'Enquanto mulher negra, jamais imaginei que me tornariam uma Barbie', diz Jaqueline Góes
Cientista baiana foi a única brasileira escolhida para a homenagem
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Luana Lisboa
luana.lisboa@redebahia.com.br
"Crianças imaginam que podem ser o que quiserem, mas ver o que podem se tornar, ouvindo as trajetórias de outras pessoas e reconhecendo-se nelas faz toda a diferença”. É o que diz a biomédica baiana Jaqueline Góes, agora não só a cientista que liderou o sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 em 48h, mas também a única brasileira a ser escolhida modelo para uma nova boneca Barbie.
“Enquanto cientista, mulher e negra, ser homenageada pela Barbie e me tornar um modelo para novas gerações é provar que através das oportunidades, o talento e inteligência podem alcançar e até gerar frutos positivos para uma nação” emocionou-se a cientista em uma publicação nas redes sociais.
A iniciativa faz parte do projeto “Mulheres Inspiradoras” (Role Models em inglês) que, neste ano, faz um tributo a seis mulheres que tomaram para si o papel de heroínas ao se dedicarem na luta contra a COVID-19, desde que a pandemia começou. De enfermeiras americanas a psiquiatras canadenses, as bonecas fazem parte de uma linha exclusiva para a campanha, sem produção comercial e são continuação do projeto #ThanYouHeros, lançado pela Mattel em 2020.
Quem acompanha a produção da Barbie sabe que não é a primeira vez que as miniaturas representam profissões. Criadas no ano de 1959 com objetivos feministas, as bonecas já tiveram cerca de 180 empregos, dentre eles, os de astronauta, veterinária, aeromoça e empreendedora. Ruth Handler, a americana cofundadora da Mattel, percebeu que sua filha Bárbara (daí o apelido Barbie) adorava trocar as roupas de suas bonecas de papel e resolveu elevar o nível da brincadeira da criança. Criou e lançou a boneca em uma feira nova-iorquina e, daí em diante, só sucesso.
Mas algo que faltava nos protótipos até pouco tempo era a representatividade dos corpos. Até hoje, encontramos com dificuldade bonecas negras e de proporções corporais que não remetam a um palito de dente. Disso, Jaqueline sentia falta na infância. “A Barbie permeou toda minha infância, das minhas amigas e vizinhas. Por isso, em toda a minha história, jamais imaginei que me tornariam uma Barbie. Enquanto mulher negra, ser presenteada com uma boneca com todas as minhas características é um sonho, algo que, até pouco tempo era uma realidade inexistente”, refletiu a cientista.Com 31 anos, a cientista já possui um histórico extenso na área da pesquisa biomédica. O trabalho de sequenciamento liderado pela equipe de Jaqueline permitiu diferenciar o coronavírus que infectou o primeiro paciente brasileiro do genoma identificado em Wuhan, na China, onde a pandemia começou. Enquanto a média mundial era de 15 dias, Jaqueline e seus colegas, sob coordenação da imunologista Ester Cerdeira Sabino, sequenciaram o genoma do vírus apenas 48 horas após a confirmação do caso. O trabalho serviu de base para compreensão da dispersão do vírus e na identificação de alterações genéticas.
Mas antes disso, ela também participou da equipe que sequenciou o genoma do vírus da zika. Pelos esforços, ela foi a ganhadora do Prêmio Capes de Tese em Medicina II, edição 2020, oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Intitulado ‘Vigilância genômica em tempo real de arbovírus emergentes e reemergentes’, o trabalho teve como principal meta compreender a origem, o processo de introdução no país e o modo de dispersão da família de vírus transmitidos por mosquitos, os arbovírus. Esses organismos são os com maior potencial de causar epidemias no país: zika, dengue, chikungunya e febre amarela.
Além de Jaqueline, se tornaram modelos para as bonecas a enfermeira americana Amy O’Sullivan; Audrey Cruz, que atuou na linha de frente em Las Vegas e teve um importante papel no combate ao preconceito racial e a discriminação; a psiquiatra canadense Chika Stacy Oriuwa, que defendeu o racismo sistêmico na área da saúde; a professora de vacinologia Sarah Gilbert, do Reino Unido, líder no desenvolvimento da vacina de Oxford; e a australiana Kirby White, que desenvolveu uma bata que podia ser lavada e reutilizada, permitindo assim que os funcionários da linha de frente continuassem atendendo os pacientes durante a pandemia.
A vice-presidente sênior e chefe global da Barbie e bonecas da Mattel, Lisa McKnight, acredita que o projeto “Mulheres Inspiradoras” tem avançado fronteiras para inspirar meninas a serem tudo o que quiserem.
“A Barbie reconhece que todos os trabalhadores da linha de frente fizeram enormes sacrifícios ao enfrentar a pandemia e os desafios que ela agravou. Para iluminar seus esforços, estamos compartilhando suas histórias e aproveitando a plataforma da Barbie para inspirar a próxima geração a seguir essas heroínas. Nossa esperança é nutrir e estimular a imaginação das crianças que interpretam seus próprios enredos como heróis”, diz.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo