Você não é de açúcar! Conheça as vantagens de treinar com clima ameno do inverno
Cuidados são necessários em algumas modalidades, mas fugir do calor pode ser excelente opção
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Moyses Suzart
moyses.suzart@redebahia.com.br
O dia amanhece e os passarinhos sequer se arriscam a cantar, pois até o sol permanece intocado. O vento forte assobia na fresta da janela, o céu está cinza e o cacau está caindo ‘de com força’. Pode não parecer, mas está um lindo dia para praticar esporte ao ar livre. Se você não é feito de açúcar, saiba que esporte também se faz na chuva. O clima ameno proporciona diversos benefícios aos atletas, sejam amadores ou profissionais, tanto no desempenho como na parte psicológica em períodos mais nebulosos. Vale a pena ignorar aquela preguiça do inverno para se movimentar.
Levando em consideração que Salvador tem pelo menos 33% do ano com um volume alto de chuvas, não tem como achar que só dá para andar de bike, nadar ou correr na orla da capital durante o verão. O artista e cantor do Cortejo Afro, Portella Açúcar, é um bom exemplo de superação e vontade de vencer a preguiça e enfrentar a chuva e a água geladinha do Porto da Barra.
“Eu nasci no inverno, amo. Para quem pratica natação ao ar livre no Porto, o melhor período é este. Está vazio, o mar e a areia são todos nossos! Aqui no Porto fica mais vazio não pelas pessoas que fazem esporte, mas pelos banhistas mesmo. Para quem pratica esporte aqui o ano todo, vem na chuva ou no sol, como eu”, disse Portella. Ele até confessa que trava uma batalha contra aquele soninho em dia de chuva, mas garante que sempre vence.
“Claro que, nesta época, a caminha quente é sempre um convite para dormir mais. A chuva batendo no telhado é bom, não nego. Mas quando eu vejo que estou perdendo para a preguiça, me jogo no banho frio e pronto. Desperta e venho para meu mar, que me fez perder mais de 50 quilos com a natação”, diz o artista baiano, enquanto entra na água cantando ‘O Sole Mio’, de Luciano Pavarotti. “Até minha voz fica melhor quando nado na chuva”. Ele diz ainda que é no período chuvoso que ele avista animais marinhos com mais frequência, como tartarugas e até golfinhos.
Portella Açúcar faz parte da escolinha de natação da educadora física Peixinho, ex-atleta baiana que há 22 anos dá aula no Porto, faça chuva ou faça sol, para adulto e criança. Na verdade, continua sendo atleta. Mesmo no inverno, acorda 3h pra nadar no Porto e garante que a chuva não é nenhum problema, apesar dos obstáculos naturais. Ela diz que é o melhor período para suas turmas treinarem. “O mar fica mais agitado, com mais vento, um volume maior de água que encobre o píer e bate aqui no paredão. Perfeito para treinar as adversidades e passar confiança para os alunos. No final do ano, quando fazemos a travessia Mar Grande - Salvador, ninguém teme nada. Sem contar o melhor: não tem gente na praia, é tudo nosso”, diz.
No período chuvoso, Peixinho lembra que são necessários dois cuidados. É comum o aparecimento com mais frequência das caravelas (tipo de água-viva). Existe um tipo de repelente que evita este encontro indesejado que custa entre R$ 40 e R$ 60. Caso ocorra o contato, a turma já tem guardado vinagre para passar na queimadura.
“Outro problema é mais humano, né? Quando lavam a rua, aquela espuma toda corre para cá. Quando chove muito, alguns pontos acabam recebendo aquela enxurrada que vem da rua, que não é esgoto, mas traz todo tipo de sujeira lá de cima. Neste caso, evito dar aula para as crianças e procuro um trecho que seja longe. Pegamos até barco e vamos treinar mais pra dentro do mar”, conta Peixinho.
Quem também usa o mar durante todo ano é o surfista e jornalista Yordan Bosco. Para ele, o mar não pertence a uma estação. Todo dia é dia de surfe. Na verdade, o melhor momento é justamente na chuva.
“O surfe é um esporte que depende muito da natureza, né? E existe uma relação muito próxima da chuva. Na Bahia, especificamente, o melhor período de onda mais constante e perfeita é justamente na época que mais chove, entre março e julho. É o nosso auge das melhores ondas, pois existe uma combinação entre vento, maré e chuva. Outra vantagem é que a gente toma menos sol”, disse Yordan, que chama atenção apenas para um cuidado. “A única questão é com raios. Quando eu era mais novo, entrava no mar com ou sem chuva, não queria saber se estava chovendo ou fazendo sol. Hoje, minha preocupação é com aquelas tempestades com raios. Neste caso, não aconselho”, pondera.
Salva-vidas em Salvador e personal trainer, Anderson Lopes não orienta marinheiros de primeira viagem a fazer esportes aquáticos ao ar livre no inverno. Para ele, a inexperiência, principalmente com o mar, pode causar uma tragédia. “Independentemente das vantagens, é preciso pensar no cuidado. O mar fica mais perigoso e não aconselho que surfistas iniciantes caiam no mar para surfar, tampouco para nadar. Outro ponto a se levar em consideração é evitar praias que possuem rios desembocando no mar, pela questão das sujeiras que a chuva leva”, avisa.
Corrida
Se o mar requer alguns cuidados e você não tem a experiência nem o acompanhamento adequado, não significa que não dê para fazer outros esportes na chuva. Mais comum na capital, a corrida é um convite para quem não enxerga tempo ruim na hora de exercitar o corpo. Para espantar a preguiça de correr sozinho e na chuva, há a opção de se inscrever em assessorias de corrida pela cidade. É comum ver tendas espalhadas pela orla e praças com uma turma correndo junto.
Um dos sócios da Flash Assessoria Esportiva, Saulo Mattos, dá dicas para quem pretende correr em período chuvoso. “Não existe contraindicação, mas existem cuidados que devemos tomar, como levar uma muda de roupas secas [caso você não vá para casa logo após o treino]. É bom evitar ficar molhado por muito tempo e com o corpo esfriando e tomando vento, assim você evitará resfriados. O que gripa é vírus e não chuva. Manter a imunidade em dia, com uma alimentação balanceada para o sistema imunológico ficar sempre forte, também é uma forma de assegurar uma época de treinos sem parar por viroses e resfriados”, disse.
Para Saulo, todo atleta que leva uma vida saudável precisa de constância e não dá para interromper treinos por conta de uma chuvinha. “Correr com chuva deixa você psicologicamente preparado para qualquer prova, pois o contexto do levantar da cama na chuva, no frio, requer muita força de vontade. A chuva em si auxilia no menor desgaste durante o treino, você gastará menos energia, conseguindo manter uma boa velocidade e melhor performance”, conta Saulo.
Ele tem uma tática para manter os alunos frequentando as aulas de corrida, mesmo no inverno. “Temos diversas táticas, mas o que realmente motiva os associados são os outros associados, uma família unida pela corrida, um treino coletivo. A vontade de correr naquele dia pode ser zero, mas a vontade de ver os amigos é mil. Então, muitos vêm só pela resenha e confraternização, mas, de quebra, cumprem a planilha de treino”.
Além de manter a forma, se exercitar no inverno é uma boa forma de evitar uma depressão comum nesta estação do ano: a depressão sazonal de inverno ou transtorno afetivo sazonal. Em países com frios rigorosos acontece com mais frequência, mas um estudo do Departamento de Psicologia Médica, da King’s College/ Universidade de Londres, diz que 1% da população brasileira sofre desta condição. Isso ocorre pela diminuição da vitamina D, ativada pelo sol, o que leva a um isolamento social, sonolência, maior apetite e irritação. Para este quadro, existem três tipos de tratamento: fototerapia, medicamentos e atividade física.
“A atividade física é uma prescrição médica. Uma recomendação geral. Este quadro é uma alteração que a gente observa nos meses mais frios, com alguns transtornos depressivos ou afetivos bipolares. Alguns pacientes têm uma sazonalidade, ou seja, em determinadas épocas eles têm quadros depressivos. O tratamento é com antidepressivo, mas exercício físico ajuda muito”, disse a médica psiquiatra Patrícia Portella.
Segurança
Especialista em medicina esportiva, a médica Nathália Figuerêdo aponta alguns cuidados nesta época de chuva. Para ela, há muitas vantagens se for feito com segurança. Primeiro, obviamente, sempre procurar um médico e especialistas se quiser praticar esporte, em qualquer estação. Ela também entra num assunto bem interessante. No verão, as pessoas tendem a se exercitar mais também por conta da exposição do corpo que não tem muito no inverno.
“No verão, as pessoas tendem a mostrar um pouco mais o seu corpo e isso acaba estimulando mais a prática de exercício físico. Colocar um biquíni, por exemplo, acaba fazendo com que as pessoas fiquem mais estimuladas a praticar esportes ao ar livre. Mas é importantíssimo manter a prática de exercício físico durante o inverno. Significa que você está mantendo o seu coração em dia, além da parte mental e física”, disse Nathália, reforçando que “o exercício físico pode beneficiar muito a produção de neuropeptídeos, como a serotonina, que ajudam no humor neste período de chuva e ausência de vitamina D”, acrescenta.
Contudo, é preciso manter alguns cuidados, principalmente na parte física. Segundo a doutora Nathália, as lesões podem ser maiores neste período, por conta da temperatura mais amena do corpo. Neste caso, é bom se atentar para o aquecimento para não sofrer lesões musculares. Outro aspecto já foi dito: evitar o choque térmico. Manter-se molhado por muito tempo pode gerar problemas de saúde. Para quem anda de bike, outro cuidado é com pistas escorregadias e poças no asfalto que podem esconder buracos. Nesta fase chuvosa, Nathália também sugere a troca do mar pela piscina.
Corredora há pouco mais de seis meses, a advogada Raphaella Castro já tem sua estação preferida. “Como corredora iniciante, prefiro correr na chuva. O sol castiga. A gente sente muito cansaço, dor de cabeça, o corpo cobra mais no sol. Na chuva, consigo ter uma performance melhor”, diz ela, que tem acordado cedo para correr pelo menos três dias na semana.
Confira cuidados que a estação mais fria exige
Aquecer: A especialista em medicina esportiva Nathália Figuerêdo alerta que as lesões podem ser maiores neste período, por conta da temperatura mais amena do corpo. Neste caso, é bom fazer aquecimentos para não sofrer lesões musculares.
Andar ou correr: É bom levar sempre uma roupa seca e evitar ficar molhado por muito tempo, lembra um dos sócios da Flash Assessoria Esportiva, Saulo Mattos.
Surfar: O salva-vidas e personal trainer Anderson Lopes não recomenda esportes no mar durante o inverno para ‘marinheiros de primeira viagem’.
Nadar no Porto: A educadora física Peixinho aponta o aparecimento mais frequente de águas-vivas. É preciso ter vinagre por perto em caso de queimaduras.