Do javali ao coral-sol, espécies invasoras têm sido alvo de planos de contenção nacional
Com a suspeita da chegada do peixe-leão, conheça os riscos de algumas dessas espécies
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Thais Borges
thais.borges@redeabahia.com.br
Quando os estrangeiros chegaram ao Brasil, lá pelas tantas de 1500, a população indígena que aqui morava conheceu um dos aspectos dolorosos da exploração: a vinda de doenças - como sífilis, varíola, sarampo e infecções sexualmente transmissíveis - até então desconhecidas. Eram doenças as quais não eram imunes, que sequer tinham como enfrentar.
O que nem todo mundo sabe é que a fauna e a flora brasileiras também sofreram com a vinda dos forasteiros. E, mesmo hoje, em 2018, as pragas estrangeiras - ou, como também são chamadas, as espécies invasoras - têm tirado o sono de órgãos ambientais, produtores e especialistas. De animais como o peixe-leão, o javali e o coral-sol a fungos que atacam plantações inteiras, os invasores têm sido alvo até de planos de contenção nacionais.
Na semana passada, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divulgou um alerta para uma possivel ocorrência do chamado peixe-leão, na região do Arquipélago dos Abrolhos, no Sul da Bahia. O registro foi feito em vídeo por um visitante que fazia mergulho livre e entregue à equipe do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos.
No ano passado, foi a vez dos javalis. Se, na cultura pop, esses bichinhos ganharam um representante dócil, inofensivo e amigável com o desenho animado Pumba, na vida real, os javalis têm um comportamento um tanto diferente dos companheiros do suricato Timão. Por isso, em novembro de 2017, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ibama e outros órgãos federais lançaram o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali.
De acordo com o MMA, o javali é uma espécie exótica invasora que causa prejuízos tanto para a biodiversidade quanto para a agropecuária. De fato, esse porco selvagem foi parar até na lista das 100 piores espécies invasoras do mundo, elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Fazendas destruídas Na Bahia, os primeiros relatos de ataques de javalis a plantações são de 2010. Segundo a chefe da divisão técnico-ambiental do Ibama no estado, Vânia Passos, acredita-se que os animais que aqui chegaram tenham sido trazidas por famílias do Sul do país que se mudaram, principalmente, para as cidades do Oeste.
Por isso que, por aqui, a maioria dos javalis está espalhada na região Oeste da Bahia.“A gente viu pela distribuição demográfica deles que foram trazidos por pessoas do Sul, porque há um vazio demográfico na região do Espírito Santo e de Minas Gerais. Como no Oeste do estado tem muitas famílias que vieram do Sul, houve uma reprodução acelerada”, explica Vânia.E há dois problemas maiores: primeiro que eles se reproduzem rápido (desde que se tornou ilegal, em 2007, alguns criadores soltaram animais na natureza de forma irresponsável) e, para completar, javalis não têm predadores no Brasil. Na Bahia, porém, não havia criadores (mesmo os legalizados antes de 2007) do bicho; a ocorrência é mesmo atribuída à vinda das famílias sulistas.
Os javalis destroem plantações – especialmente, soja e milho, que são algumas das principais culturas do Oeste, devido ao agronegócio. É difícil estimar um prejuízo causado pelos animais porque, segundo a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), a notificação à entidade não é obrigatória.
Um dos casos conhecidos é o da Fazenda Irmãos Franciosi que fica em Riachão das Neves. O gerente da fazenda, Jair Willigef, chegou lá há três anos e já se sabia da presença dos animais. No entanto, o problema piora a cada dia. Ele nem consegue apontar um percentual afetado, entre os 13 mil hectares do terreno.
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Dentro da área da fazenda, há um rio com 15 quilômetros de extensão. “Esse brejo está bem destruído. Até a casa de bomba de captação está destruída”. conta. Os principais alvos dos javalis são as lavouras de milho pipoca e o próprio algodão. Eles comem as espigas de milho e mordem as maçãs do algodão. “Na área da fazenda, tem muito javali. Não dá para contar, mas são centenas. Temos pessoas que ficam circulando para ver se conseguem conter, usamos foguetes, mas, como está aumentando muito e avançando muito rápido, estamos considerando contratar um caçador”, afirma o gerente da fazenda. Caça de javalis Desde 2013, foi autorizada a caça dos javalis no Brasil. O Ibama autoriza, no caso, o manejo dos animais, que é o abate, e pessoas físicas podem se cadastrar no órgão federal e obter uma licença junto ao Exército para usar armas apropriadas para a caça.
“A cada três meses, esses caçadores enviam um relatório ao Ibama. O ideal é eliminar essas espécies (invasoras) porque o ambiente delas não é ali. O correto é retirar e, na impossibilidade de retirar o organismo vivo, exterminá-lo”. Na Bahia, de acordo com o Ibama, existem sete caçadores de javalis cadastrados. No entanto, é possível que caçadores registrados em outros estados venham para a Bahia fazer o manejo dos javalis.
Mas, devido à burocracia para conseguir autorização de caça, o presidente da Associação Nacional de Caça e Conservação (ANCC), Daniel Terra, acredita que o número seja bem maior. Para um estado do tamanho da Bahia, a entidade estima que existam cerca de mil caçadores de javali ainda sem cadastro no Ibama.
De acordo com ele, os javalis são uma praga conhecida em cidades como Eunápolis, no Extremo Sul do estado. “O javali é uma bomba relógio que transmite 32 doenças, como febre aftosa, e causa danos ao meio ambiente. Ele é um predador e o controle do javali no Brasil é extremamente prejudicado pela burocracia”, diz.
Para se tornar um caçador, a autorização para porte de armas inclui ter mais de 25 anos, ser filiado a alguma associação ou clube de tiro, não ter antecedentes criminais e passar por exame psicológico. Por ser um animal de médio porte, os javalis precisam ser caçados com armas de grosso calibre – uma que seja, inclusive, rápida o suficiente para diminuir o sofrimento do animal, quando abatido. Segundo Terra, o meio mais eficaz de controle é com o monitoramento com cães. Na Bahia, há sete caçadores legalizados de javali (Foto: Wikicommons/Reprodução) Não há dados oficiais sobre a população desses animais no país, mas há quem estime algo em torno de cinco a oito milhões no Brasil.“O que a gente pode afirmar é que é um animal que não foi erradicado em lugar nenhum do mundo, a não ser pequenas ilhas. Onde ele encontra território, ele vai procriar e aumentar”, diz o presidente da ANCC. Atualmente, no Brasil, existe um debate sobre a permissão de caça também para a lebre europeia – conhecida popularmente como ‘lebrão’. Embora o Ibama não confirme, Terra diz que já há relatos de que o animal – muito comum no Sul e no Sudeste, onde chega a destruir plantações inteiras – já tenha chegado ao Sul da Bahia.
Assim como o javali, a lebre não tem predador. E, para completar, é um animal grande que se desloca rápido. “Já tem danos muito sérios nos locais onde ela está presente. O Ibama está cometendo, com a lebre, o mesmo erro que com o javali, porque já se constatou que é uma espécie invasora”.
Potencial invasivo Outras espécies com potencial invasivo têm sido monitoradas por órgãos federais. Em outubro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Embrapa divulgaram uma lista com 20 pragas estrangeiras que podem chegar ao país. Entre as pragas, há fungos, insetos, vírus, bactérias e até plantas daninhas que atacam produções agrícolas. Dessas 20, pelo menos três já contam com planos de contenção.
“A atuação conjunta entre o Mapa, a defesa agropecuária e a pesquisa é uma das grandes oportunidades de integração em políticas públicas e desenvolvimento tecnológico que surgiram com esse trabalho de priorização”, afirmou o líder do Portfólio de Sanidade Vegetal da Embrapa, Francisco Laranjeira, em nota.
Ao CORREIO, o pesquisador da Embrapa Fernando Haddad explicou que uma dessas pragas é a raça 4 da Fusarium oxysporum, um fungo cujas raças 1 e 2 já estão no país. É um fungo do solo que ataca as bananeiras – enquanto as raças 1 e 2 atingem, principalmente, as do tipo ‘prata’, a nova raça pode afetar também bananas d’água e da terra. Fusarium oxysporum já atinge bananeiras que produzem a banana do tipo 'prata' (Foto: Léa Cunha/Embrapa) “O Fusarium, até hoje, não tem nenhuma medida efetiva para controle então o melhor método de controle é usar a variedade resistente. Tem uma banana tipo maçã, que é muito consumida em São Paulo e em Goiás que foi praticamente dizimada no país pela raça 1”.
Para conhecer as outras espécies invasoras, confira a lista preparada pelo CORREIO 1. Coral-sol A beleza da cor fluorescente do coral-sol disfarça um dos piores predadores estrangeiros na Bahia atualmente. O animal, que é um cnidário (mesmo grupo de anêmonas e caravelas), veio do Oceano Pacífico e ameaça praticamente todas as outras espécies de corais.
