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Chefe do tráfico baiano nos anos 1990, Ravengar acumulou prisões e popularidade


 

Morto nesta quinta (8), traficante foi preso diversas vezes e ficou conhecido por código de conduta criado na prisão

  • Da Redação

Publicado em 09/06/2023 às 05:00:00
Atualizado em 14/06/2023 às 11:58:23
. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

Principal nome do tráfico de cocaína na Bahia dos anos 1990 aos 2000, Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, morto nesta quinta-feira (8), aos 70 anos, em consequência do diabetes, teve uma trajetória marcada por fases que lhe renderam diferentes alcunhas. Preso por pelo menos três vezes, antes de ser Ravengar, o chefe do tráfico baiano era taxista e apontador do jogo do bicho, também conhecido como “Raimundão”. 

Sua ascensão no mundo das drogas começou com a queda de Zequinha do Pó, atleta de remo e professor de natação, que distribuía entorpecentes no restaurante Vermelho e Preto, situado na Avenida Sabino Silva, em Ondina. Após meia década de domínio, Zequinha foi preso em 1989, e o novo ‘barão’ do tráfico passou a ser Ravengar, que à época morava no Pelourinho e traficava maconha. 

Com a prisão do “barão da coca”, Ravengar enxergou uma oportunidade de ouro. No início dos anos 1990, ele já havia montado um esquema de venda de cocaína no varejo e conquistado uma grande clientela. Sua fama foi tanta que ele conseguiu deslocar o eixo do comércio do pó da Bara e Ondina para o Morro do Águia, em São Gonçalo do Retiro. 

Em uma matéria publicada pelo CORREIO em 2009, o ex-delegado de Tóxicos e Entorpecentes nos anos 90, Itamir Casal, relembrou a dinâmica policial que havia naquela época. “Para que ele se mantivesse sem problemas no tráfico, havia muita complacência da Justiça e de policiais. Nós o prendíamos, mas ele acabava solto. Nas batidas, sempre escapava, na certa, já avisado”, lembrou.

Preso em 1993 pela primeira vez com cinco gramas de cocaína, diversos cheques e 21 mil cruzeiros reais, ele ficou sob custódia da Justiça, mas não por muito tempo. Em 2004, uma megaoperação foi deflagrada para capturá-lo e, desta vez, seu tempo de prisão foi maior: 8 anos, cumpridos entre 2004 e 2012, quando passou ao regime semiaberto. A última vez que foi preso foi em 2017, por tráfico de drogas, junto com a mulher, com os filhos e um neto. Ravengar durante prisão por tráfico de drogas em 2017 (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO) Pulverização do tráfico em Salvador Em 2009, o ex-diretor do Departamento de Tóxicos e Entorpecentes (atual Departamento de Narcóticos), o delegado Edmilson Nunes encabeçou a força-tarefa que culminou com a terceira prisão de Ravengar, depois de mais de um mês de sucessivas batidas no Morro do Águia, onde ficava a fortaleza do traficante. 

“O tráfico na época dele era centralizado, e a violência, velada. Para Raimundão, que tinha mais maturidade, pouca confusão era melhor para os negócios. Havia crimes e mortes, sim, mas em menor grau”, afirmou ele ao CORREIO em 2009. 

Nunes foi responsável pelo levantamento que identificou o organograma da quadrilha comandada por Ravengar. Ao refletir sobre a escalada de violência e terror vista em Salvador naquela época, ele admitiu que a queda de Raimundão abriu espaço para que o comércio de drogas se pulverizasse. Com isso, as guerras sangrentas entre facções começaram a surgir. 

Apelido O apelido Ravengar surgiu na vida de Raimundo Alves de Souza inspirado no personagem da novela global ‘Que Rei Sou Eu?’, exibida em 1989, exatamente na época em que os negócios no tráfico estavam ganhando outro patamar na trajetória de Raimundo. Na trama ambientada em 1786, o personagem Ravengar era interpretado pelo ator Antonio Abujamra, falecido em 2015. Ele fazia o papel de um bruxo aliado da rainha Valentine, que comandava o reino de Avilan. 

Um vilão irreverente na novela, Ravengar tinha tanta empatia com as crianças que o cromo do personagem no álbum de figurinhas era um dos mais disputados. Na vida real, havia uma espécie de imitação da arte. O Ravengar do crime distribuía chocolates para as crianças, dava dinheiro para os que pediam — que dizia ser roubado dos ricos — e montou uma barbearia comunitária. 

A popularidade do traficante era tanta que seu nome virou parte da letra da música dos artistas Sine Calmon & Morrão Fumegante. “Desço lá do morro, riba, passo longo em Ravengar”, diz o trecho. Não se sabe o que esse “passar em Ravengar” quer dizer até hoje, mas o chefe do crime também tinha bar e uma mercearia chamada “Reluz”. O nome, que sugestionava uma identificação com "brilho"(cocaína), foi apagado do letreiro, mas abrigou uma banda musical com o mesmo nome. 

Sua tendência ao estrelismo também ocorreu na prisão. Em um episódio em que ficou bastante famoso na Bahia, Ravengar criou uma cartilha que ficou conhecida como o Código Ravengar. No material, que foi digitado, impresso, encadernado e distribuído entre os presos, estavam as regras de comportamento e as penas previstas para quem as descumprisse no Pavilhão 1 do complexo penitenciário. Por conta da cartilha, Ravengar foi punido com 30 dias na solitária. 

Em 2014, no entanto, o traficante retornou à Penitenciária Lemos Brito (PLB), onde participou do "Teoria da Paz", projeto que visava a ressocialização dos detentos por meio de atividades artísticas, implantado pelos internos do Módulo 1 da unidade prisional.   

Entre as ações realizadas para ajudar no processo de reintegração social estavam a quadrilha de São João, encenações de um casamento entre pessoas do mesmo sexo e do espetáculo "A Paixão de Cristo", todas disponíveis à época no canal de Ravengar, no Youtube. Ele também mantinha um blog e compartilhava sempre as postagens em sua página no Facebook. Seu jargão mais usado era "Pegue a visão".

Principais passagens pela polícia:

1993Preso pela primeira vez em 5 de agosto de 1993, aos 40 anos, Ravengar foi pego quando ia entregar cinco gramas de cocaína no Edifício Imburana, no bairro de Santo Agostinho. Ao avistar a polícia, o traficante saiu correndo, jogando para o alto o dinheiro que possuía. Os policiais prenderam-no, recolheram o dinheiro estimado em CR$ 21 mil (cruzeiros reais) e ainda encontraram com o traficante diversos cheques.  2004A segunda prisão ocorreu após uma operação que durou mais de 15 dias. Com foco em desmontar o chamado “império de Ravengar”, os policiais conseguiram prender o traficante no dia 16 de fevereiro daquele ano, após 20 dias da sua escapada da Justiça. O cerco aconteceu em um condomínio de Barra do Jacuípe, quando o foragido chegava ao local dirigindo um carro Vectra, ao lado da mulher, Sueli Napoleão.  Ao perceber o cerco, Ravengar tentou fugir, iniciando uma perseguição de 10 km que teve como resultado o disparo de um tiro que atingiu suas costas. Após ser ferido, ele se entregou à polícia próximo à localidade de Monte Gordo. De acordo um dos agentes, o traficante saiu do carro gritando que havia sido atingido e foi encaminhado para o Hospital Menandro de Faria, em Lauro de Freitas, repetindo diversas vezes que não queria morrer.  Ravengar foi conduzido ao Hospital Geral do Estado (HGE), onde foi submetido a uma cirurgia para retirada da bala, que ficou alojada no abdômen. Durante os procedimentos cirúrgicos, também foi extraído seu rim direito, dilacerado pela bala de uma pistola calibre 40. Ele ainda sofreu lesões no pulmão e no diafragma direito.  2006Preso por dois anos, o traficante foi condenado pela Justiça a cumprir 25 anos e seis meses de prisão. Ele cumpriu parte da pena na Penitenciária Lemos Brito, no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Em 2007, ele teve a pena reduzida para 22 anos e seis meses.  2012Em maio de 2012, Ravengar passou a cumprir sua pena em regime semiaberto. Ele foi transferido do complexo Penitenciário Professor Lemos Brito, na Mata Escura, para o presídio de Lauro de Freitas.   2017Em 2017, voltou a ser preso em regime fechado por tráfico de drogas, junto com a mulher, os filhos e um neto. A Operação Petros foi deflagrada na Fazenda Grande do Retiro, Pero Vaz e Paripe. Além de ter capturado Ravengar, cumpriu mais cinco mandados de prisão. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo