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Tradição: familiares de Cira distribuem caruru, gratuitamente, em Itapuã


 

O banquete foi servido na casa da famosa baiana, que morreu em 2020, e é um ritual da família há 85 anos

  • Vitor Rocha

Salvador
Publicado em 24/09/2024 às 05:00:00
Há quase um século, a família da baiana Cira de Itapuã oferece caruru para homenagear os santos gêmeos e honrar a promessa feita pela avó da quituteira. Crédito: Paula Fróes/Correio

Uma fila de visitantes encheu a Rua do Tamarineiro até a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã, no bairro de mesmo nome. Na noite de segunda-feira (23), todos queriam degustar o tradicional caruru do Acarajé da Cira, em homenagem aos santos gêmeos São Cosme e Damião.

O banquete foi servido na casa da famosa baiana, que morreu em 2020, e é um ritual da família há 85 anos. Ao entrar na casa, diferente do habitual ponto na Rua Aristides Milton, o ambiente estava tomado por balões, doces e, é claro, o caruru.

A cerimônia começou como mandam os preceitos da celebração: pelas crianças. Sete pequenos comeram um prato com acarajé, vatapá, galinha e outras delícias que compõem o caruru oferecido aos santos gêmeos, enquanto a sala principal do evento ecoava cantigas para São Cosme e Damião.

É o segundo ano que eu venho. É muito gostoso, eu sempre fico ansiosa por essa época", disse Maria Elvira Pereira, de oito anos.

Em seguida, os convidados da família e as pessoas do lado de fora puderam degustar os quitutes baianos.Para Ana Paula, ex-nora e responsável pela preparação da comida, não há distinção. "Todos são convidados", afirmou.

"Para quem foi chamado pelos familiares de Cira, havia um self-service no segundo andar. Aos que estavam na fila, Ana Paula e alguns ajudantes traziam um panelaço, contendo, aproximadamente, 50 marmitas com os quitutes e distribuíam uma unidade por pessoa.

Quem foi chamado pela família para o evento relata se sentir honrado. É o caso do poeta James Martins. "A tradição do caruru, que persiste apesar de algumas outras manifestações culturais estarem em decadência, nos orgulha muito na Bahia. O fato de existir um caruru específico de uma família, especialmente aqui, em Itapuã, distante do centro histórico da cidade, mas que guarda vários bolsões de baianidade, é motivo de orgulho", declarou.

A comemoração deste ano completou 85 anos do caruru de Jaciara de Jesus, a 'Cira do Acarajé'. Para Cristina de Jesus, filha primogênita da baiana, o legado continua.

"Fazemos o caruru para continuar o que mainha construiu. Chega o mês de setembro e sempre há uma mobilização muito grande em torno do caruru. O bairro fica mais movimentado. É praticamente um patrimônio de Itapuã", disse.

A própria família da baiana financiou o evento, que teve o valor estimado em R$ 30 mil. “Para o caruru, eu compro 2 mil quiabos, 240kg de galinha, 30kg de feijão preto, 30kg de feijão fradinho, 30kg de arroz, 30kg de farinha, dois feixes de cana, três abóboras grandes, meio saco de batata doce, 10 pencas de banana da terra para fritar, fora mel, rapadura e muito dendê porque ainda fazemos mil acarajés e mil abarás", revelou "Ana Paula, que começou o preparo das refeições com uma semana de antecedência.

Ela ainda contou que hoje (24), o Acarajé da Cira ofertará 21 tortas e o bolo de São Cosme, todos feitos por Cristina. "Vamos entregar 30 pacotes de refrigerante, com 6 garrafas de 2 litros cada, mais 30 pacotes de pitchulinha, fora bala, pirulito e doces diversos, inclusive os do tabuleiro, que é o de tamarindo, a cocada-puxa e a cocada normal", complementou.

A tradição começou em 1939, com a avó de Cira, Odete Brás de Jesus, como contou Cristina. "Foi uma promessa de minha bisavó para Cosme e Damião. A gente não sabe mais qual foi o voto, mas passou dela pra minha avó. Mainha começou a dar o caruru na mesma Rua Olhos d’Água, aqui em Itapuã, aos 13 anos, que foi quando ela ficou órfã, assumiu o tabuleiro e passou a criar os quatro irmãos mais novos", disse.