Caminhada Tembwa Ngeemba une terreiros contra intolerância e pela preservação do rio Joanes
Evento aconteceu neste domingo (27), no bairro de Portão, em Lauro de Freitas
-
Marina Branco
marina.branco@redebahia.com.br
Um café da manhã reforçado movimentou a manhã deste domingo (27), no Terreiro São Jorge Filho da Goméia, localizado em Portão, Lauro de Freitas. Com mungunzá, arroz doce, frutas, bolos e comidas típicas baianas, os filhos do terreiro e visitantes se prepararam para participar da sexta edição da Caminhada Tembwa Ngeemba - Tempo de Paz.
Criado em 2019, o evento anual une a comunidade dos terreiros de Lauro de Freitas e de municípios vizinhos em um movimento contra o racismo religioso sofrido pelos povos de matriz africana, além de lutar pela preservação ambiental, especialmente do rio Joanes.
A caminhada se iniciou por volta das 9h. Acompanhados por um trio elétrico, os representantes do terreiro entoaram pelas ruas os cânticos candomblecistas para Exu, acompanhados de tradições como as chuvas de folhas e pipocas. Ao longo do percurso, foram feitas algumas paradas, como a que foi realizada em homenagem ao fundador do bloco afro Bankoma, com a apresentação de uma faixa e falas sobre política e luta antirracista.
Em outro momento, o Núcleo de Capoeira Mãe Mirinha de Portão protagonizou a celebração e enriqueceu o movimento com a cultura da luta. O grupo de capoeira foi fundado em 1985 pelo Mestre Regi, que esteve presente no evento. As lutas foram realizadas por crianças do projeto como Gabriel Santana, de dez anos, que começou a lutar capoeira com os amigos e nunca mais parou. “A gente tá lutando pela justiça de um povo negro que foi escravizado. Eu fico muito feliz exatamente pelos povos negros. Eu gosto de lutar capoeira porque é muito bom, a gente aprende a desenvolver nosso corpo, mas também sabe um pouco mais sobre a vida, que é capoeira, que é axé”, contou ele, em sua quarta caminhada pela paz.
Foram três paradas ao longo da caminhada, sendo a primeira perto da saída do terreiro, a segunda em uma praça, e a terceira no final de linha de Portão. O evento foi finalizado com rezas e orações às margens do rio Joanes, no Terminal Turístico Mãe Mirinha de Portão, que leva o nome da fundadora do terreiro. Lá, a comunidade pediu proteção ao rio.
As atividades relacionadas à caminhada começaram alguns dias antes. Na última quarta (21), uma roda de conversa foi realizada no Cine Glauber Rocha, no Centro de Salvador, com o tema 'O que traz a paz ao seu terreiro - Território?'. Durante o bate-papo, representantes do Terreiro São Jorge Filho da Goméia falaram sobre a importância da proteção mútua dos povos de santo, além de responder perguntas feitas pela plateia sobre a cultura das religiões de matriz africana.
A história da caminhada
A Caminhada Tembwa Ngeemba começou há seis anos como uma maneira de unir os terreiros de Lauro de Freitas, município com mais de 400 espaços religiosos de Candomblé. Em seu segundo ano, a pandemia de Covid-19 impediu sua realização como de costume, mas a caminhada não deixou de acontecer. Em 2020, ela foi feita virtualmente, em um compilado de imagens do ano anterior, com vídeos de pais e mães de santo falando sobre o projeto. Já em 2021, o evento voltou a ser feito presencialmente, seguindo as orientações sanitárias, como o uso de máscaras. E, a partir de 2022, voltou à normalidade.
Um dos costumes da caminhada é o de vestir roupas brancas. “O branco simboliza a paz, que é o que estamos pedindo. Paz, amor, sabedoria, proteção. É o princípio candomblecista de que ‘de branco, ninguém nos mexe’”, contou Jéssica Neves, filha do terreiro.
Para ela, o evento é como um grito de guerra para mostrar a força do povo de santo e fazer com que eles sejam vistos. “O que se vê aqui é a representatividade e união do nosso povo, em harmonia, na mesma sintonia, demonstrando nossa força, fé e amor. Porque a religião do Candomblé é isso - amar o próximo, amar a todos, amar principalmente a natureza e a natureza humana, porque nós fazemos a religião”, disse ela.
A mãe de Jéssica, Mameto Kamurici, que também é a sucessora do terreiro, revelou que acredita que, um dia, a caminhada possa deixar de ser uma luta pela paz e se tornar uma celebração do fim discriminação e da tradição dos costumes de seu povo. “O fato de a gente conseguir trazer as pessoas todas de branco com o mesmo sentido, mesmo pensamento, mostra que a gente pode até ainda não ter vencido a batalha, mas sabe que vai conseguir. A esperança se abre e entendemos que é bom celebrar porque estamos juntos, nos abraçando, cantando, emanando para o universo a energia positiva”.
O sentimento é compartilhado pela Ebomi Nice, mestra do terreiro e participante desde a primeira caminhada. Para ela, que começou acompanhando as lavagens de Mirinha, de Portão, a caminhada é algo que relembra o passado e traz sentimentos bons.
O evento, que tem apoio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais do Estado (Sepromi), é realizado pelo Terreiro de São Jorge Filho da Goméia, mas os participantes são diversos. “Não é uma caminhada do terreiro. É uma caminhada das pessoas que acreditam no amor, na paz e no respeito, de outras religiões também. É onde todas as pessoas podem vir para se juntar e estender um grande pano branco pedindo paz para a humanidade”, avaliou Mameto.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo