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Conheça a Operação Serenata de Amor, que criou robô para monitorar gastos de parlamentares


 

Ferramenta será apresentada no seminário O Futuro do Jornalismo, promovido pelo CORREIO nessa sexta-feira (26)

  • Thais Borges

Publicado em 25/07/2019 às 05:49:00
Atualizado em 20/04/2023 às 01:41:06
. Crédito: Foto: Reprodução

Uma única refeição que custou R$ 6.205. Um reembolso por consumo de bebida alcoólica em Las Vegas. Um gasto de 30 tanques de gasolina mensais. No mesmo dia, 13 refeições feitas por uma só pessoa. Tudo isso foi listado por deputados federais brasileiros na chamada Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap) nos últimos anos. 

Por mês, cada deputado tem direito a R$ 44 mil para comida, passagens de avião, combustível e outros aspectos. Funciona assim: o parlamentar paga com seu dinheiro, mas envia as notas fiscais à Câmara Federal e recebe o reembolso pelo gasto. Só que, como dá para perceber, por vezes, o dinheiro é pedido de volta para alguns gastos questionáveis.  

Quem identificou cada um desses reembolsos foi uma moça conhecida como Rosie, que trabalha para a Operação Serenata de Amor. O nome diferente parece até ação da Polícia Federal, mas, na verdade, diz respeito a um grupo de cientistas de dados e “apaixonados por tecnologia”, como se referem, que criou uma ferramenta para monitorar os gastos públicos. Com um código aberto, aceitam colaborações de todo o mundo – inclusive de jornalistas e investigadores.

Rosie talvez seja a mais famosa dos integrantes do time. No entanto, ela é uma colaboradora ‘normal’. Rosie é um robô: uma inteligência artificial programada para identificar gastos suspeitos nos pedidos de reembolso da Ceap. “Rosie é uma rede neural. Na computação, uma rede neural é um algoritmo que simula as conexões de neurônios para você ter um resultado de saída com base em algumas regras”, explica o líder técnico da Operação Serenata de Amor, Mário Sérgio. Ele é um dos palestrantes do Seminário O Futuro do Jornalismo, que acontece nessa sexta-feira (26), das 8h às 12h30, no Hotel Quality, no Stiep. Promovido pelo CORREIO, o evento vai debater os caminhos do jornalismo através da ciência de dados e das inteligências artificiais.

No seminário, serão apresentados os exemplos de como três organizações brasileiras têm utilizado a tecnologia para transformar a maneira como se faz jornalismo e controle social no Brasil. Além da Operação Serenata de Amor, o evento ainda vai contar com as participações do Nexo Jornal e do Jota. As inscrições, gratuitas, já foram encerradas. Mário Sérgio é um dos palestrantes do seminário O Futuro do Jornalismo (Foto: Divulgação) Chocolate A Operação Serenata de Amor foi criada em 2016 por um grupo de jovens programadores. O nome realmente veio do chocolate: a inspiração foi do Caso Toblerone, quando uma política sueca Mona Sahlin foi mundialmente exposta em um escândalo. 

Na época, em 1995, quando era ministra do Trabalho do país, foi descoberto que ela usava o cartão corporativo para gastos pessoais. Entre as compras, estava uma barra de chocolate Toblerone. “Queremos fazer isso: usar tecnologia para permitir que os cidadãos monitorem os gastos públicos até em valores tão baixos como o de uma barra de chocolate”, definem, no site da Serenata. 

Parte do grupo que deu início à operação já tinha alguma experiência com projetos de controle social e de gastos públicos. Foi assim que chegaram à possibilidade de análise dos gastos da cota parlamentar. 

Todos esses dados são abertos e coletados pelo grupo. O código é aberto, ou seja, qualquer pessoa pode programar e fazer sugestões, além de se envolver politicamente no projeto. A própria Rosie é programada a partir de um código. A robozinha foi criada para identificar os gastos suspeitos dos deputados federais e postar em sua página no Twitter (@rosiedaserenata). 

O objetivo dessas ações, de acordo com Mário Sérgio, é usar os dados para aproximar as pessoas.“A ideia não é abrir processo contra os deputados, mas jogar para a opinião pública. São projetos que dependem muito do envolvimento e do engajamento das pessoas”, explica o líder técnico da operação. Hoje, o projeto fica hospedado na Open Knowledge Brasil, também chamada de Rede pelo Conhecimento Livre, que é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Lá, quatro pessoas trabalham diretamente com a Serenata. Mas, de certa forma, o trabalho cresceu exponencialmente e se tornou uma rede. 

O grupo no Telegram tem 743 membros enquanto a página no GitHub (plataforma de hospedagem de código-fonte) conta com 101 colaboradores. No caso do GitHub, significa dizer que 101 pessoas programaram algo na Serenata de Amor, seja propondo coisas novas ou fazendo correções. 

Suspeitas Justamente por ser um projeto de código aberto, a robô Rosie não nasceu de uma reunião de equipe, por exemplo. Sugestões, ideias e correções chegam a qualquer momento pelo Telegram ou no GitHub, vindas de todas as partes. Foi mais ou menos o que aconteceu com ela: Rosie começou a partir do amadurecimento de ideias de muita gente, em 2017.

Batizada de Rosie por conta de uma robozinha que fazia a limpeza no desenho Os Jetsons, da década de 1980, a questão principal é de que forma ela levanta uma suspeita. Não há ninguém que, manualmente, preencha em algum lugar que um almoço que custa R$ 2 mil é algo estranho.  (Foto: Reprodução/Twitter) “A gente treina a rede neural com um conjunto de dados como o reembolso dos deputados. Se eu treino dados da Câmara de 2012 a 2019, por exemplo, a rede neural pode entender que a média de almoço é de R$ 40, olhando o almoço dos próprios deputados. E assim a gente vai definindo as regras, fazendo os classificadores”. O sistema também faz cruzamento de dados com a Receita Federal para saber se a empresa que recebeu o pagamento tem CNPJ inativo – se tiver, é mais um indício de suspeita. Já teve situação em que um mesmo parlamentar solicitou um reembolso no Acre e, minutos depois, pediu outro no Rio Grande do Sul. Outro classificador é se o deputado tem gastos para terceiros, uma vez que, pela lei, a Ceap é individual. 

Uma vez por mês, Rosie faz todos esses cálculos. Quando identifica as suspeitas, cada uma delas vai para a fila do Twitter e ela publica um ou dois por dia. “Ela (Rosie) não fica 100% rodando. Ela está paradinha e chega um momento em que o servidor roda o script. Depois, é só tuitar, porque já está tudo na base de dados”, diz Mário Sérgio. 

No início do ano, Rosie chegou a ser bloqueada pelo Twitter, porque marcava os deputados. Na época, a rede social tinha deflagrado uma ofensiva contra robozinhos como forma de combate às fake news. O problema é que, pelo sistema, Rosie caiu na lista. Porém, o perfil dela foi liberado depois que foi lançada uma campanha pelo desbloqueio. Desde que ela retornou ao Twitter, os deputados são apenas citados nominalmente, mas sem marcação. 

Além de Rosie, existe Jarbas, uma plataforma cujo objetivo é justamente facilitar a visualização dos dados gerados por Rosie. 

Resultados Hoje, a Open Knowledge Brasil é majoritariamente composta por jornalistas. No entanto, mesmo que produzam conteúdo sobre os dados da Operação Serenata de Amor, a publicação não é diária. Mesmo assim, o trabalho de Rosie e companhia já gerou mais de 70 notícias publicadas em revistas e artigos online, além de mais de 15 podcasts e mais de 10 aparições na TV aberta. 

No entanto, os principais resultados do trabalho de Rosie são relacionados ao próprio acompanhamento da atividade parlamentar. Desde 2016, foram mais de nove mil suspeitas detectadas, 800 denúncias oficiais à Câmara Federal e aproximadamente 150 reembolsos cancelados. Até 2017, os deputados já tinham devolvido mais de R$ 50 mil após os alertas da operação. 

“A gente sabe que não é um projeto grandioso, mas a Serenata é mais um recado. É para mostrar que a população pode fiscalizar, tem condições técnicas para isso”, diz Mário Sérgio. 

Agora, a meta é expandir o trabalho que já é feito hoje. Esse acompanhamento, por exemplo, ainda não é feito com o Senado Federal, que não abre todos os dados. Além disso, existe um projeto pra acompanhar os diários oficiais dos municípios e outro para levantar dados do Judiciário. 

Além de contribuir com o código aberto, é possível ajudar a Operação Serenata de Amor de outras formas. No início, um financiamento coletivo arrecadou R$ 80 mil. Agora, existe um financiamento na plataforma Apoia.se, que é constante. Basta cadastrar o cartão de crédito e, mensalmente, pagar quantias a partir de R$ 5. Hoje, existem 348 pessoas apoiando mensalmente.