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Após 7 anos, padre Lázaro se despede da Igreja do Rosário dos Pretos


 

Pároco cantou samba na última missa

  • Fernanda Santana

Publicado em 06/02/2019 às 04:00:00
Atualizado em 19/04/2023 às 10:26:04
. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

É como se, por duas horas, os atabaques e pandeiros tivessem tocado mais alto do que nunca no Largo do Pelourinho, em Salvador. Abriram os caminhos para o último adeus ao homem que, há sete anos, escancarou as portas da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos para a diversidade e a resistência. O último adeus a Lázaro Muniz, agora oficialmente ex-padre da paróquia, o homem do amém, do axé e do samba.

Às 18h desta terça-feira, um breve silêncio. Da Igreja até o palco montado para a missa campal de despedida, somente Lázaro ouviu o que os fiéis tinham para lhe falar. Foi parado durante toda a ladeira, como se tentassem impedir o fim. Desde dezembro, fiéis e Irmandade dos Homens Pretos, administradora da Igreja, pediam à Arquidiocese de Salvador o cancelamento da transferência de Lázaro para a Paróquia de Santa Cruz, no Engenho Velho da Federação. O pedido foi negado e a decisão de dom Murilo Kriegger, arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, mantida.

A cada passo, foram agradecimentos de vários sotaques, classes sociais e crenças. Lá, estiveram Iracema e Nilsa, mas também Regina Casé, Leandra Leal e Nizan Guanaes. Pouco importava, Lázaro era a estrela.

A caminho da missa, a apresentadora falou, em nome dos inconformados, que eram a maioria: “Conheço muita gente que não ia mais à igreja e que voltou porque essa igreja é viva, pulsante, participando da vida do pelourinho”. O neto, Brás, e o genro, Januário, foram batizados ali, na igreja construída durante 80 anos por negros libertos e ainda escravizados, um dos maiores símbolos de resistência da Bahia. 

A apresentadora Fátima Bernardes que, de folga, curte Salvador também participou da missa de despedida do padre Lázaro. 

O padre nascido na Vasco da Gama reforçava a necessidade de partir. “A campanha me alegra. E me faz pensar que preciso continuar sendo do jeito que sou. Eu peço a Nossa Senhora do Rosário benção para os próximos anos”, falou, antes de subir ao palco, acompanhado do jovem vigário Jonatha de Jesus, 27, um dos seus substitutos. O responsável pela Catedral Basílica, que compreende as capelas Rosário dos Pretos, São Domingos de Gusmão e Nossa Senhora da Ajuda, será, na verdade, padre Abel Pinheiro, ausente na cerimônia."Eu acolho com muita alegria e certeza de que sigo um padre muito bom, que é Lázaro", falou Jonatha, o coração aos pulos, ao CORREIO.O público cumprimentou o jovem, a pedido de Lázaro. Mas, passavam os minutos e todos acreditavam num milagre. Bom, a cena já era toda aparentemente inacreditável, não fosse o fato de ter acontecido na Bahia. A despedida precisou fazer jus à vivacidade de que falou Regina Casé.

Começou às 17h, com a Orquestra São Salvador, seguiu com a missa campal e terminou com o Viradão do Samba, com Bambeira e Jota Zô. O próprio Lázaro pediu que assim fosse o fim de sua passagem.

“Esse é o lugar do sincretismo. Vim para me despedir de Lázaro, que é o símbolo de tudo isso”, falou o professor de artes Sandoval Reis, 40.

Por que, então, não poderia dom Murilo Kriegger aparecer como uma miragem e autorizar o padre a ficar? Era o que todos queriam. Não só, era o que acreditavam ser o certo.“É uma pena [...] A Igreja católica tem um problema grave de aderência e o que faz? Decide transferir esse padre. Contrargumento que essa igreja não é qualquer igreja. Por essas e outras, não há dúvida de que os evangélicos serão maioria em pouco tempo”, opinou o publicitário Nizan Guanaes.Samba da resistência A despedida começou muito antes de acontecer. Minutos antes, toda a Irmandade estava concentrada em alinhar os últimos detalhes. Mas, parar para falar de Lázaro era uma obrigação mesmo para os mais ocupados. A vice-prior da Irmandade Nilsa Bonfim, 84, encontrou a reportagem nos fundos da igreja, onde existe um cemitério dos homens negros e escravizados. Como não falar do homem que abraçou todas as diversidades? Logo ela que, aos oito anos, foi impedida de desfilar numa procissão da Igreja Católica por ser negra.

[[galeria]]“Ele abraça todos nós. Cada um é de um jeito e Padre Lázaro abraça todos. Tem uma contribuição gigantesca no trabalho pela inclusão. Eu estou inconformada”, reforçou Nilsa.Já na sacristia, Iracema Alves, 48, torcia pelo imprevisível. No dia destinado a Santo Antônio de Categeró, rezava, em silêncio, por um milagre. “Continuo rezando a Santo Antônio para que Lázaro continue. Rezando também para Deus. Para ele, tudo é possível”, afirmou. “A questão é perguntar o que ele não tem de especial. Ele tem tudo de especial”, respondeu, após termos tentado, mais uma vez, descobrir objetivamente o que só se revela em palavras e abraços carinhosos entre fiéis e o padre.

Conforme avança a hora, no entanto, o milagre parecia cada vez mais distante. O telefone não tocou com a boa notícia tão esperada. “Ele tem de ir para onde a Irmandade manda. Ele fez um voto, mesmo que fiquemos tristes com isso”, comentou Ubirajara Santa Rosa, integrante da Irmandade. Agora, parece restar a torcida por um padre integrado às “idiossincrasias” – como padre Lázaro gosta de nomear – da Rosário dos Pretos.

“Essa igreja é um berço da resistência. Mas, claro, não precisa ser necessariamente negro, Não sei... É como disse o professor [e historiador baiano] Cid Teixeira: na Bahia não há branco”, afirmou o fiel Adilson Jacob.

Quando finalmente conseguiu chegar ao palco, Lázaro pediu desculpa por todos os erros e compartilhou os acertos. “Às vezes, dei bronca, às vezes, fui duro”, lembrou. Na sequência, embalou músicas de despedidas e frases de adeus. “A luta não termina, continua. É como dizem: a estação da chegada é também a da partida. Acho que isso é um samba”, pensou padre Lázaro. No braço, estava a pulseira oferecida por Felipe Jesus, 25, artesão de Feira de Santana. “Está tudo posso naquilo que me fortalece”, revelou o jovem.

Então, às 20h da Terça da Benção, os fiéis, aos poucos, subiram ao palco para abraçar Lázaro, que começa no Engenho Velho da Federação no próximo domingo (10).“Não é dia de chorar. Eu quero muito mais que uma lavagem das lágrimas do Pelourinho. Quero que sejamos renovação”, brincou Lázaro.Por isso, logo ao assumir o samba, Jota Zô avisou: “Bom é que o Engenho Velho é perto, podemos sempre ir visitar o senhor”. E os dois começaram a cantar. Como num verdadeiro samba de adeus.

*Com supervisão da editora Tharsila Prates