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Dono do Porto do Moreira não descarta vender marca de restaurante


 

Enquanto isso, frequentadores tentam evitar o fechamento do restaurante que funciona desde 1938

  • Da Redação

Publicado em 14/12/2022 às 05:30:00
Atualizado em 17/05/2023 às 21:17:53
. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Como estimar o valor de uma marca que atravessa gerações e emociona as pessoas que, graças a ela, viveram momentos especiais? A tarefa não é fácil, mas o momento de precisar quanto o Porto do Moreira vale pode estar próximo. Com as dívidas de pelo menos R$100 mil se acumulando no orçamento, Chico Moreira, 75, atual dono do restaurante, não descarta vender o combo: espaço físico e a marca criada pelo pai em 1938. Mas não se engane, um tesouro como esse não deve ser vendido para qualquer um e nem a qualquer preço. 

Desde antes da pandemia já surgiam propostas de pessoas querendo comprar o local que o restaurante ocupa desde a década de 1960, no Largo do Mocambinho. Em alguns dos casos, os interessados queriam também levar a marca, mas nenhum dos negócios prosperou.

“O nome eu também vendo, a depender do quanto vão me oferecer. Se for para vender, tem que ser um preço bom, não vou vender por merreca”, diz Chico Moreira, que ainda não tem comprador certo em vista. Apesar disso, o dono tem escutado burburinhos de possíveis compradores.  

O português José Moreira quis fazer uma homenagem à sua cidade natal, Porto, quando decidiu fundar o restaurante, há 84 anos. Mas Chico conta que na época, quando todo mundo se conhecia no Centro da cidade, amigos do pai disseram que ele deveria colocar o sobrenome da família na fachada para ser mais chamativo para a clientela. 

“Disseram que se fosse só ‘Porto’ ninguém iria saber que era dele, então ele decidiu colocar o sobrenome e ficou ‘Porto do Moreira’ até hoje”, conta Chico, que só nasceu nove anos depois do restaurante ser aberto. Com o passar das décadas, a marca foi se fortalecendo até virar sinônimo de culinária baiana de qualidade no coração de Salvador. 

Esse é um valor subjetivo e difícil de se mensurar, como explica Juliana Montenegro, diretora de planejamento da Leiaute Propaganda. Mesmo que alguém compre a marca e monte o restaurante em outro lugar, isso não é garantia de que o estabelecimento tenha o mesmo sucesso. Afinal, o valor é formado por características próprias: localização, recordações expostas nas paredes e a família que cuida do local há tantos anos. 

“É um valor intangível que está ligado ao pertencimento e ao sentimento que existe no coração das pessoas, que foram criados ao longo do tempo. Só quem trabalha com isso e faz avaliação de mercado é capaz de mensurar o valor da marca”, afirma Juliana Montenegro. A missão é tão difícil que hoje existem empresas especializadas em fazer a análise de quanto uma marca vale. 

Quando palavras e números não dão conta de explicar a dimensão de um lugar histórico, os sentimentos falam mais alto. Para o compositor Carlos Pitta, que não abre mão de comer a moqueca de carne da casa sempre que pode, o provável fechamento do Porto do Moreira representa uma perda significativa para a essência da baianidade na capital. 

“Salvador começa a perder as suas referências, o que é muito perigoso. A gente passa a olhar para os lados e não se identificar com o que vê. Eu não suportaria dentro de mim, apesar de entender, ver o Porto do Moreira ser trocado por uma loja de produtos coreanos”, lamenta Carlos Pitta, fazendo referência às diversas lojas de produtos internacionais que preenchem as ruas do Centro. 

O compositor não é o único a sofrer com a perda do lugar icônico. Quando a notícia da venda se espalhou, dezenas de pessoas relataram a tristeza de ver mais um restaurante tradicional enfrentando dificuldades.

Apesar das lamentações, o movimento no Porto do Moreira segue fraco desde o falecimento de Antônio, irmão de Chico, que era quem mais atendia os clientes no salão. Até alguns pratos que faziam parte do cardápio deixaram de ser preparados por conta do custo de produção, como a feijoada, quiabada, mocotó e o bacalhau.

Foi Antônio quem prometeu ao jornalista Elieser César o prato que ele quisesse do restaurante da casa, de graça, há cerca de 20 anos. O motivo? Uma matéria escrita para o CORREIO Repórter, suplemento dominical que fazia parte do jornal. O conteúdo até foi emoldurada e colocado em uma das paredes do restaurante, como mais uma das muitas recordações das décadas de funcionamento. 

“Sempre que eu passava em frente ao restaurante ele me chamava e dizia que eu ainda não tinha ido buscar o prato”, lembra Elieser. O jornalista foi algumas vezes depois disso no Porto do Moreira, mas nunca retirou o prato que ganharia de brinde.“O Porto do Moreira vai deixar muita gente à deriva, muitos boêmios e pessoas que tinham ali um ponto de conversação”, diz Elieser. Amigos criam grupo e se mobilizam para evitar o fechamento 

Uma maré de lamento e tristeza tem tomado conta de frequentadores antigos do Porto do Moreira desde que a notícia da venda foi propagada. Com objetivo de tentar evitar o fim do tradicional restaurante, amigos criaram um grupo em um aplicativo de mensagens para discutir propostas de intervenção. Luiz Coutinho, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, é quem encabeça o grupo e se emociona ao falar da história do lugar. 

“Para mim é um lugar muito caro. Quando soube da notícia, decidi começar a fazer um movimento com as pessoas que frequentam com o objetivo de a gente ver se consegue encontrar uma solução”, explica. Coutinho conta que tinha uma relação de amizade com Antônio, já falecido, irmão de Chico.

O grupo de cerca de 30 pessoas planeja ir almoçar ainda nesta semana no restaurante para relembrar velhos tempos e também conversar sobre a situação do local. Eles não descartam tentar ajudar financeiramente o local.

Quem não deseja o fim nem do espaço físico do sobrado e nem da marca, espera que as autoridades possam de alguma forma ajudar Chico Moreira a pagar as dívidas do restaurante.“É preciso que as autoridades tomem conta um pouco do que faz parte de Salvador e da Bahia.  Já não é só um restaurante que gera lucro, é um patrimônio da cidade”, afirma a jornalista Rita Moraes, outra admiradora e defensora do tradicional espaço baiano.* Com orientação de Monique Lôbo.