Assine

Vacina contra a dengue é vendida até 116% mais cara que preço de fábrica


 

Laboratórios cobram valores diferenciados para a aplicação do imunizante recém-lançado pela Anvisa

  • Maysa Polcri

Publicado em 06/07/2023 às 05:01:13
Vacina Qdenga está disponível na rede particular. Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

Ao menos sete laboratórios de Salvador cobram valores acima do preço de fábrica para a aplicação da nova vacina contra a dengue, a Qdenga. O imunizante começou a ser vendido na capital e região metropolitana na semana passada por valores até 116% maiores do que o valor estabelecido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), que é de R$ 277,52.

As clínicas particulares são autorizadas a repassar aos consumidores os custos para tornar a vacina acessível em um estabelecimento. Por isso, ao preço de fábrica, podem ser acrescidos custos de transporte, armazenamento, aplicação e funcionários. Chama a atenção, no entanto, a discrepância entre o que é cobrado em uma mesma cidade. Em Salvador, os valores vão de R$ 399 a R$ 599, segundo levantamento feito pelo CORREIO.

O preço de fábrica determinado pela Câmara de Regulação varia conforme o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de cada estado. A Bahia fornece, através da Secretaria da Fazenda (Sefaz), uma redução sobre a alíquota nominal de 19% para as vacinas. Na prática, a alíquota cobrada sobre os imunizantes é de 13,58%. A tabela de preços máximos disponibilizada pela Cmed leva em consideração os impostos de 12% e 17%.

A tabela define que, para uma dose, o preço é R$ 277,52, e o valor máximo ao consumidor na farmácia, R$ 369,91. Crédito: Reprodução/Anvisa

Mesmo se a alíquota maior for considerada, os laboratórios da capital baiana cobram mais que o dobro para apenas uma aplicação. 

A reportagem entrou em contato com as clínicas de vacina da rede privada de Salvador e RMS pelos canais de atendimento ao cliente na primeira semana após a liberação da nova vacina para o país. O valor cobrado pela Amo Vacinas, no Salvador Shopping, é o que mais se distancia do preço de fábrica. No laboratório, cada aplicação custa R$ 599 e pode ser dividida em até seis vezes. O preço é R$ 322 a mais do que o custo de fabricação do imunizante. No Labchecap, cada aplicação custa R$ 495. Já na Clínica de Saúde e Imagem (CSI), em Brotas, as doses custam R$ 430 cada.

O Leme cobra R$ 437 por cada imunizante. Enquanto que no laboratório Sabin, o valor cobrado por cada aplicação é de R$ 428 e, na Delfin, cada dose sai por R$ 399. O DNA é que cobra o valor mais em conta - R$ 290, ainda assim, o preço ainda é R$ 13 superior ao de fábrica. Apesar de não informar o valor do imunizante, o laboratório Fleury informou que já disponibiliza as doses da vacina para o público entre 4 e 60 anos. A reportagem não conseguiu contatar a clínica Spalazanni.

O levantamento indica que o preço médio para uma aplicação da vacina Qdenga é de R$ 439, na capital e RMS. Isso significa que quem estiver interessado em se imunizar contra a arbovirose deve desembolsar cerca de R$ 878, já que são duas doses. O valor é similar ao encontrado em outras capitais.

A reportagem realizou uma pesquisa em seis laboratórios de três cidades: Recife, São Paulo e Curitiba. O preço médio mais caro foi encontrado na capital paulista: R$ 920. Já Recife e Curitiba têm a mesma média, R$ 875.

Todas as clínicas citadas na reportagem foram procuradas para comentar o preço cobrado pela aplicação da nova vacina. A Delfin Diagnósticos informou que são adicionados ao preço de fábrica os custos que viabilizam a disponibilidade das vacinas. “Na Delfin, o preço inclui a capacitação de funcionários, os custos de armazenagem, o sistema de recall, entre outros”, pontuou.

Os laboratórios Leme e Sabin não quiseram responder aos questionamentos realizados. A reportagem não conseguiu contatar as assessorias de imprensa das clínicas Labchecap, CSI, Amo e DNA. A Associação Brasileira de Clínica de Vacinas (ABCVAC) também foi procurada para comentar os valores praticados em Salvador, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Regulação

Além de estabelecer os preços de fábrica, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos é responsável por determinar um teto para a aplicação dos imunizantes em farmácias, que é de R$ 369,91. Nas drogarias de Salvador, a Qdenga pode ser encontrada por $224,90.

O monitoramento da comercialização e a aplicação de penalidades para estabelecimentos que cobrem preços abusivos também é de responsabilidade da Câmara. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) funciona como secretaria-executiva do órgão e informou, à reportagem, de que forma os laboratórios podem cobrar os consumidores.

“[As clínicas particulares] têm o direito de obter do paciente o reembolso do valor pago pelo medicamento utilizado na prestação de serviços médico-hospitalares”, perguntou. Diante da desproporção de valores cobrados em Salvador, a Agência foi questionada se existe um teto para a cobrança e alegou não ter a resposta para a pergunta. A secretaria-executiva disse que iria buscar informações com a área técnica da Câmara de Regulação, mas não retornou até a finalização desta reportagem. 

Em caso de preços considerados abusivos, os consumidores devem fazer denúncias junto ao Cmed, como explica Gabriela Sady, especialista em Direito Médico e à Saúde. “O consumidor pode fazer uma denúncia junto à Câmara e, sendo constatado descumprimento, multas podem ser aplicadas e o preço deve se adequar ao estabelecido”.

"As penalidades são estabelecidas pela Resolução número 2 de 2018 e depende do tipo de infração cometida. A das vacinas é do tipo quantificável porque é possível saber quanto os laboratórios estão lucrando a mais do que foi previsto pela Câmara”, afirma a advogada.

Segundo a Anvisa, a secretaria-executiva da Câmara de Regulação possui uma área de monitoramento que acompanha o mercado farmacêutico e recebe denúncias. Qualquer pessoa pode realizar uma denúncia através do site da Agência Reguladora (aqui).

A vacina

Encontrada apenas na rede privada de saúde, a vacina Qdenga é a primeira liberada no país para pessoas que nunca entraram em contato com o vírus da dengue. São necessárias duas aplicações para garantir a imunização, com um intervalo de três meses entre elas. O laboratório japonês Takeda Pharma é responsável pela produção do imunizante.

A Qdenga foi aprovada pela Anvisa em março deste ano e os ensaios clínicos foram realizados em cinco núcleos de estudos do Brasil, incluindo o Centro de Pesquisa Clínica das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), em Salvador. O imunizante é composto por quatro diferentes sorotipos do vírus causador da dengue e é indicado para pessoas de 4 a 60 anos. Ainda não há previsão de quando a vacina será disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Nós utilizamos a técnica do tipo 2 do vírus vivo atenuado, que confere mais segurança à população. Vacinas contra o sarampo e a rubéola são feitas da mesma forma”, explicou Edson Moreira, coordenador do Centro de Pesquisa da Osid, em entrevista anterior ao CORREIO.

*Com orientação de Monique Lôbo.