'Somos a ponte entre o ontem e o amanhã': indígenas renovam tradições a partir do afrofuturismo
Ubiraci Pataxó, da comunidade Coroa Vermelha, fala sobre a união entre ciência e saberes tradicionais
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Maysa Polcri
maysa.polcri@redebahia.com.br
Fruto da mistura entre um indígena e uma mulher preta, Ubiraci Pataxó cresceu vendo o pai curar doenças a partir de substâncias naturais na comunidade Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia. Ubiraci não deixou de lado a ancestralidade quando ingressou na universidade e entrelaça os saberes indígenas com a ciência moderna. Para ele, a construção de um mundo melhor exige diálogo entre culturas diferentes.
Ubiraci enfrentou resistência até que começasse a ser ouvido dentro do ambiente acadêmico. Em uma sociedade em que a cultura europeia é vista como mais importante, trazer à tona os saberes dos povos originários não é tarefa fácil. “Muitos diziam que ali não era meu lugar, perguntavam o que um ‘índio’ queria dentro da universidade”, relembra. Além de aprendiz de pajé, Ubiraci é pesquisador do grupo Saúde Coletiva, Epistemologias do Sul e Interculturalidades da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
“Meu movimento tem como base a união entre os saberes acadêmicos e comunitários. Eu reconheço a medicina moderna, mas também existe a medicina da minha comunidade, que é muito mais antiga. Se pudermos unir essas duas coisas, seremos mais sábios”, afirma. A Terapia Comunitária Integrativa (TCI), realizada por Ubiraci, é uma prática de intervenção coletiva que fortalece laços sociais e é reconhecida pelo Ministério da Saúde.
Fazer rodas de conversa dentro das comunidades indígenas é uma forma de fortalecer a tradição de um povo que, em muitos casos, tem sua identidade enfraquecida diante das violências. “Meu povo era nômade, tinha esse mundo para andar e hoje precisamos ficar reclusos em aldeias. Andamos menos, temos doenças que antes não existiam e nossos remédios já não fazem o mesmo efeito”, lamenta.
Daí surge a importância do diálogo, que Ubiraci caracteriza como a maior das tecnologias. “Se eu cuido da minha aldeia onde passa um rio, mas a nascente é na terra de um fazendeiro, preciso dialogar com ele porque o agrotóxico que ele utiliza vai adoecer meu povo”, exemplifica.
Ubiraci Pataxó é um dos convidados do Festival Afrofuturismo, que acontece em Salvador hoje (20) e amanhã (21). À primeira vista, assistir um homem com traços indígenas e com um cocar na cabeça falar sobre o futuro a partir da perspectiva afro pode causar estranhamento. Mas o terapeuta indígena, que enxerga no diálogo a saída para tempos melhores, prova que tem autoridade sobre o assunto.
“Para pensar no futuro, precisamos olhar para o que deu errado no passado. Acredito que a maior tecnologia não está na inteligência artificial e, sim, nas relações humanas e no diálogo. Dessa forma que vamos conseguir um futuro melhor”, ressalta.