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Conferência mundial da Aids recomenda legalizar a prostituição


 

A conferência começou com uma vigília em memória de seis cientistas que deveriam participar do encontro e morreram na queda do voo MH17, da Malaysia Airlines, na Ucrânia

  • Da Redação

Publicado em 25/07/2014 às 21:35:00
Atualizado em 14/04/2023 às 05:39:05

Legalizar a prostituição seria uma maneira de tornar mais eficaz o combate ao vírus HIV e à Aids. Essa é a conclusão de uma série de sete estudos apresentados esta semana na 20ª Conferência Internacional sobre Aids, realizada em Melbourne (Austrália), e publicados na última terça-feira (22) pela revista científica britânica Lancet. A conferência começou com uma vigília em memória de seis cientistas que deveriam participar do encontro e morreram na queda do voo MH17, da Malaysia Airlines, na Ucrânia - e terminou, nesta sexta-feira, com “um minuto de barulho para Gabriela”, uma homenagem a Gabriela Leite, a prostituta brasileira falecida em 2013 que deu nome ao Projeto de Lei 4.211/2012, do deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ).

O projeto legaliza e regulamenta o trabalho sexual no Brasil. O documentário “Um Beijo Para Gabriela”, de Laura Murray, também foi exibido no último dia da conferência. “Com riscos elevados de HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis, trabalhadores sexuais enfrentam barreiras substanciais para acesso a serviços de prevenção, tratamento e cuidados, em grande parte por causa de estigma, discriminação e criminalização nas sociedades em que vivem. Essas injustiças sociais, legais e econômicas contribuem para o alto risco de essas pessoas contraírem HIV”, escreveram os editores da Lancet na introdução da série, que foi coordenada por Chris Beyrer, da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins.Bloomberg, de Nova York. Durante a conferência, Breyer foi anunciado como o novo presidente da Sociedade Internacional da Aids.

Falando durante a conferência de Melbourne, os editores da Lancet Pamela Das e Richard Horton disseram que “onde o trabalho sexual é legalizado, como em Amsterdã, o foco da atividade policial está em reduzir a violência, proteger trabalhadoras sexuais e apoiar programas efetivos de combate ao HIV. Tal resposta iluminada reduz o risco e a vulnerabilidade dos trabalhadores sexuais ao HIV e deveria ser seguida em outros lugares. Esta série conclama os governos a descriminalizarem o trabalho sexual. Não há alternativa, se queremos reduzir o ambiente de risco enfrentado por mulheres, homens e pessoas transgênero em todo o mundo”. Steffanie Strathdee abordou o tema “Desfazendo mitos sobre trabalhadores sexuais e HIV”.

Os seis mitos descritos são “o de que todos os trabalhadores sexuais são mulheres”, o de que “todos os trabalhadores sexuais são solteiros”, o de que “a maioria dos trabalhadores sexuais não quer crianças e tenta evitar a gravidez”, o de que “todos os trabalhadores sexuais foram traficados ou coagidos”, o de que “trabalhadores sexuais não usam e não usarão preservativos com clientes” e o de que “o trabalho sexual é ilegal e, portanto, programas não têm como ser implementados”. Segundo ela, “num estudo entre prostitutas de rua de Moscou, mais de 80% eram mães, das quais mais de 95% relataram que vendiam sexo para sustentar seus filhos”. Sobre a questão do tráfico de pessoas, o estudo nota que “a maioria dos trabalhadores sexuais não é traficada”. “A maior parte do tráfico humano é para exploração em trabalho.

TráficoDe um total estimado de 21 milhões de pessoas traficadas, cerca de 4,5 milhões (22%) são vítimas de exploração sexual, comparados a 68% para exploração no trabalho. Os autores de um estudo no Camboja relataram que apenas 3,8% das trabalhadoras sexuais haviam sido traficadas”. A conclusão do estudo é a de que “"a ilegalidade do trabalho sexual cria barreiras à busca de prevenção e de cuidados para o HIV por trabalhadores sexuais, devido ao medo das autoridades e à preocupação quanto à confidencialidade”. Falando sobre “Tráfico, trabalho sexual e HIV: esforços para resolver conflitos”, Richard Steen lembrou que “o tráfico humano ocorre no trabalho sexual assim como em outros tipos de trabalho.

Contudo, a questão do tráfico de trabalhadores sexuais tem sido colocada em destaque, sua escala e potencial para dano frequentemente deturpados ou exagerados para impulsionar argumentos antiprostituição, inflamar a opinião pública e justificar ações policiais repressivas e contraproducentes. Confundir trabalho sexual com tráfico leva não só a dificuldades de definição e a danos para trabalhadores sexuais, mas também a conflitos que minam a prevenção do HIV”. Steen fez uma crítica forte às operações policiais de “resgate”. “Um exemplo são as operações de grande escala de fechamento de bordéis realizadas como medidas de combate ao tráfico de pessoas.

Em Goa, na Índia, a vulnerabilidade das trabalhadoras sexuais cresceu depois da destruição do bairro da prostituição. No Camboja, as políticas contra tráfico do Ministério do Interior minaram intervenções muito bem sucedidas do Ministério da Saúde que haviam revertido uma epidemia crescente de HIV”. Em “Respostas ao HIV em crianças ou adolescentes sexualmente explorados que vendem sexo”, Craig McClure e outros dois autores lembram que “não há estimativas globais precisas sobre o número de crianças e adolescentes com idades de 10 a 17 anos, nem sobre o subgrupo que vende sexo” e que “intervenções de saúde que têm como alvo trabalhadores sexuais de 18 anos ou mais geralmente não atendem às necessidades especiais desse grupo, por causa de barreiras legais e de políticas.

As intervenções voltadas para esse grupo frequentemente focalizam exclusivamente a remoção imediata da criança do comércio sexual, ao invés do necessário tratamento para HIV e do acesso a direitos de saúde sexual e reprodutiva, prevenção e cuidados. O medo de assédio policial ou de ser mandados para instituições do Estado frequentemente impede que crianças e adolescentes sexualmente explorados que vendem sexo tenham acesso a serviços sobre HIV e outros. Esse acesso impedido contribui para que elas sejam levadas à clandestinidade, tornando-se invisíveis, excluídas e mais vulneráveis”. No estudo sobre “Por que trabalhadores sexuais que usam substâncias estão em risco de HIV?”, Maia Rusakova notou que “trabalhadores sexuais que são dependentes de álcool ou de drogas têm maior probabilidade de engajar-se em transações quando sob a influência dessas substâncias, e podem ganhar menos por cada transação; ao experimentar sintomas de abstinência, eles podem se sentir mais pressionados a aceitar demandas de clientes por sexo sem proteção, especialmente se lhes forem oferecidos mais dinheiro ou drogas”.

A autora cita o único trabalho de prevenção de HIV testado empiricamente entre trabalhadores sexuais que usam drogas injetáveis. “Em duas cidades na fronteira México/EUA, duas breves intervenções de 30 minutos, baseadas em entrevistas motivacionais, reduziram com sucesso a incidência de HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis em mais de 50%, e o uso compartilhado de seringas em mais de 95%”. Os estudos apresentados em Melbourne reforçam as recomendações das Diretrizes Consolidadas sobre Prevenção, Diagnóstico, Tratamento e Cuidados de HIV para Populações Chaves, publicado este mês pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Os países deveriam trabalhar na direção da descriminalização do trabalho sexual e da eliminação da aplicação injusta de leis não criminais e de regulamentações contra trabalhadores sexuais. A prática policial de usar a posse de camisinhas como evidência de trabalho sexual e como base para prisões deveria ser eliminada”, diz o documento da OMS.