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Starbucks: Entenda o que significa recuperação judicial


 

Dívida da operadora brasileira da marca é de quase R$2 bilhões

  • Raquel Brito

Publicado em 10/11/2023 às 06:00:00
Café do Starbucks. Crédito: Shutterstock

No dia 31 de outubro, a empresa SouthRock, responsável no Brasil por marcas como Starbucks, Subway e Eataly, entrou com pedido de recuperação judicial devido a problemas financeiros, com uma dívida de R$1,8 bilhões. A solicitação ainda está sendo analisada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas foi concedida tutela de urgência, que antecipa os efeitos da recuperação, protegendo temporariamente a empresa.

A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica criada em 2005 para empresas que estão passando por dificuldades e têm capacidade de se recuperar. Diversos fatores podem levar a uma crise empresarial, como mudanças de mercado, aumento de juros, perda de rentabilidade e conflitos entre sócios. Existem ferramentas para evitar chegar na recuperação judicial, como negociações, mediações a até a recuperação extrajudicial. Quem explica é Victor Dutra, advogado e especialista em Direito Empresarial.

Dutra afirma que, caso seja necessária a recuperação judicial, a empresa precisa juntar documentos previsto em lei (relação de seus débitos, lista de processos, documentos contábeis e alguns outros) e, se todos os documentos legais estiverem presentes, um juiz ou juíza concederá uma proteção por 180 dias, prorrogáveis se necessário, durante o qual a empresa não pode ser atacada no seu patrimônio, nem caixa, nem bens por nenhum credor.

“A empresa, por outro lado, deve apresentar um plano de pagamento em 60 dias, continuar negociando e construindo a solução junto com seus credores para que estes a aprovem. Ela também precisa ser transparente e enviar alguns documentos mensalmente para um auxiliar da justiça que acompanhará sua recuperação”, diz. O advogado conta que, ainda que devessem durar três anos, sendo um de proteção para negociações e aprovação de planos de pagamentos e os outros dois de supervisão no cumprimento do plano, uma recuperação judicial costuma levar mais tempo para ser concluída.

Segundo ele, além da concessão de proteção, há incentivos ao longo do processo para facilitar a recuperação da empresa, uma vez que não é do interesse coletivo que essa empresa ‘quebre’, mas sim que continue a gerar empregos, produtos, serviços e pagando tributos. Esse apoio vem em forma de descontos em tributos, prazos mais alongados de pagamento, carências no pagamento.

“Mas o sucesso da recuperação, em si, depende muito da própria empresa e dos seus donos, que precisam fazer o dever de casa: cortar custos e produtos ou serviços não rentáveis, buscar mais eficiência nos processos produtivos, buscar menores custos financeiros e acessar mercados de maneira mais eficaz, por exemplo. Ou seja, ele vai ter apoio legal e uma série de opções para se recuperar, mas precisará melhorar a transparência e a governança, negociar bem com seus credores, procurar especialistas em gestão, contabilidade, jurídico e processos internos e cumprir o plano que for aprovado pelos credores”, reitera o advogado.

Para Edval Landulfo, economista e Conselheiro do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba), evitar a falência e a necessidade por uma recuperação judicial depende simplesmente de uma boa gestão financeira. “As empresas têm ferramentas administrativo-financeiras que permitem a todo momento conferir a saúde financeira dessas empresas. Então, você tem os balanços patrimoniais, os demonstrativos de resultados, os demonstrativos de fluxo de caixa para ver a liquidez do dia-a-dia, além dos extratos, as contas bancárias, as aplicações, o patrimônio. Isso deve ser feito de acordo com a sua contabilidade”, diz.

De acordo com ele, o caso da SouthRock não foi o primeiro e nem será o último do tipo, e o Nordeste é, geralmente, a primeira região a ser afetada pelos fechamentos. “Não quer dizer que todas as lojas serão fechadas, mas algumas poderão, sim, passar por esse processo, que é de recomposição de fluxo de caixa. Como não temos as informações de dentro da empresa, que são fornecidas apenas para os administradores judiciais, a experiência nos diz que a empresa terá que fazer esses ajustes. Esperamos que não aconteça a falência da controladora, mas existe sim essa possibilidade”, afirma.

Relembre outros casos recentes de recuperação judicial

  • Americanas
No dia 11 de janeiro, o ex-CEO das Lojas Americanas, Sérgio Rial, anunciou sua renúncia depois de encontrar “inconsistências contábeis” de R$20 bilhões nos balanços da empresa, de 2022 e de anos anteriores.

Após o anúncio, a varejista  entrou com pedido de recuperação judicial. A empresa confirmou que a dívida da companhia passa dos R$40 bilhões e impacta 16,3 mil credores.

O pedido foi protocolado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e a companhia informa que segue operando normalmente "dentro das novas regras de recuperação judicial" e tem como principais objetivos "manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores e credores e investidores de forma geral".

  • 123milhas
Em agosto de 2023, a 123milhas entrou com um pedido de recuperação judicial, acompanhada por Art Viagens (nome oficial da Hotmilhas) e Novum (holding dona das duas). 

Os sinais de crise vieram ainda em agosto, quando a empresa cancelou pacotes promocionais, vendidos antecipadamente sem uma data marcada. Os clientes não foram ressarcidos em dinheiro — eles receberam um voucher para usar em serviços da própria empresa, com o valor pago e a correção de 150% do CDI.

Uma semana depois dos cancelamentos, a 123milhas fez uma demissão em massa. Alguns trabalhadores se manifestaram no LinkedIn, dizendo que foram pegos de surpresa. A empresa confirmou o desligamento e disse que ele faz parte de um processo de reestruturação.

  • Grupo Petrópolis
Em março, foi o Grupo Petrópolis, responsável por marcas de cerveja como Itaipava, Crystal e Petra, que revelou sua crise. Em um comunicado enviado aos trabalhadores da fábrica no dia 27, a empresa afirmou que o pedido de recuperação judicial foi consequência de uma crise que se agrava há 18 meses. Redução de faturamento, pressão inflacionária, aumento dos custos de produção e dificuldade de repasse de preços dos produtos vendidos foram os principais motivos para a decisão. 

A companhia, que tem fábrica na cidade baiana de Alagoinhas, tem dívidas da ordem de R$4 bilhões. O Grupo Petrópolis destacou o vencimento de uma parcela de R$105 milhões de uma operação financeira, que poderia acarretar o vencimento antecipado de toda a dívida, comprometendo o caixa e as operações do grupo de forma imediata.

*Orientada pela subchefe de reportagem Monique Lôbo.