Coronavírus faz praias de Salvador amanhecerem vazias: 'estranho e terrível'
Seis praias foram interditadas a partir deste sábado (21)
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Bruno Wendel
bruno.cardoso@redebahia.com.br
A Praia do Porto da Barra estava diferente. Aquela muvuca clássica de toda manhã de sábado, com crianças correndo, barracas lotadas, bronzeador para todos os lados e muito banho de mar, simplesmente sumiu. O cenário era estranho. Lá, só areia, mar, o barulho das ondas e dois vira-latas curtindo a brisa. Cachorros dominaram praia do Porto da Barra (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) O clima foi de estranhamento por quem passou pelo local. A confeiteira Ana Cláudia Matias, 35 anos, estava parada na balaustrada quando conversou com a reportagem."É tudo estranho e terrível ao mesmo tempo. A praia está vazia porque é necessário para garantir vidas, mas esse deserto nunca aconteceu, mesmo no inverno. Vamos rezar para isso passar", disse ela, antes de retomar o passeio com seu cachorro.É que junto com o fim do Verão, que acabou nesta sexta (20), as praias se fecharam para os banhistas. Para evitar a disseminação do novo coronavírus, o prefeito ACM Neto assinou um decreto que fechou as seis praias mais frequentadas da cidade, além de proibir a realização de atividades comerciais em qualquer praia do município. A medida vale por 15 dias e também afeta clubes sociais, recreativos e esportivos.
Estão fechadas para o público as praias do Farol da Barra, Porto da Barra, Piatã, Itapuã e Ribeira. Os bloqueios são realizados pela Guarda Civil Municipal (GCM) e a Secretaria Municipal da Ordem Pública (Semop).
Por volta das 7h, os agentes da Semop e os guardas municipais já estavam no Porto da Barra, a praia mais popular de Salvador. “O pessoal entendeu o risco e a gente está aqui para reforçar. Um pouco mais cedo, um grupo de idosos cogitou a possibilidade de entrar, mas chegamos na hora. Era um grupo de sete, todos acima de 60 anos, todos no grupo de risco. Uns reclamaram, mas, ao final, todos entenderam que o melhor era não entrar”, declarou Adriano Silveira, diretor-geral da Semop.
'Que mal há?' Apesar da maioria das pessoas ter seguido à risca o decreto, alguns deram uma escapadinha para colocar os pés na areia. Sentado na praia, admirando o mar, Miguel Sabin, 66 anos, apreciava a imensidão enquanto o anzol ainda não dava os sinais de que tinha peixe na área.
"Tenho a esperança de sair com um daqueles", brinca ele, que não abriu mão da sua pescaria. “É o meu hobby”, justifica ele, que pertence ao grupo de risco da Covid-19, por ser idoso. Miguel não abriu mão da pescaria (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) “Estou aqui solitário e mantendo um metro de distância de você. Que mal há? Estamos cercados pela natureza. Além do mais, estou fazendo o que meu médico recomendou. Preciso caminhar na areia todos os dias. Em dezembro fiz uma cirurgia no fêmur e a caminhada faz parte do tratamento”, justificou o idoso à equipe do CORREIO, antes de encerrar a conversa e retomar a pescaria, por volta das 9h, na Praia do Buracão, no Rio Vermelho, uma das seis interditadas pela prefeitura.
Já no Farol da Barra, um rapaz era o único na areia, pouco depois das 7h30. Ele estava sentado a poucos metros de três guardas municipais, posicionados na escadaria em frente à base da unidade na Barra. Pouco depois de molhar os pés, ele pegou os objetos e o lixo (cascas de banana e maçã), e saiu andando. O rapaz não quis dar entrevista.
Na calçada, a ambulante Neide Maria Souza, 45, estava sentada em dos bancos em frente ao cartão postal. O semblante não era o mesmo de outros sábados. "Não tem como não ficar triste. Praia vazia, bolso vazio também", lamentou. Casal saiu para correr e aproveitou para espairecer (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) O sentimento é parecido com o do casal Rose e Pablo Barleta, 45 e 52 anos, respectivamente. “Saímos de casa agorinha por que não aguentávamos mais ficar intocados. Vamos só dar uma corridinha, senão a gente pira”, disse ela, que é enfermeira.
Mais à frente, nas pedras atrás do farol, um grupo de homens pescava quando foi abordado pela nossa equipe. Um deles se adiantou: "a gente sabe que não é para vir à praia, mas tem algo que mata mais que o coronavírus, a mulher. Ninguém aqui quer acordar com a mulher brigando”, brincou o eletricista Guedes Fonseca, 59, que pesca no local há 20. Pescadores foram à praia do Farol da Barra (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Em nota, a Guarda Civil informou que os pescadores profissionais estão autorizados a passar e devem ficar nas pedras. “As pessoas que por ventura estejam na área de faixa de areia estão sendo convidadas a sair. A ação que conta com apoio da Semop e Codesal, utiliza equipamento sonoro, alertando a todos dos perigos”Barraqueiros Na Avenida Octávio Mangabeira, o CORREIO encontrou um grupo de funcionários de barracas de praia reclamando da ação dos guardas municiais na Praia de Jardim de Alah.
“Mandaram a gente não abrir as barracas. Como pode? Se essa praia não está na relação das interditadas?”, reclamou Marcelo Mendes, 35, garçom da Barra do Ceará. Barraqueiros lamentam por não poderem trabalhar (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) De fato, Jardim de Alah não está na relação das praias interditadas, maso decreto municipal também proíbe atividades comerciais em qualquer praia do município. Os kits distribuídos pela Semop aos comerciantes que atuam nas praias, inclusive, estão sendo retirados e não haverá cobrança de taxas a esses profissionais enquanto durar a medida, que pode ser prorrogada. “Não podemos chegar casa de bolso vazio. Precisamos de uma solução. Sabemos que há o risco, mas para nós, pobres, só nos resta morrer pelo coronavírus ou de fome. Ninguém aqui quer roubar”, desabafou Edevalcy Sena, 43, garçom da Barraca do Léo.