esse ponto, disse apenas que “a palavra não é proibir”.
Brechas na lei de combate ao racismo Aliado a falta de requisitos, os argumentos do promotor do MP à frente do caso para conceder a liberdade provisória é de que a prisão preventiva passou a ser considerada, pela lei 12.403/2011, “a medida mais extrema, a ser adotada em último caso, sendo a regra a concessão da liberdade provisória”. Além disso, o MP alega que a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante a pandemia, é que a prisão deve se limitar a casos de crimes perpetrados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa e que a réu não tem antecedentes criminais.
O especialista em Direito Criminal e professor da Faculdade Batista Brasileira, Marcelo Duarte, defende que é necessário mudanças na lei de combate ao racismo, ampliando a pena mínima, para que os agressores tenham penalidades mais severas. “É preciso aumentar a pena de injúria racial por meio de um projeto de lei. O que acontece hoje é que as penas são baixas, existem muita brechas. E quando a pena aumenta, a pessoa tende a não praticar o crime”, alerta o advogado.
Duarte também advoga para o sindicato da Polícia Civil e da Guarda Municipal e indica que as agressões de racismo e injúria racial contra esses servidores são frequentes. “Os caras sofrem isso diariamente, é uma constante, porque a população acha que soldado da polícia e da guarda municipal é nada”, pontua.
Dados obtidos com o MP-BA apontam que foram registradas sete denúncias de injúria racial em Salvador entre janeiro e agosto de 2020 pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação. Em 2019, foram 18 denúncias só na capital baiana, de janeiro a novembro.
Aspra repudia agressão A associação dos Policiais, Bombeiros Militares e seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra), repudiou a agressão contra o PM. “Inaceitável que ainda nos dias de hoje tenhamos que conviver com este tipo de ataque, mesmo após tantas leis que visam corrigir a prática. Deveria ficar presa por um tempo para aprender”, afirmou o deputado estadual soldado Prisco, coordenador geral da Aspra.
Advogado diz que escrivã teve "surto psicótico" Procurado, o advogado da servidora Libânia Torres, Fábio Felsembourgh dos Santos, alegou que a cliente sofreu um "surto psicótico" naquele momento da injúria e que não lembra do que aconteceu, mas pede desculpas. O advogado diz ainda que a cliente faz uso de antidepressivos e apresentou ao CORREIO uma declaração psiquiátrica. Veja a nota na íntegra:
"O advogado Fabio Felsembourgh responsável pela defesa técnica da senhora Libânia Maria Torres Ribeiro, esclarece que a mesma sofreu um surto psicótico na data de 16 de setembro de 2020, o que ocasionou o fatídico vídeo que vem sendo vinculado nas redes sociais e imprensa. A senhora Libiana está em tratamento psiquiátrico desde os meados de novembro de 2019, fazendo uso de medicações específicas para Transtorno Depressivo Recorrente, CID-F33.2, conforme se observa na declaração emitida pelo Psiquiatra responsável. A mesma não se recorda de absolutamente nada do fato, ainda assim lamenta o ocorrido e publicamente pede desculpas aos envolvidos".
Entenda o que é considerado racismo e injúria racial, segundo a lei:
Injúria racial - ofender a honra de alguém (indivíduo) valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.
Racismo - discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, atingindo uma coletividade indeterminada de indivíduos ao discriminar toda a integralidade de uma raça.
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro