Encruzilhada do medo: rua da Barra é palco de duas execuções em menos de três meses
Moradores da Rua Barão de Sergy temem escalada de violência ligada ao tráfico no local
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Wendel de Novais
wendel.novais@redebahia.com.br
“Foram mais de 20 tiros na sequência, com certeza. Assustou todo mundo aqui em casa”, disse um morador da Rua Barão de Sergy, no bairro da Barra, próximo ao Porto, em Salvador. Ele não quis se identificar, mas contou que o tiroteio aconteceu por volta das 22h30 dessa quarta-feira (1). O ataque vitimou um homem, ainda não identificado, que foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu aos ferimentos.
Essa foi mais uma execução na mesma rua em menos de três meses. Em 5 de setembro, um domingo, dois homens foram baleados no início da noite por dois suspeitos que chegaram em uma moto e dispararam diversas vezes. O ataque resultou na morte do acusado de tráfico Rodrigo Cerqueira de Jesus, conhecido como ‘Tosca’. A mãe de Rodrigo e outro homem também foram atingidos.
Os assassinatos de anteontem e de setembro ocorreram na mesma encruzilhada que liga a Barão de Sergy com as ruas César Zama e a Vila Campos e está localizada a poucos metros da segunda escadaria que dá acesso à praia do Porto da Barra - cartão-postal da cidade.
Por conta do Porto e das pousadas, restaurantes e depósitos de bebidas, a região vive cheia de baianos e turistas. Até por isso, por muito tempo, foi vista como uma área segura, mas isso tem mudado. Encruzilhada da Barão de Sergy tem sido palco de violência (Foto: Paula Fróes/CORREIO) A Polícia Militar até trocou o comando da companhia local depois de sucessivos crimes no bairro. Em agosto, o casal Adilson Silva Santos, 25 anos, conhecido como Rasta, e Ana Paula Franzoni tiveram os corpos incendiados e morreram. O suspeito da ação foi preso em um hotel no bairro Dois de Julho, no dia seguinte ao crime. A investigação revelou que o crime foi motivado por vingança. “Apuramos que ele teve um desentendimento com a vítima há alguns dias e ameaçou atear fogo nele”, afirmou, na ocasião, a delegada Mariana Tebaldi.
Menos de 15 dias antes desse crime, dois assaltantes roubaram duas pessoas no calçadão e entraram no mar para tentar escapar da polícia. Eles foram presos. No dia 6 de setembro, o corpo de um homem foi encontrado boiando no Porto, mas a polícia informou, na época, que havia indicativos de suicídio.
Tráfico De acordo com uma moradora da César Zama, que também prefere não se identificar por acreditar que o crime faz parte de uma disputa por território, não dá mais para ter a mesma confiança que se tinha ao passar pelo local.
“Antes, se fosse 22h ou até mais tarde, eu circulava ali numa boa, sem medo. Hoje, com o tráfico mais forte por aqui e todas essas disputas entre eles, você não fica ali de bobeira. Na quarta, foi tarde, mas daquela vez que atiraram em dois foi no começo da noite de um domingo, quando isso aqui tá fervendo”, falou.
Outro morador da região, este da Vila Campos, afirma que a sensação de medo paira em quem passa por ali. “Deixar de sair a gente não vai, mas ficamos mais ligados. Isso aqui não é como antes. Esses crimes podem acontecer em qualquer hora e qualquer lugar. Em setembro, chegaram no fim de tarde cheio de gente aqui e meteram tiro nos caras”, lembra, sem se identificar. Moradores da Rua Vila Campos também se assustaram com os disparos (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Um porteiro, que trabalha na Barão de Sergy há anos, afirma que aquela área nem parece mais uma parte de Barra por conta da sequência de atentados.
“Quem diria, não? Essa rua aqui perto de uma das praias mais famosas e é um lugar que todo mundo passa, seja para comprar bebida ou comer pastel na praça. Foi-se o tempo que podia chamar isso aqui de Barra. Agora, é melhor falar de ‘Barra pesada’ porque isso já é comum”, ironiza ele, que pediu para ter seu nome preservado.
Medo O clima anda pesado mesmo. O som dos disparos foi tão alto que conseguiu deixar com medo os moradores das três ruas na encruzilhada onde o crime aconteceu.
“Eu estava vendo uma live e, de repente, o barulho surgiu. Como foi uma rajada, achei até que era queima de fogos dos bares no início, mas logo entendi que era tiro. Quando botei a cara na janela, vi um monte de gente correndo em direção à esquina”, relata uma moradora.
E não foi só ela que confundiu os tiros com fogos de artifício. O morador da Vila Campos afirmou ter tido a mesma impressão.
“É que era uma sequência de estouros sem pausa. Normalmente, o tiro tem mais espaço entre um e outro. Mas, como foi bem rápido, me toquei que poderia ser barulho de arma e confirmei por mensagem com outros moradores da região”, fala.
Procuradas, tanto as polícias Militar quanto a Civil afirmaram que o homem atingido pelos disparos não tinha sido identificado até a noite dessa quinta (2). A PC ressaltou que as circunstâncias do crime estão sendo apuradas pela 1ª DH/ Atlântico. Já a PM destacou que o policiamento no local foi reforçado.
Os moradores também não souberam dizer quem era a vítima, apesar de conhecê-la de vista. “Não sei o nome dele, mas todo mundo via ele passando o dia e a noite aqui na região sempre. Pelo que vi, era uma pessoa que morava na rua mesmo”, disse o porteiro.
Ainda segundo ele, a vítima tinha envolvimento com o tráfico de drogas na área. “Ele vivia sendo preso por envolvimento com droga. Vivia nesse ciclo: era preso, depois solto e repetia tudo de novo. Mas ontem [anteontem], pelo que ouvi, não foi briga entre os caras daqui, foi gente de outro lugar com ele”, completou. Por enquanto, ninguém foi preso.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro