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'Tropa da tadalafila': medicamento para disfunção erétil vira tendência nas redes sociais


 

Em algumas redes de farmácia na Bahia, a demanda aumentou até 1000%; especialistas alertam para os riscos do uso indiscriminado e recreativo

  • Thais Borges

Publicado em 19/11/2023 às 07:02:33
Tadalafila foi registrad. Crédito: Shutterstock

"O citrato é passado/ na farmácia, formou fila/ Todo mundo quer comprar o tal do Tadalafila/ Três dias no organismo e o garoto lá em cima/ Tadalafila, tadalafila". Se essa música não é familiar, talvez você tenha ficado de fora de um viral que só cresce nas redes sociais, especialmente entre homens jovens.

Criada pelo locutor e animador Valmar Mix, 41 anos, a canção tem ritmo de pagode e costuma ser entoada nas portas de farmácias de Salvador e outras cidades da Bahia. Os vídeos em que aparece cantando - muitas vezes, segurando uma enorme caixa de remédio - costumam atingir milhares e até milhões de visualizações. De repente, a tadalafila - a substância de um medicamento indicado para disfunção erétil - ficou pop.

"Eu já tinha músicas de outros remédios, porque tenho que falar um pouco de cada um dos medicamentos. Com o tempo, a gente vai aprendendo para que serve cada um. Por exemplo: 'Se tá sentindo dor, venha comprar seu Anador. Se a febre está pior, venha comprar Tylenol. Se tá com gases, simeticona. Remédio barato, toma'. Mas a Tadalafila viralizou pela resenha dos amigos", explica Valmar, que passou a ser conhecido como o 'Rei da Tadalafila'.

Mas não é só ele. No Instagram e no TikTok, há vídeos, hashtags e até nomes de usuários que se identificam como a 'tropa do tadala'. Nos últimos três anos, a tadalafila se tornou um sucesso digital - chegou, inclusive, a ser o terceiro remédio mais vendido do Brasil pela internet, no ano passado, segundo a plataforma Consulta Remédios.

Apesar de a tadalafila não ter aparecido entre os 20 mais vendidos do país no Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto, os índices entre farmácias impressionam. No anuário, porém, o maior concorrente da tadalafila, o citrato de sildenafila ou simplesmente sildenafila (o genérico do Viagra) ficou na 17ª posição.

Em dois anos, algumas redes de farmácia da Bahia chegaram a registrar um aumento de mais de 1000% na demanda de tadalafila, segundo o Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma). "É um número realmente bastante alto e que cresceu muito por essas questões do uso recreativo e off label (que não segue a bula). As pessoas, sobretudo jovens, usam para melhorar a performance, o que é perigoso porque pode desenvolver dependência", explica o diretor do Sindifarma e secretário de imprensa da entidade, Gibran Sousa.

A percepção do médico urologista Bruno Sarmento também é de que, ao longo dos anos, o uso da medicação foi sendo ampliado e desvirtuado, até chegar ao estágio em que está hoje. “É um remédio seguro, que funciona bem. Ele ajudou muitos homens e continua ajudando homens a melhorar a função sexual”, explica.

Só que, à medida que foi ficando mais conhecido, mais pessoas se interessaram. “Como ele não é de receita controlada, ou seja, qualquer pessoa pode chegar e pedir no balcão, muita gente que não tinha problema de ereção começou a querer usar”, diz ele, que é urologista do Cicam e professor de Medicina na Faculdade Zarns.

Nas farmácias

Valmar Mix, locutor que é o Rei da Tadalafila, lembra bem de quando ouviu falar da substância pela primeira vez. Há pouco mais de três anos, ele estava fazendo locução na frente de uma farmácia, convidando as pessoas a entrar e cantando a música do citrato de sildenafila, quando um cliente se virou para ele. “Agora não é mais citrato, é Tadalafila”, disse o homem, brincando.

Naquela ocasião, Valmar ainda não conhecia o medicamento. Até aquela época, a Tadalafila nunca teve a mesma popularidade da sildenafila, ainda que a história dos dois esteja ligada. Isso porque, quando os cientistas da Pfizer descobriram que a sildenafila, que estava sendo estudada para hipertensão e angina, podia induzir ereções penianas, o Viagra foi lançado e se tornou um enorme sucesso. A aprovação da sildenafila pela FDA, a agência sanitária dos Estados Unidos, foi um divisor de águas no tratamento da disfunção erétil.

Na mesma época, pesquisadores da Glaxo estavam analisando novas drogas e descobriram que uma substância que vinha sendo estudada tinha a capacidade de bloquear a enzima que inibe as reações químicas que levam à ereção. Assim, a Tadalafila foi aprovada nos Estados Unidos em 2003 e passou a ser comercializada com o nome de Cialis.

Ao contrário do Viagra, que teve a patente quebrada em 2010 no Brasil, o Cialis só passou pelo mesmo processo em 2015. Por isso, até então, era um medicamento mais caro. Agora, é possível comprar genéricos na menor dosagem por pouco mais de R$3. Assim, até mesmo a queda do preço do remédio ajudou a ficar mais popular.

Segundo o locutor Valmir Mix, ao todo, os vídeos da Tadalafila chegam a mais de 23 milhões de visualizações. É comum que ele receba pedidos para gravar vídeos com o nome de amigos e que seja convidado para trabalhos relacionados que nem mesmo são com farmácia, mas que os clientes pedem que leve a caixa grande de Tadalafila.

“São duas vertentes. Vejo muita gente falando que usa justamente para dar esse ‘up’, essa aditivada. Mas tem o lado da resenha, que é a questão da impotência sexual entre os amigos. Um fica acusando o outro e é uma brincadeira, de certa forma, sadia”, afirma Valmar.

Com o tempo, ele passou a distribuir balinhas com embalagens da Tadalafila - é a ‘bala do Tadala. “São balas normais, mimos dos laboratórios para os clientes. Numa ação, eu vi a balinha e tive a ideia de gravar o vídeo e viralizou”, conta. Ainda que continue com ações para outros empreendimentos, atualmente, farmácias ainda representam entre 60 e 70% dos contratantes de Valmar. Em alguns conteúdos, ele também faz questão de falar sobre o uso de maneira indevida.

Valmar é contratado por farmácias como locutor . Crédito: Acervo pessoal

“Tem pessoas ingerindo até com bebida alcoólica e com substâncias psicoativas. No final da música, coloquei uma mensagem de que o Ministério da Saúde adverte para não tomar o medicamento sem consultar o médico. Também sempre falo pessoalmente para ter o cuidado para não bater o motor, porque esse é um medicamento como outro qualquer”, pondera.

Indicações

A tadalafila é, portanto, uma substância inibidora da enzima fosfodiesterase tipo 5. Em nota enviada ao CORREIO, a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) explicou que, além da disfunção erétil, o fármaco é indicado no tratamento de sintomas de próstata aumentada (hiperplasia prostática benigna). "De forma geral, a atuação se dá no aumento do fluxo sanguíneo no pênis e no relaxamento da musculatura da próstata e bexiga", explica a assessoria técnica da entidade, que representa o setor de farmácias de manipulação.

A dose habitual seria de 10mg por dia, mas pode ser aumentada até 20mg. É possível, ainda, reduzir a 5mg ou a 2,5 mg. No caso das farmácias de manipulação, a substância só pode ser vendida se a pessoa apresentar a prescrição médica, que deve ser avaliada por um farmacêutico na sequência.

"É importante ressaltar inicialmente que a tadalafila não é indicada para mulheres e deve ser utilizada com cuidado em pacientes com problemas cardíacos, renais e hepáticos. Como possível efeito colateral, podem ocorrer reações comuns como dores de cabeça e musculares, indigestão e rubor. Nos casos mais graves, infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e até morte", acrescenta a associação.

No uso off label, porém, não é incomum que a tadalafila seja associada a ambientes de bares, boates e viagens, de acordo com Gibran Souza, do Sindifarma. As brincadeiras sobre a performance masculina - inclusive de que não precisaria de um período de repouso após uma relação sexual - viriam desse aspecto. “Esses medicamentos estão ao alcance de praticamente todos e é muito plausível e justificável esse tipo de fama desse tipo de medicação. Não só da Tadalafila, mas do citrato”, diz.

Segurança

Isso vai de acordo com a percepção do urologista Leonardo Calazans, médico do grupo MaterDei e professor do curso de Medicina da Faculdade Zarns e da Unifacs. Segundo ele, é possível que o interesse tenha crescido tanto que a fase da curiosidade nos consultórios médicos já passou. O mais frequente era que os pacientes perguntassem sobre o medicamento há três ou quatro anos. “Agora, os jovens estão usando sem nem consultar o médico. Já ficou tão senso comum do boca a boca, dos amigos da academia e da rede social que acabam usando por conta própria”, analisa.

Tanto o citrato quanto a sildenafila são medicamentos que atuam com o mesmo propósito. “O que muda é que a Tadalafila é um pouco mais rápida. A gente recomenda o uso geralmente 30 minutos antes da reação e sildenafila uma hora antes”, explica.

Além disso, a chamada ‘meia-vida’ da droga dura até 36 horas - ou seja, leva até 36 horas para a concentração da substância no sangue diminuir à metade. “Nesse período, o paciente vai ter uma sensibilidade e facilidade de ter ereção maior. Não é que vai ficar com ereção esse tempo todo. Já a sildenafila tem ação mais curta, a pessoa tem que ficar usando continuamente a medicação caso queira o efeito”.

Tanto a Tadalafila quanto a sildenafila tem restrições para pacientes que já tiveram infarto e tomam remédios vasodilatadores com nitrato. Foi por conta disso que, no passado, criou-se um mito de que usá-los poderia provocar um ataque cardíaco. “No passado, pacientes que não tinham esse conhecimento e já tinham tido infarto tomavam algum remédio como a Tadalafila ou o Viagra e acontecia algum problema grave”, lembra o urologista Bruno Sarmento.

Dependência

Em geral, a maioria das pessoas não tem problemas em usar a medicação, por se tratar de um remédio seguro, de acordo com o médico urologista, sexólogo e psicoterapeuta analítico George Ferrari. Eventualmente, há reações como dores musculares e olhos vermelhos, mas a duração costuma ser pouca.

“Tem problema do ponto de vista físico? Não. Mas do ponto de vista psíquico, sim, porque pode criar uma dependência do medicamento. A pessoa começa a achar que aquela ereção que está tendo é a ereção normal e cria essa ilusão, a fantasia. A pessoa acha que a ereção que tem sem o medicamento é uma ereção falha”, aponta.

Segundo Ferrari, alguns pacientes jovens podem ter uma patologia que é chamada de ansiedade de desempenho. Nesses casos, o medicamento pode ajudar porque melhora a resposta. “Mas já tive paciente que usou quantidade seis vezes maior do que a dose máxima e não funcionou, porque a ansiedade era muito grande. Por isso, do ponto de vista psicológico, se a pessoa não tem consciência dessa patologia, ela pode agravar essas questões psíquicas”, diz.

Para o urologista Leonardo Calazans, da Faculdade Zarns, a repercussão da Tadalafila em redes sociais faz parte da cultura do homem de forma geral. Apesar de ser uma medicação segura, quando usada corretamente, o médico pondera que qualquer droga, quando usada de forma recreativa, pode gerar dependência psicológica.

“A medicação é muito efetiva e muito segura para pacientes que têm indicação, que são pacientes com disfunção erétil ou pacientes que têm dificuldade em manter a ereção até o final da relação”, explica.

Academia

Há quem tenha começado a usar Tadalafila até para melhorar o desempenho em treinos na academia. Por ser um vasodilatador, os usuários perceberam que, além de ajudar na performance, fazia com que as veias dos músculos saltassem.

“Não é o uso recomendado pelo fabricante. Caso algum médico prescreva para essa finalidade e ache seguro, tudo bem, mas o paciente não pode usar por conta própria, porque pode ter repercussão na pressão arterial”, explica o urologista Leonardo Calazans.

Ainda assim, como reforça o urologista Bruno Sarmento, não existem estudos que comprovem a segurança do uso do medicamento em treinamento físico. “Como um vasodilatador teoricamente aumenta a quantidade de sangue que chega nas partes periféricas do corpo, existe uma cultura de achar que o atleta teria um ganho de desempenho. Mas é desvirtuar o uso, porque não foi para isso que ele foi criado. O medicamento não é aprovado e testado para isso”, enfatiza.

Segundo o urologista George Ferrari, a substância também se tornou comum em fórmulas prescritas por profissionais que atuam na área da medicina ortomolecular. “Tem a teoria de que melhora na academia, mas é bobagem. Toda fórmula para homem vem com uma dose bem pequena da Tadalafila. O cara se sente melhor e acha fantástico, mas é algo mais psicológico”.

Divulgação online da tadalafila reforça expectativas de masculinidade

Observar o sucesso desse medicamento pode fazer refletir sobre a masculinidade. Segundo o professor Djalma Thürler, do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a masculinidade é histórica e produto de uma construção social e deve ser analisada de forma relacional.

"Portanto, do ponto de vista da construção da subjetividade masculina, o dispositivo online de venda desse tipo de medicamento, apenas reforça uma das maneiras de como os homens se tornam homens, de como cumprem as expectativas de seu papel social", diz ele, que é pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades (NuCus).

Nos últimos anos, segundo o professor, cresceram os debates sobre a crise da masculinidade. No entanto, um dos delírios da chamada ultramasculinidade, que forma o arquétipo de masculinidade épica, ainda é a ideia de um homem poderoso, sempre disposto a dar prazer.

O ideal é que este homem vá a muitos encontros, de preferência com parceiras diferentes. "O medo da rejeição, caso não esteja à altura de uma mulher (em espanhol, ‘no dar la talla’) somado a outros fantasmas da masculinidade, como ‘quanto o pênis deve medir?’ ‘quanto tempo precisa durar a transa?’ ‘o que acontece se ele brochar?’ ‘quando eu envelhecer, ele não vai mais endurecer?’, não são, em absoluto, perguntas de quem procura medicamentos para disfunção erétil para uso recreativo, mas, de quem tem verdadeira obsessão para a manutenção da masculinidade, para quem homens não choram, eles ejaculam", reflete.

Para o urologista George Ferrari, que também é sexólogo e terapeuta analítico, existe uma cobrança social e cultural pela performance. “O pênis é uma coisa simbólica. De forma geral, todo homem quer mostrar uma boa performance. Mas há pessoas mais egocêntricas, narcisistas, e tem os homens que são muito inseguros e tomam (a Tadalafila) por insegurança. (A viralização) Tem essa polaridade: gente querendo mostrar poder e gente que acha que é fraco”, analisa.