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Sussuarana já teve três ônibus queimados em 2023; prejuízo é de R$ 2,2 milhões


 

Veículos custam R$ 751 mil e levam um ano para serem repostos por concessionárias

  • Wendel de Novais

Publicado em 29/07/2023 às 05:00:00
Ônibus foi queimado na sexta-feira (28). Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

"Queimaram outro ônibus? Toda hora isso agora", diz um morador na beira do balcão de padaria na Avenida Ulysses Guimarães, via principal do bairro de Sussuarana, no início da manhã de sexta-feira (28). Na frente do local, estava o que sobrou de um ônibus incendiado por bandidos por volta das 5h30. O terceiro vandalizado dessa forma em Salvador este ano, de acordo com a Secretaria de Mobilidade (Semob). Antes desse, outros dois também foram queimados no mesmo bairro.

Como cada um destes veículos custa R$ 751 mil, o prejuízo causado pelos atos de vandalismo já chega a R$ 2,2 milhões em 2023. Um rombo para as concessionárias, que nem conseguem resolver a situação de imediato. Isso porque, de acordo com Fabrizzio Muller, titular da Semob, o período para reposição de um ônibus da Integra não é curto e pode chegar a um ano.

"Não existe ônibus pronto para reposição em lugar nenhum. Esses ônibus são queimados e entram em um processo de renovação de frota que não é simples. E quem acaba pagando o preço é o usuário, que vai deixar de ter o ônibus no processo de reposição. Para se ter uma ideia, do pedido até a chegada do ônibus, corre cerca de um ano", conta o secretário.

O prejuízo, para quem mora no local, é imediato. Por causa da situação, durante toda a manhã, os ônibus não circularam na região, e os moradores precisaram ir até o CAB para conseguir transporte. Uma caminhada ingrata para Mário Souza, 68 anos. "Saí de casa às 7h para ir no centro resolver umas coisas. Moro antes de onde botaram fogo e vou ter que caminhar até o CAB para ir ao metrô, sendo que o ônibus daqui ia direto", reclama o aposentado.

Além da ausência do transporte no bairro, as aulas das instituições de ensino também foram suspensas na região. Ao todo, oito escolas da rede municipal pararam suas atividades e mais de 900 estudantes acabaram prejudicados. Desde o início do ano, ao menos 43 escolas da rede municipal e cinco da estadual tiveram que parar as atividades para não pôr alunos em risco, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação (Smed) e levantamento do CORREIO.

Nessa conta, quase 15 mil estudantes teriam sido prejudicados com um ou até quatro dias sem aulas.

Motivos da queima

Quem mora em Sussuarana, já conhece as consequências da queima, mas nem todos sabem os motivos. No caso dessa sexta, por exemplo, moradores não souberam informar o que teria motivado a ação. "A gente não sabe o porquê, só vimos acontecer. Foram bem agressivos e não justificaram, o que a gente não entende porque quem acaba sofrendo é o povo sem transporte", afirma uma moradora sem querer se identificar, por medo.

"É tanto crime por aqui que fica difícil entender porque essas coisas acontecem", completa ela. O que se sabe, de acordo com a Polícia Militar da Bahia (PM-BA), é que dois suspeitos armados chegaram em um carro prata, renderam os rodoviários, ordenaram a saída dos passageiros e atearam fogo no ônibus. Eles, porém, não foram identificados e a Polícia Civil ainda não chegou a motivação do crime.

Ônibus já viraram alvo de facções. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

No caso das duas queimas anteriores, as ações seriam motivadas por uma disputa entre as facções do Bonde do Maluco (BDM), que atua na Velha Sussuarana, na região do fim de linha, e do Comando Vermelho (CV), que atua na Nova Sussuarana, na Avenida Ulysses Guimarães.

No segundo caso, em 10 de abril, dois suspeitos - integrantes do BDM - 'sequestraram' um ônibus ainda na Velha Sussuarana e fizeram o motorista dirigir até a Avenida Ulysses Guimarães, onde atearam fogo. O ataque, segundo moradores seria uma ação de revanche.

O revide seria uma resposta para a primeira queima de ônibus do ano em 31 de março, onze dias antes. Na ocasião, o veículo havia sido incendiado por homens do CV no fim de linha do bairro, como 'mensagem de ameaça' para a facção do BDM.

"Aqui nessa área [Nova Sussuarana] quem domina é o CV, dos que falam 'Tudo 2'. Já no fim de linha, quem manda é o BDM, que eles falam que é o 'Tudo 3'. Como queimaram um lá, o que aconteceu hoje foi uma resposta do grupo rival", disse um morador na época da segunda queima.

A repetição das ações preocupa a Semob. "O número registrado só no bairro de Sussuarana nos chama muita atenção porque não é algo comum. E a repetição desses casos mostra que não são atos normais de vandalismo, mas algo que parece ser orquestrado", analisa o secretário Fabrizzio Muller.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) foi procurada pela reportagem para responder sobre a situação e informar se tem algum plano de ação para conter as queimas. Em nota, informou que o policiamento na região foir reforçado e que vai investigar o caso.

"Câmeras da região serão analisadas para auxiliar na identificação dos autores. Qualquer informação sobre os criminosos pode ser transmitida via Disque Denúncia (181), de forma anônima", escreve.

Especialista em segurança pública, Antônio Jorge Melo analisa a queima de ônibus, que é pouco estudada no país, como um aviso dado por criminosos, que podem ter intenções diferentes a depender da situação em que o crime seja praticado.

"É uma forma que as organizações criminosas encontram para demonstrar seu poder, seja para mídia, rivais ou até moradores. [...] Eles se impõem pelo terror e isso pode estar ligado a questões múltiplas, como a morte de um integrante em ação da polícia", indica Melo.

Antes do ônibus ser incendiado em Sussuarana, na quinta-feira (27), a Semob confirmou que dois homens invadiram a garagem de Pirajá da Integra e tentaram atear fogo em um ônibus. Os rodoviários, no entanto, conseguiram conter a chamas e o veículo vai voltar a circular após pequenas reparações.

Arrastão

As ocorrências na Avenida Ulysses Guimarães, no bairro de Sussuarana, não se limitaram a queima de um ônibus na sexta. Após dois suspeitos atearem fogo no veículo, outros criminosos se aproveitaram da situação e fizeram um arrastão, atacando os passageiros que saíram do ônibus e esperavam por outro transporte no ponto.

Um comerciante conta que todos os que ficaram no local acabaram virando vítimas. "Como já tinha gente no ponto e desceu mais, os caras aproveitaram para sair roubando todo mundo que estava. O povo saiu do ônibus e foi lá para frente por causa do fogo. Eles foram lá, deram o bote e foram roubando quem tinha celular", conta ele, sem querer se identificar.

Esse é o segundo arrastão da semana em Salvador. Na quarta-feira (26), quem estava na rua, no ponto de ônibus ou mesmo dentro de transporte coletivo na Rua Melo Moraes Filho, em Fazenda Grande do Retiro, foi surpreendido. Por volta das 5h, bandidos fizeram um arrastão na avenida e levaram celulares de todos que encontraram no local.

Suspeitos aproveitaram queima de ônibus para fazer arrastão no local. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Um levantamento realizado pela reportagem, a partir de notícias publicadas na imprensa, mostrou que houve pelo menos cinco arrastões em Salvador e Região Metropolitana (RMS) neste mês de julho.

Na última segunda-feira (24), homens com os rostos cobertos por camisas e aparentemente armados, roubaram motoristas que estavam parados no congestionamento de Lauro de Freitas, provocado pelo protesto contra a morte do menino Miguel, na Estrada do Coco. A criança, de 10 anos, morreu por uma bala perdida durante uma operação policial.

No dia 18 deste mês, um grupo de cinco homens e uma adolescente fizeram um arrastão dentro de um supermercado no bairro de São Cristóvão, em Salvador. Imagens de câmeras de vigilância do local mostram um segurança se aproximando da adolescente, mas a abordagem não impediu o roubo de produtos.

No mesmo dia, quatro homens armados invadiram o Centro de Saúde Péricles Laranjeiras, na Fazenda Grande do Retiro, em Salvador, e assaltaram pelo menos duas pessoas. Um dos assaltantes atirou para cima no momento em que o grupo anunciou o assalto.

Menos de 10 dias antes, no dia 9 de julho, o jornalista Nilson Marinho foi vítima de um arrastão no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador. De acordo com ele, o crime aconteceu por volta das 23h, em uma região a 50 metros de um módulo da Polícia Militar (PM-Ba). Ele estava acompanhado de um grupo de amigos que visitavam a cidade.

Mortes violentas

A reportagem procurou a SSP-BA, a fim de obter dados sobre mortes violentas em Sussuarana este ano, mas não houve resposta até o momento da publicação da matéria. Também contatada, a Polícia Civil (PC) disse não dispor de registros.

Já o Instituto Fogo Cruzado informou que foram contabilizados, até a última quinta-feira, seis mortes de vítimas de tiroteios no bairro, além de um ferido — desses casos, três foram resultantes de ações policiais.

Colaborou Marcos Felipe Soares