Assine

Casarão do antigo Restaurante Colon ameaça desabar e preocupa comerciantes


 

Prédio está cheio de rachaduras e danos aparentes

  • Wendel de Novais

Publicado em 11/10/2022 às 05:45:00
. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Estrutura comprometida, rachaduras evidentes, partes de reboco a ponto de soltar e a parede inclinada, que aparenta um risco de queda. É assim que está o casarão no bairro do Comércio, em Salvador, que por anos abrigou o Colon, um dos mais antigos restaurantes da capital baiana, que deixou o local por problemas estruturais e complicações econômicas devido à pandemia no final de 2021.  A edificação, que é do século XIX e costumava receber nomes ilustres como Jorge Amado, Neuza Borges, Tatti Moreno e Nelson Rufino, está vazia desde então. Quem caminha em frente ao prédio, na esquina da Rua Conde D'eu com a Praça Conde dos Arcos, vê janelas fechadas com tapume e uma estrutura que, a cada dia que passa, fica pior. A vendedora Suane Alves, 24 anos, trabalha há três anos em frente ao casarão. Além de confirmar o esvaziamento do local com a chegada da pandemia, ela afirma que, mesmo depois da saída do Colon pelos problemas do prédio, nada foi feito para corrigir os problemas indicados pelos antigos ocupantes da edificação.  "Tem mais de ano que o restaurante saiu aí desse casarão, foi logo depois do coronavírus. Como botaram a placa de restauração, achei que iam mexer e consertar tudo, mas nada mudou desde então. Eu nem tinha reparado em como tá feio, mas realmente tem muitas rachaduras. É que ficou fechado esse tempo todo", afirma ela.

[[galeria]]

Medo de queda Um comerciante, que prefere não se identificar e trabalha ao lado do casarão, afirma estar preocupado com a possibilidade de algum acidente. Isso porque, para ele, nem é preciso que o prédio desabe por completo para que faça uma vítima fatal.  "A estrutura em si para cair não é do dia para noite. Só que nem precisa de um desabamento porque uma janela que caia ou um reboco, dependendo da altura, pode até matar alguém, já que o trânsito de pessoas aqui é grande", comenta ele, que trabalha no Comércio há 50 anos. A preocupação não é à toa. Apesar do prédio estar fechado, em seu passeio, não param de passar pessoas que transitam na região, seja para ir até a Praça da Mãozinha ou pegar o caminho rumo ao Elevador do Taboão, para chegar na cidade alta, entre o Pelourinho e o Santo Antônio Além do Carmo. Como o casarão é tombado, a responsabilidade de sua conservação é do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Bahia. Procurado para se manifestar sobre as condições no local e a possibilidade de iniciativas para impedir que ele se deteriore ainda mais, o órgão respondeu que emitiu Nota Técnica enviada a Defesa Civil de Salvador - Codesal, em junho de 2021, antes mesmo do fechamento do Colon. Procurada, a Codesal informou que realizou vistoria no imóvel, constatando que apresenta defeitos estruturais, em particular, nos três últimos pisos superiores como rachaduras em paredes, desprendimento de elementos constituintes de paredes, em adobes e outros materiais, com panos já desabados e apodrecimento de peças estruturais de madeiras. Na época, o órgão notificou o responsável pelo restaurante para suspender as atividades comerciais e evacuar imediatamente. Por meio do documento, o Iphan afirma que "orientou quais as medidas preventivas para evitar o risco de desabamento das estruturas fragilizadas, tais como a remoção da vegetação que se encontra sobre a cobertura a fim de evitar o sobrepeso e o surgimento e/ou agravamento de manifestações patológicas em razão do desenvolvimento das raízes". Já para a recuperação das estruturas degradadas e de toda edificação, o órgão informou que abriu processo administrativo para estabelecer as medidas cabíveis para responsabilização dos proprietários do imóvel, conforme estabelece o Decreto Lei 25/37 e a Portaria IPHAN nº 187/10. Conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil, Carl Von Hauenschild ressaltou que o acompanhamento de um patrimônio arquitetônico em ruínas deve ser feito pelo Iphan, no caso da construção ser tombada pela União. Quando o tombamento é feito pelo Estado, é o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) que deve ser acionado. Responsável por executar a política de preservação do patrimônio cultural da Bahia, o Ipac foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta matéria. Para a ambulante Márcia Matias, 47, algo precisa ser feito e o casarão não pode definhar. Como trabalha no bairro do Comércio há mais de 20 anos, ela teme que a edificação tenha o mesmo fim que testemunhou em outros prédios da região. "Se isso desabar aí e tiver alguém passando, já era. Assim como já teve vários acidentes com prédio desmoronando e fazendo vítimas. Não lembro o ano e nem qual, mas teve um que caiu por cima do depósito e matou umas quatro pessoas. Isso que não pode se repetir", fala Márcia. O desabamento citado por ela aconteceu em 2010, na Rua Conselheiro Lafayete.

Na história da Bahia

Mais do que um perigo para as pessoas, o comprometimento da estrutura do casarão é um risco a história da Bahia. O comerciante, que preferiu não revelar o nome, destaca o quanto o local é conhecido por todos que trabalham na região e já entraram no Colon.  "Quem é que não conhecia esse prédio, velho? Muita gente, que nem tinha muito dinheiro, segurava uma grana pra poder almoçar no Colon e entrar aí uma vez que fosse. Pelo tanto que parece antigo, dá pra dizer que a história do prédio se confunde com a do Comércio", arrisca. O historiador Rafael Dantas, ao falar sobre o restaurante, não bate o martelo de que o Colon seria o primeiro da cidade. No entanto, ele afirma que foi um dos primeiros e diz que o fato de ter hospedado o restaurante foi fundamental para o conhecimento que o prédio ganhou. "Evidentemente a edificação ganha destaque e fica mais conhecida a partir da criação do Restaurante Colon, em 1914. Era um dos restaurantes mais antigos e conhecidos do Salvador porque, como a gente sabe, essa região era o grande lugar de chegadas e partidas da capital baiana", explica Dantas. Casarão está no Comércio desde o Século XIX (Foto: Reprodução) Ao falar da edificação em si, o historiador ressalta que, para ter ciência da importância do local na história da Bahia, é preciso refletir sobre onde ele estava situado histórico e geograficamente. "O prédio data de meados do século XIX. É, sem dúvida nenhuma, uma das construções mais importantes do Comércio. Um dos mais significativos que ainda sobrevivem na região do Centro Histórico e da Cidade Baixa por preservar as características dos casarios do século de sua construção", fala. Dantas destaca, por fim, que o local é um ícone cultural da história da cidade porque, além de ser uma edificação antiga, quando foi restaurante, recebeu nomes da arte e da literatura da capital baiana, como dito anteriormente. "Se hoje podemos comparar essa área do entorno do Colon e outros lugares do Comércio, poderíamos dizer que é o equivalente à Times Square, em Nova Iorque. [...] O prédio tem uma história ligada diretamente à de Salvador e as transformações ao longo do tempo", completa. A edificação e o Restaurante Colon chegaram a ser citados no romance ‘O Sumiço da Santa', do escritor baiano Jorge Amado, um dos frequentadores mais assíduos do local.

*Com colaboração de Larissa Almeida