'Tem até hora marcada': tiroteios diários assustam moradores em Fazenda Grande do Retiro
Guerra danificou casas e carros e alterou itinerário de ônibus por três horas
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Wendel de Novais
wendel.novais@redebahia.com.br
Apesar de ter alterado o itinerário dos ônibus só nesta quarta-feira (24), a violência armada esteve presente em Fazenda Grande do Retiro durante todos os dias da última semana. De acordo com moradores, os tiroteios, que acontecem por conta de uma disputa territorial entre traficantes do Comando Vermelho (CV) e Bonde do Maluco (BDM), têm até hora e lugar marcados para começar.
“Tem até hora marcada: é todo dia às 4h. Parece até que eles combinam de trocar tiros sempre nesse horário. Depois que começa, demora para acabar. Hoje mesmo foi uma hora seguida ouvindo os tiros aqui na rua [a Rua Mello Moraes Filho]. A gente escuta as rajadas de balas que parecem ser de fuzil, mas não é só isso: rolam explosões. Acredito que ficam jogando granadas uns nos outros”, conta um morador, que prefere não se identificar.
Questionada sobre o tiroteio desta quarta, a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) informou que não houve acionamento da 9ª Companhia Independente da PM (CIPM/Pirajá) para averiguar denúncia de disparos de arma de fogo na região. Porém, uma fonte da PM, que terá nome e cargo preservados, confirmou o ocorrido. “Houve tiros, sim, no Marotinho e na Vila Natal, que são localidades daqui de Fazenda Grande do Retiro. Todo dia tem tiroteio, às vezes até atiram para cima só para mostrar poder”, diz.
As marcas da Rua Mello Moraes Filho, entretanto, mostram que o caso desta quarta, ao menos, não se restringiu a disparos direcionados para o céu. Em um trecho da avenida, casas e carros amanheceram cravejados à bala. Um dos veículos, inclusive, foi danificado por tiros pela terceira vez no local. O proprietário do carro, que não quis revelar o nome por medo de represálias, já acumula um prejuízo de mais de R$ 3 mil.
“Meu carro foi furado de bala em três lugares diferentes. Eu estava tentando evitar isso, mas, onde quer que eu estacione aqui, dá esse problema. Da primeira vez, danificou dois pneus, dois para-brisas, o teto, a porta e eu gastei R$1,7 mil na oficina. Na segunda, em abril, dois para-brisas e outros ajustes que me custaram R$ 1 mil. Agora, com para-brisa e teto, vou desembolsar pelo menos R$ 650”, reclama ele.
As marcas, segundo o morador, vão além do prejuízo ao seu patrimônio e respingam na logística do seu dia. “Eu uso o carro para ir trabalhar e nem terminei de pagar o último conserto ainda. Ou seja, tenho que gastar mais dinheiro de novo porque, se eu rodo com ele, é arriscado ser parado na rua e levar bronca de policial porque o carro está danificado. Se eu passo na região da Tancredo Neves, por exemplo, é certo eu ter um problema desse, e não é justo com a gente”, completa o morador.
Além dos veículos, há na avenida outros tantos sinais dos confrontos que ocorrem diariamente no local. Buracos de diferentes diâmetros são encontrados em postes, paredes de casas, portões e em estabelecimentos comerciais. Marcas que não são restritas aos patrimônios privados. A ala em construção da Escola Estadual Dom Avelar, que teve aula mesmo após os tiroteios, tem paredes e vidros estourados por tiros.
“O colega gravou um áudio mais cedo e nos mostrou: era tiro que não acabava mais. Quando a gente chegou aqui, viu o resultado. Essa parte está sendo construída para ser usada com a parte da escola que já é antiga aqui. No entanto, as paredes já estão estouradas e até a janela de vidro da guarita foi alvo dos tiros, como você pode ver”, conta um funcionário, que prefere não revelar o nome, enquanto mostra os estragos.
Por conta dos tiroteios e da alteração do itinerário dos ônibus, a PM-BA informou à reportagem que o policiamento no local foi intensificado para o reestabelecimento do transporte no bairro no início da manhã desta quarta.