Uma semana de conflito: por que facções ainda resistem a ações policiais em Mirantes de Periperi
Grupos criminosos usam a vegetação para dificultar trabalho de agentes de segurança
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Wendel de Novais
wendel.novais@redebahia.com.br
O bairro de Mirantes de Periperi vive uma rotina de tiroteios há uma semana. Desde a última quarta-feira (10), quando homens do Comando Vermelho (CV) atacaram integrantes da facção do Bonde do Maluco (BDM), todas as noites foram marcadas por rajadas de tiros e até explosões de granadas. Criminosos se enfrentam em vias do bairro, principalmente na Rua Daniel Além, e fogem para áreas de vegetação com a chegada da polícia. O esconderijo em mata, inclusive, é o principal obstáculo para a prisão dos responsáveis pelo terror no local, como conta um policial.
“A gente realiza uma série de ações no intuito de impedir que esse conflito entre as facções prossiga, mas, ao chegar no local, os suspeitos correm para uma região que tem um acesso difícil. Então, eles sobem para trocar tiros e se escondem com a nossa chegada. Qualquer ação dentro da vegetação é de risco e pode acabar na morte de um agente”, conta o policial. Ainda que fora da vegetação, pelos bandidos se colocarem em pontos estratégicos do bairro, os PMs acabam expostos em ações na Baixada de Mirantes, epicentro da disputa.
Comandante da 18° Companhia Independente de Polícia Militar, Major João Daniel Ribeiro, já falou sobre o problema da vegetação, que serve abrigo para os suspeitos. "A área onde estamos atuando é onde exatamente está havendo o conflito entre dois grupos. Estamos atuando para dirimir esse confronto, independente da facção que esteja na localidade. Os dois grupos se estabelecem na área urbana, mas utilizam a vegetação para os momentos de fuga”, explica.
Coronel reformado da Polícia Militar e especialista em segurança pública, Antônio Jorge Melo explica que há uma diferença entre uma operação policial em zona urbana habitada e uma zona de mata, primeiro, detalhando que é necessário um tipo específico de tática e de agentes. “Nem todo efetivo da PM tem habilitação para atuar nesse tipo de terreno. Segundo, as próprias características do local dificultam a operação, já que as forças de segurança não estão habituadas e não conhecem profundamente o local como suspeitos que transitam cotidianamente na área”, fala Melo.
Ele acrescenta ainda que toda ação nesse contexto precisa de um cuidado a mais para evitar problemas como ‘fogo amigo’ - quando há ataques entre aliados. Professor de estratégia e gestão pública Sandro Cabral, que atua no Insper e na Ufba, destaca que, para obter êxito em ações do tipo, é fundamental que exista ações de inteligência e compartilhamento de informações entre diferentes esferas da polícia: Militar, Civil, Federal e Rodoviária.
“O enfrentamento desse tipo de situação é complexo e somente possível com ações coordenadas de inteligência, com trocas de informações entre as diferentes forças de segurança. Então, é preciso uma grande articulação para poder desbaratar essas gangues organizadas. O Estado precisa estar presente nessas comunidades, eles ocupam esses territórios pela ausência do Estado. Operações permanentes em que a polícia construa laços com a comunidade, faça o trabalho de formiguinha”, fala Cabral, alertando que apenas ações ostensivas não resolvem o problema a longo prazo.
Luiz Cláudio Lourenço é cientista social e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos), da Ufba. Para ele, ações permanentes, como a implementação de bases comunitárias para aproximar moradores da PM, não conversam com operações ostensivas, baseadas no enfrentamento armado a criminosos que, por vezes, colocam moradores inocentes em risco e situação de vulnerabilidade.
“O trabalho de confiança construído na polícia comunitária e cidadã nas bases de segurança, muitas vezes, cai por terra quando você faz uma incursão fortemente armada em uma comunidade e resulta em vítimas, em mortes. O morador passa a não mais confiar na polícia. Embora exista o clamor pela ação da polícia, uma parte daquela população vai desconfiar porque pode ser confundida com algum criminoso e acabar sendo vítima de uma bala que não apenas das facções, mas também da polícia militar ou de um grupo tático que ali esteja atuando”, completa.
A polícia segue com atuação intensificada em Mirantes de Periperi. Equipes da 18ª e da 31ª CIPMs, dos Batalhões de Choque e Patamo, do Bope, da CIPT/Rondesp BTS e do Graer realizaram uma ação conjunta no bairro.