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Terror no Litoral Norte da Bahia: região paradisíaca é dominada pelas facções


 

Tensão é elevada com ações policiais

  • Bruno Wendel

Publicado em 09/09/2024 às 05:00:00
Facções levam o terror ao Litoral Norte . Crédito: Marina Silva/CORREIO

Refúgio de muitos moradores de Salvador e de turistas do mundo inteiro, o Litoral Norte vem perdendo a imagem bucólica. Com o passar dos anos, a brisa do mar e o canto dos pássaros que sobrevoam os rios, perderam espaço para os estampidos de fuzis e o sangue no asfalto.  A região então paradisíaca convive hoje com o caos causado pelas facções, que ganharam força, a partir da implantação do terror nas comunidades praieiras, assim como já fazem na capital.     

Na última quinta-feira (05), uma cabeça humana foi encontrada na área externa da Unidade Básica de Saúde de Malhadas, na cidade de Mata de São João. A cena chocou os moradores. Gleidson Macedo Santos, o “Saci”, foi retirado de casa, na localidade de Tereré, e levado para um local, onde foi torturado e decapitado. Segundos moradores, a vítima foi brutalmente assassinada pelos próprios comparsas do Bonde do Malucos (BDM). Preso em 2021 por tráfico em Praia do Forte, Gleidson desta vez foi julgado no “tribunal do crime”, acusado de ser informante do Comando Vermelho (CV), que tem presença forte em Camaçari e Lauro de Freitas.

A cabeça de Gleison foi deixada em cima de uma cadeira no corredor do posto, como forma de recado para os demais. A família dele procura o corpo. Coincidência ou não, a mesma unidade de saúde foi também cenário para a morte do policial militar Ramon Silva Figueredo, corrida no último dia 28. Ele e o também PM Matheus Santa Rosa, ambos do grupo de inteligência do Batalhão Patamo, unidade de elite da Polícia Militar, foram baleados durante um confronto com integrantes da facção Bonde do Maluco (BDM) no distrito de Malhadas. Apesar de ter sido socorrido ao Hospital Menandro de Faria, em Lauro de Freitas, Ramon não resistiu. Já Matheus foi atingido na perna. Na mesma ação, dois dos criminosos envolvidos na troca de tiros foram atingidos e não resistiram aos ferimentos.

De acordo com o especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge, professor de Direito do Centro Universitário Estácio FIB da Bahia, “na capital, a ação das forças de segurança está sendo muito mais presente do que nessas regiões, principalmente que nós não estamos ainda no verão”. “No verão você tem um aumento da presença das forças policiais em função do aumento da população nessas áreas. Então, neste momento em que nós estamos ainda no verão, é propício para uma ação expansionista dessas organizações criminosas. E o efeito disso é o aumento da criminalidade, porque nós passamos a ter um cenário muito semelhante ao que já vivemos aqui na capital e disputa territorial entre essas organizações criminosas”, declara especialista.

Mata de São João é considerada por muitos como “um paraíso tropical” do Litoral Norte da Bahia (Costa dos Coqueiros). Abrange algumas das praias mais conhecidas do estado em 28km de costa e reservas naturais como Praia do Forte, Imbassaí, Diogo, Praia de Santo Antônio e Sauípe.  Localizado a cerca de 60km de Salvador, o município tem cenários que unem os vilarejos e moradores locais, com a sofisticação das grandes redes de hotéis e resorts, que atraem visitantes do mundo todo. 

Mas em Malhadas, o encanto não é mais o mesmo há cinco anos, com a chegada do BDM. “A tranquilidade aqui não existe mais. Há cinco anos não temos mais o sossego, pois a gente não fala de drogas. Depois que esse grupo chegou e passou a mandar aqui, as pessoas não ficam mais na rua, com medo de receber uma bala de graça”, diz uma moradora de Malhadas. “Antes, a gente amanhecia na porta de casa, jogando conversa fora com os vizinhos. Hoje, às 08:00 (da noite), ninguém abre a janela, com medo deles. A sensação é de desamparo, porque ninguém resolve o problema. A polícia, quando vem, fica alguns minutos e depois vai embora”, emendou uma outra mulher.  

Segundo testemunhas, no dia 28, Ramon e Matheus desceram de um carro, desceram de um carro descaracterizado e seguiram para a lateral da Unidade Básica de Saúde da Família Maria Fernanda Paula L. de Castro, na Rua Direta de Malhadas. “Eles já tinham passado no local e visto dois jovens fazendo o ‘movimento’ (tráfico). O carro parou, eles desceram e os rapazes correram para o fundo do posto, onde lá, houve o confronto. Foram muitos tiros. Foi assustador”, conta um morador. Ninguém sabe exatamente como os policiais foram baleados. “Mas um dos traficantes estava morto em cima de uma cadeira e o outro tentou fugir pulando o muro, mas não conseguiu”, disse ele, que aponta para o mato rebaixado por onde os policiais passaram.  “A ação dos policiais foi de inteligência em Malhadas. O objetivo era fazer um levantamento das áreas, um mapeamento do tráfico na região”, declara o major Jorge Ramos, comandante da 53º CIPM (Mata de São João).  

Atrás do posto de saúde funciona uma escola municipal. “Rapaz, ficamos aqui quatro dias sem aula. Apesar de tudo normalizado, muita gente ainda está assustada”, disse um funcionário. Já a unidade de saúde parou as atividades somente no dia. No entanto, o clima de terror se propagou. “A creche em que trabalho tem 300 crianças, entre dois e cinco anos.  Só voltamos na segunda, porém, a minha turma de 23 alunos só veio sete. Os pais estão com muito medo dessa violência”, conta uma professora.  

PM e dois traficantes morrem em confronto em Mata de São João . Crédito: Maria Silva/CORREIO

O controle do tráfico de drogas em Mata de São João é cobiçado também pela A Tropa, que concentra suas forças na sede do município, como nos bairros de Cajueiro e Monte Líbano, e no entorno. “Mas eles vêm de lá para tomar aqui. Tem dias que é ‘chuva de bala’ para todo lado. Isso causa um impacto também no comércio e negócios. Tem gente que prefere almoçar e comprar coisas por aqui, do que em Praia do Forte. Mas, com toda essa tensão, os clientes estão indo para outras localidades”, relava o dono de um mercadinho.   

Tiririca 

Dois dias após o confronto em Malhadas, três pessoas – dois homens e uma mulher – que seriam ligadas ao BDM foram mortas pela polícia em Barra do Pojuca, costa de Camaçari, início do Litoral do Norte. “O Serviço de Inteligência constatou que, logo após a morte do policial, o grupo migrou para outras áreas, em Barra de Pojuca, e que parte dele estava em uma residência. Eles reagiram. Foi uma operação de absoluto sucesso. Após o confronto, os três suspeitos foram encontrados feridos. Eles foram levados para uma unidade de saúde da região, mas não resistiram aos ferimentos e morreram”, relata o major Jorge Ramos.  

Esta operação aconteceu na localidade conhecida como Tiririca, dominada pelo BDM. A reportagem também esteve no local e ainda encontrou algumas cápsulas em frente à casa onde estava o trio. Entre os mortos estava Anderson de Araújo Correa, de 24 anos, conhecido como “Lilico”. Segundo moradores, o jovem, nativo da região, trabalhava como pedreiro, mas não souberam explicar a relação dele com as outras duas pessoas. “A gente nunca soube que Lilico era metido com essas coisas (tráfico). Já o casal, que a gente viu rodando por aqui horas antes do tiro, tinha envolvimento”, relata a dona de um boteco.  

Um vizinho disse que Anderson era o caseiro do imóvel onde ocorreu o confronto. “Mas não via eles com essas pessoas. Eu sei que ele vivia aí, mas quanto ao casal, não sei dizer. No dia dos tiros, os policiais entraram na minha casa para ver se tinha alguém escondidos e disseram que houve uma troca de tiros”, relatou.     

“Dama do Crime”  

Segundo o Departamento de Polícia Técnica (DPT), apenas dois dos três corpos foram identificados. Além de Anderson, Ricardo Marques Amaral Peixoto, de 28 anos. Já a mulher permanece ignorada no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR).   

Casa em Barra de Pojuca onde estava trio acusado de participar de morte de PM. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Embora não haja até o momento a identificação formal, ela é conhecida como “A Dama do Crime”. Logo após as mortes, fotos e vídeos dela passaram a circular nas redes sociais. Em algumas imagens, ela apareceu com uma pistola. Em uma gravação publicada numa rede social, uma mulher, que seria a “Dama do Crime”, aparece exibindo uma pistola com a seguinte legenda: “A glokkk doidaaa pra cuspiii nos alemão (sic)”. Neste contexto, “alemão” é uma gíria do usada por traficantes atribuída a policiais.  

Em outros vídeos, a “Dama do Crime” aparece ao lado de Ricardo que também exige uma pistola e faz o símbolo do BDM com uma das mãos. “Ela era uma pessoa atuante na facção, exibia armamentos, exercia influência no tráfico de drogas”, declara o  comandante do Batalhão Especializado de Policiamento Tático Móvel (Batamo), tenente-coronel Flávio Farias.  

Ainda de acordo com a polícia, só foi possível chegar ao trio através de denúncias. “Faço apelo para que a comunidade participe da segurança pública. Conclamamos toda a sociedade a participar do Disque Denúncia 181. O sigilo é garantido, total, porque não temos bola de cristal”, declara o major Jorge Ramos, da 53º CIPM.  

Vídeos mostam "Dama do Crime" e comparsa, integrantes do BDM. Crédito: Divulgação

Chacina 

A facção BDM é responsável por uma chacina que resultou nas mortes de nove pessoas em novembro do ano passado, na localidade de JK, em Mata de São João. De acordo com a Polícia Civil, a matança foi motivada pelos ciúmes que um dos criminosos sentia de uma das vítimas. O principal alvo dos criminosos era o homem identificado como Preá, ex-namorado de uma mulher que atualmente namorava o mandante do crime. A mãe dessa mulher, ex-sogra de Preá, identificada como Cristiane, também foi assassinada na chacina. 

O mandante foi com os comparsas até a casa de Preá para matar ele, mas lá matou também Cristiane, outro homem, outra mulher e mais três crianças. Um bebê foi preservado pelos bandidos e resgatado pelo pai em meio à casa em chamas - os bandidos atearam fogo ao imóvel. Um adolescente de 12 anos conseguiu fugir e correu pedindo ajuda. Duas vizinhas que abriram a porta para ele foram mortas a tiros. O garoto sobreviveu. 

Posicionamento 

A reportagem pediu um posicionamento à Polícia Militar (PM/BA) e à Secretaria de Segurança Pública (SSP/BA) sobre as medidas para conter o avanço das organizações criminosas no Litoral Norte, mas até o momento não houve resposta.