De acordo com a chefe da divisão técnico-ambiental do Ibama, Vânia Passos, o coral-sol é uma ameaça à biodiversidade local tão grande que o plano de monitoramento – como o do javali – tinha previsão de ser lançado em 2018 pelo governo federal, mas ainda não há data para quando isso deve acontecer. O coral-sol já está em todo o litoral (Foto: Wikicommons/Reprodução) “O coral-sol acaba sendo introduzido a partir das plataformas de petróleo, porque ele se adere às estruturas das plataformas. Por onde essa estrutura navega, ele vai sendo disseminado. Ele vai ocupando as áreas de fixação das espécies nativas”, afirma Vânia. A costa brasileira, ao contrário do Pacífico, que chega a ter mais de 500 espécies de corais, tem apenas 18 corais naturais. Hoje, na avaliação do Ibama, o coral-sol deve estar presente em todo o litoral da Bahia, mas é possível identificar alguns focos de maior incidência, como a Baía de Todos os Santos, devido à interferência da navegação.
2. Sigatoka negra A sigatoka negra é uma praga que ataca as bananeiras. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), há registros desse fungo no Brasil desde 1989, mas, até então, a Bahia podia se dizer livre dela. Desde 2015, contudo, essa não é mais a realidade, de acordo com o pesquisador da Embrapa Fernando Haddad.
Originária da América Central, chegou à América do Sul em seguida. O fungo provoca lesões na folha da bananeira (Foto: Léa Cunha/Embrapa) “Existe um trânsito de mudas. Pesquisadores de outros países e até leigos trazem uma planta ornamental, uma espécie exótica e acabam introduzindo também os patógenos que estão nela”, explica Haddad.A sigatoka negra é um fungo que provoca lesões na folha da bananeira, como uma espécie de estrias negras, até que mata a folha por completo. Segundo o pesquisador da Embrapa, a doença faz cair o rendimento da bananeira se não for aplicado nenhum fungicida – que estão disponíveis na Embrapa.
Na Bahia, a região mais crítica é no Recôncavo – mais especificamente, no litoral – devido à produção de banana da terra sem pulverização. Em Bom Jesus da Lapa, no Vale do São Francisco, onde está a maior parte da produção de bananas do estado, o próprio clima ajuda a enfrentar a sigatoka negra. No semiárido, fungo não consegue se reproduzir tanto devido à baixa umidade.
“A gente não tem um percentual de dano ainda, mas sabemos que vários agricultores familiares estão sofrendo com a doença e a perda de produção. Por enquanto, é aquele negócio: se você não controlar, estima-se perda de até 80% da plantação”. 3. Almeirão do campo Em 2013, o casal de pesquisadores Cezar Neubert e Cristiane Freitas publicou um artigo na revista científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sobre o potencial invasivo do almeirão do campo. Analista ambiental do órgão no Parque Nacional da Chapada Diamantina, Neubert identificou a planta a poucos quilômetros do local. O almeirão foi localizado por pesquisadores na Chapada Diamantina (Foto: Wikicommons/Reprodução) Segundo ele, o almeirão ainda está numa área restrita, mas já há registros no Oeste da Bahia. “O problema é que a semente dela às vezes vem misturada com a semente de soja, milho. Ela se espalha e prejudica as espécies nativas. Vem tanto clandestinamente junto com as sementes quanto grudadas no pneu de carros e caminhões”.
4. Caramujo africano Assim como javali, o caramujo está na lista das 100 piores espécies invasoras do mundo, elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza a partir daquelas espécies que não apenas conseguem ‘viajar’ a novos lugares, mas também “prosperar e dominar novos espaços”. O caramujo chegou como uma aposta comercial (Foto: Wikicommons/Reprodução) O caramujo chegou aqui na década de 1980 como uma aposta comercial, como um tipo mais barato de escargot, já que a espécie era consumida na África. No entanto, como, no Brasil, não houve tanta demanda, o esperado comércio fracassou. Criadores lançaram, então, os animais na natureza de forma irresponsável e, devido à sua alta capacidade de reprodução, o bicho se espalhou pelo país. Na Bahia, está, principalmente, nas cidades da costa litorânea.
