‘Já não tem comida em casa’, diz pescador sobre prejuízos causados por óleo no mar
Grupo de pescadores e pescadoras ocupam Ibama em ato realizado nesta terça (22)
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Tailane Muniz
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Pescadores e pescadoras do Quilombo Rio dos Macacos, entre Salvador e Simões Filho, na Região Metropolitana, não têm comida na mesa. Há sete dias, quando avistaram as primeiras manchas do petróleo cru - e de origem ainda desconhecida - não dimensionaram “o dano irreparável”.
Passada uma semana, no entanto, as pescas foram completamente suspensas, e o óleo que já percorreu mais de 180 praias do litoral nordestino reflete, para eles, prejuízos e fome. Nesta terça-feira (22), membros das 90 famílias do Rio dos Macacos, além de pescadores e pescadoras de quilombos do Recôncavo e Baixo Sul ocuparam o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
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Pelo menos 200 pessoas, entre homens, mulheres, jovens e crianças, se concentraram, a princípio, na praia de Amaralina. Com faixas erguidas, exaltaram a importância da pesca e fizeram um apelo: “Órgãos públicos, estaduais e municipais, olhem por nós”. Eliete Paraguaçu é do Quilombo de Ilha de Maré (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Em seguida, acompanhados por uma viatura da Polícia Militar, seguiram em caminhada pela Rua Visconde de Itaborahy, uma das principais do bairro, até chegarem no Ibama, de onde afirmam que continuam até que sejam recebidos pela direção de fiscalização dos órgãos estaduais e municipais. Eles criticam uma nota do Ministério da Saúde que orienta as pessoas não consumirem pescados.
Pescador, o quilombola Ronaldo Santos, 19 anos, não responde em números, mas não titubeia ao dimensionar o dano já causado à comunidade em que vive desde que nasceu. “Muita gente já sem comida em casa, a gente vive disso, não tem como escapar”.
Assim com a família de Ronaldo, algumas outras vivem drama parecido já que a “tendência é que as pessoas parem de comprar”. “Nós não vimos peixes mortos, mas não sabemos de onde vem isso, então estamos sem pescar”, diz, ao considerar a qualidade do pescado. (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) ‘Tragédia’ O ato, organizado pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras, foi iniciado por volta das 9h. O grupo chegou a fechar, por cerca de cinco minutos, as duas vias da Avenida Oceânica. O trânsito chegou a intensificar, mas não a ponto de engarrafar.
Liderança do Quilombo de Ilha de Maré, a pescadora Eliete Paraguaçu, 47, explica que lá a situação ainda não é de fome, como a de comunidades vizinhas. “Porque ainda estamos pescando. Não vamos parar porque não temos outro jeito”.
Ela explica que a intenção é “principalmente chamar a atenção da sociedade” e órgãos de fiscalização para o que se anuncia como “uma tragédia que vai afetar muita gente”. “Ainda não estamos passando fome porque não temos opção, senão pescar e vender aos restaurantes da região. Mas se as autoridades fazem esse comunicado à sociedade antes de se reunir conosco, a gente fica prejudicado demais”, diz, em referência à nota assinada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).O quilombola Arnaldo Silva, 60, mora e pesca em Maraogipe, no Recôncavo. Chegou à capital de ônibus porque, para ele, é importante que "haja união nesse momento difícil".
"Eu nunca vi isso na minha vida, que coisa horrível e triste. O pior é não conseguir saber de onde vem [o óleo] e o que faremos a partir de agora", lamenta ele, nas dependências do Ibama.
Superintendente do órgão de fiscalização, Rodrigo Alves disse à reportagem que vai mediar um diálogo dos pescadores com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri).
"Não é uma demanda que compete ao Ibama, mas nós vamos interceder por eles porque estamos diante de uma tragédia ambiental. Eles se sentiram desamparados e nos dão credibilidade, por isso vieram", diz, sobre a ocupação. Rodrigo afirma que vai pedir o acompanhamento do Ministério Público.
"Eles foram recebidos pelo superintendente substituto, mas vou me reunir com todos à tarde para que a gente possa eleger uma liderança entre eles para dialogarmos com os órgãos competentes".