Bahia tem aumento de 47% em índice de violência contra a mulher
Cônjuges e ex-cônjuges são principais agressores
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Da Redação
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Ser mulher é viver cada vez mais insegura na escola, no trabalho e, sobretudo, dentro de casa. Segundo dados da Rede Observatório de Segurança, houve aumento de 47% no número de agressões cometidas contra mulheres na Bahia. Entre agosto de 2021 e julho de 2022 foram registrados 301 casos e, no mesmo período do ano passado, o índice foi de 204. A figura predominante nestes casos é a do cônjuge ou ex-cônjuge, dos 301 casos ao menos 87 remetem ao atual ou ex-marido como agressor. A taxa pode ser ainda maior, dado que 142 casos estão não identificados ou desconhecidos. Em sequência vêm namorados ou ex-namorados como agressores, são 27 casos. Outros familiares somam 21 notícias. Conhecidos (16), pai, mãe, padrasto e madrasta (6), agentes do Estado (3) e vizinhos (2) completam o levantamento.
Para a advogada especialista em ciências criminais e direito das mulheres, Janine Souza, o aumento é resultado do desinteresse do Estado em garantir medidas de prevenção e punição da forma que deveria acontecer.
Entre as duas últimas gestões federais houve queda de 94% no recursos governamentais para políticas de combate à violência contra a mulher. No projeto de Orçamento da União que contempla 2020 a 2023 foram indicados R$ 22,96 milhões. Nos quatro anos anteriores - entre 2016 a 2019 - os recursos chegaram a R$ 366,58 milhões, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com correção inflacionária.
Ao mesmo tempo, a quantidade de armas novas registradas na Bahia deu um salto nos últimos quatro anos. Nos três primeiros meses de 2019, foram 400 registros novos de armas de fogo no estado. Neste ano, o número cresceu para 1.363, o que representa um aumento de 240%, segundo dados da Polícia Federal. Para o coordenador da Rede de Observatório da Segurança na Bahia, Dudu Ribeiro, a escalada armamentista se relaciona com a violência contra mulheres. “[Notamos maior] presença de armas de fogo quando havia prevalência de armas brancas. Existe uma característica nacional que têm impactado na realidade local”, argumenta. Os dados abertos da Rede não detalham o tipo de arma utilizada. A copeira Ana Marta Dantas, 49, lembra quando o ex-marido, Sóstenes Café, colocou um revólver em sua cabeça quando estava grávida. O relacionamento começou por meio de um abuso sexual, evoluiu para agressões físicas e chegou até a ameaça de morte. A denúncia de violência, porém, nunca foi feita devido à falta de apoio da família.
“Quando engravidei ele começou a me bater e só foi piorando. Ele nunca assumia para ninguém que batia em mim. Quando ele pôs o revólver na minha cabeça, não lembro quantos meses de grávida eu estava, mas me marca porque você já espera proteção do marido, um apoio e eu fui ao contrário. Eu não tive apoio, ele falava que a filha não era dele. Foram inúmeras vezes que me agrediu fisicamente e moralmente”, afirma. Ana Marta se separou do agressor após um ano do início das agressões Foto: Arquivo Pessoal Legislação A Lei Maria da Penha, que criminaliza violência doméstica e aponta as formas de evitar, enfrentar e punir a agressão, prevê como agressão o abuso físico, psicológico, moral, sexual e patrimonial. Neste caso, além do estupro, espancamento e ameaças, a desvalorização da vítima pelo modo de se vestir, exposição da vida íntima e controle do dinheiro tornam-se cabíveis de uso da Justiça.
O levantamento da Rede Observatório de Segurança ainda mostra que o principal tipo de violência é a tentativa de feminicídio ou agressão física, a classificação representa (25%) dos casos na Bahia, assim como o homicídio (25%). O crime do feminicídio vem logo na sequência com 21,9%. Violência sexual ou estupro atingiram 12,6% dos casos analisados, cárcere privado e tortura 4,9% e agressão verbal 4,6%. A porcentagem de soma não crava em 100% porque um caso pode se enquadrar em mais de um tipo de agressão.