Além de causar prejuízos à biodiversidade, por destruírem plantas nativas e comerem até outras espécies de caramujo, o molusco está associado a doenças em humanos – inclusive, há casos de meningite. Ele também hospeda larvas de Angiostrongylus costaricensis, que causa a angiostrongilíase abdominal. 5. Vassoura de bruxa Uma das maiores vilãs da produção cacaueira, a vassoura de bruxa é uma espécie exótica invasora. De acordo com pesquisas da Embrapa, ela se tornou conhecida no Suriname em 1895 e chegou à região amazônica em 1898. Contudo, o tamanho da ameaça da vassoura de bruxa só ficou mais claro quando o fungo chegou no Sul da Bahia, em 1989, e atacou a produção de cacau. A vassoura de bruxa foi enfrentada na Bahia (Foto: Felipe Rosa/Embrapa) Para enfrentar a vassoura de bruxa, é preciso eliminar os frutos que, porventura, estejam infectados, fazer podas depois da aplicação de fungicidas e buscar variedades resistentes à doença, através de órgãos como a Embrapa e a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). 6. Abelha africana Essas abelhas chegaram ao Brasil em 1956, trazidas pelo geneticista paulista Warwick Estevam Kerr para produzir mel de melhor qualidade. A abelha foi trazida por um geneticista (Foto: Wikicommons/Reprodução) No entanto, após um acidente, algumas dessas abelhas escaparam e houve um cruzamento com abelhas europeias – gerando, inclusive, as chamadas ‘abelhas africanizadas’, brasileiras apelidadas de ‘abelhas assassinas’, devido ao seu perfil agressivo. Hoje, estima-se que 90% das abelhas no país sejam as chamadas africanizadas. 7. Mexilhão dourado Assim como o coral-sol, o mexilhão dourado chegou ao Brasil provavelmente de forma acidental, pela água de lastros de navios, de acordo com o Ibama. Natural da Ásia, o molusco já está em toda a região Sul, além de pontos do Sudeste e Centro-Oeste. Mexilhão chegou ao Rio São Francisco (Foto: Wikicommons/Reprodução) Recentemente, chegou à Bahia – mais especificamente, no Rio São Francisco, onde entopem máquinas de usinas hidrelétricas e tubulações. 8. Algaroba Introduzida como política governamental no Nordeste na década de 1940, a partir de sementes do Sudão e do Peru, a algaroba se adapta bem ao semiárido. Na época, dizia-se que a árvore iria “salvar o Nordeste”, proporcionando florestamento, arborização de cidades e até alimentação de rebanhos. No entanto, acabou se tornando uma grande ameaça ao equilíbrio ecológico da caatinga. Nos anos 1940, houve quem acreditasse que algaroba ia 'salvar' o Nordeste (Foto: Wikicommons/Reprodução) A espécie prefere locais onde a água é mais abundante. Nesses espaços, formam grandes contingentes populacionais, prejudicando a existência de outras espécies nativas. Hoje, está presente em cidades como Morro do Chapéu, Juazeiro, Xique-Xique e Barreiras.
Há projetos, inclusive da Embrapa, para controlar o avanço da algaroba através da produção de itens como farinha, goma e aguardente através da coleta de frutos da planta. 9. Siri bidu O crustáceo chinês também chegou à Bahia através de águas de lastro de navios. Por aqui, os primeiros registros datam de 1996. Uma das principais ocorrências é no Rio Cachoeira, em Ilhéus, no Sul do estado. O siri bidu chegou através de águas de lastro (Foto: Wikicommons/Reprodução) Compete com outros crustáceos nativos e é um hospedeiro do vírus da mancha branca – uma doença considerada devastadora para a criação de camarões em todo o mundo.
Segundo o ICMBio, a dispersão do siri bidu é facilitada por uma vida larval de 44 dias e o animal tem uma dieta carnívora generalista. 10. Samambaia de caniço No Vale do Pati, na Chapada Diamantina, há pelo menos quatro espécies, de acordo com o pesquisador do ICMBio Cezar Neubert. Pertencentes à família botânica da Gleicheniaceae, elas são nativas do Brasil, mas, na Chapada, têm se comportado como invasoras.
“As samambaias tomaram conta de lá. Tem registro de pelo menos 20 anos (de presença na região), mas ela tem se expandindo rapidamente. Elas estão em alguns pontos onde havia floresta, mas vão ocupando a parte de baixo e formando uma camada densa de samambaias. A floresta some, fica só a samambaia”.
Hoje, as samambaias já ocupam cerca de 430 hectares – ou seja, 430 campos de futebol – somente no Vale do Pati. “Há relatos de problemas parecidos na América Central e na Ásia”, completa.