A advogada Janine Souza esclarece que a Lei Maria da Penha desenvolve mecanismos de prevenção, a exemplo de Medidas Protetivas de Urgência (MPUs), criação de centro de atendimento multidisciplinar para mulheres em situação de violência e Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Há também o Código Penal, que reconhece o feminicídio e estipula pena de reclusão de 12 a 30 anos com possibilidade de alteração.
Na Bahia, para tratar de violência contra a mulher, há 15 delegacias especializadas em atendimento ao público, duas delas estão em Salvador e as outras estão localizadas em Juazeiro, Paulo Afonso, Barreiras, Camaçari, Alagoinhas, Candeias, Feira de Santana, Jequié, Ilhéus, Itabuna, Porto Seguro, Teixeira de Freitas e Vitória da Conquista.
Centro de atendimento especializado Independente do município, vítimas podem ir diretamente a alguma delegacia especializada ou comum, porém, a diretora de Política para Mulheres da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), em Salvador, Fernanda Cerqueira, orienta que vítimas de agressão procurem um Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram), espaço de acolhimento às mulheres em situação de violência física ou verbal, ou liguem para 156*9, discagem que informa endereço, horário e telefone dos centros espalhados pela capital. O atendimento também trabalha com prevenção. "A demanda no Centro é de porta aberta, qualquer mulher pode acessar", garante. Assistentes da instituição, como psicólogas, irão encaminhar a vítima, se for o caso, para a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), realizar formulário de risco e, se necessário, solicitar medida protetiva. Mulheres em risco de morte passam 48h no Centro de Atendimento à Mulher Soteropolitana Irmã Dulce (Camsid) aguardando encaminhamento para casa de abrigo. As que não correm perigo de feminicídio passam 15 dias dentro do Camsid recuperando vínculos familiares, enquanto a entidade auxilia na solicitação de benefícios sociais e acompanhamento psicológico. Após saída do centro, o atendimento terapêutico continua sendo ofertado.
A pesquisa da rede é resultado de levantamento a partir de notícias da imprensa e monitoramento com análise de dados oficiais divulgados em aberto A reportagem do CORREIO solicitou dados ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) e Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) sobre número de mulheres vítimas de violência doméstica e número de medidas protetivas de urgência solicitadas a mulheres. As entidades não retornaram.
Violência contra crianças e adolescentes soma 143 casos na Bahia Os dados da Rede Observatório de Segurança expõem outro dado preocupante. Conforme levantamento, noticiários revelaram ao menos 143 casos de violência contra crianças e adolescentes entre agosto de 2021 a julho de 2022 na Bahia. Homicídio é a principal causa de violência, com 47 casos.
O coordenador da Rede de Observatório da Segurança na Bahia, Dudu Ribeiro, avalia que é preciso questionar por quem e onde as mortes acontecem. “Com ausência de políticas de proteção para crianças e adolescentes, incentivo do armamento civil e lógica invertida de que crianças cometeriam crimes, quando na verdade são vítimas, [o homicídio é] grande responsabilidade na hegemonia da branquitude do Estado brasileiro, até porque a maioria dessas crianças são negras”, defende.
Após o índice de homicídio, aparecem 23 casos de violência sexual e estupro a menores de 18 anos na Bahia. Sobre o tema, a psicóloga Mirella Almeida explica que a criança vítima de abuso sexual normalmente mostra sinais através do comportamento pela alteração do humor, isolamento social, baixa autoestima, manifestação de brincadeiras sexuais, resistência em estar no local onde geralmente ocorre o abuso, dificuldade de concentração, ausência de confiança nas pessoas e sentimento de culpa generalizado. A orientação é que pais observem sinais e busquem assistência profissional aos filhos para que o trauma seja tratado. *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro