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Saudosismo de uma era: moradores de Ondina relembram os tempos áureos do Othon


 

Hotel recebeu famosos, foi sede de festas e congressos e vira camarote na folia momesca

  • Raquel Brito

Publicado em 10/07/2024 às 06:30:00
Othon. Crédito: Marina Silva/ Arquivo CORREIO

“Era uma beleza ver as festas e a quantidade de pessoas que se hospedavam aqui. Para mim, é um ponto turístico nosso”. Enquanto olhava para os apartamentos vazios do antigo Bahia Othon Palace, o motorista Paulo de Souza Ramos, 46, parecia reviver memórias dos 25 anos morando na região da Ondina, nos entornos daquele que costumava ser o maior hotel de Salvador.

Ele foi um dos soteropolitanos pegos de surpresa em uma terça-feira de outubro de 2018, ao receber notícia de que o maior hotel da capital baiana iria encerrar o funcionamento dentro de um mês. Moradores de Ondina, funcionários e visitantes lamentaram a perda do Bahia Othon Palace, que marcou sua imponência na Avenida Oceânica por 43 anos.

O terreno onde fica o antigo hotel foi arrematado por R$82 milhões pela incorporadora Moura Dubeux, através de um leilão realizado em dezembro do ano passado. Agora, se tornará um edifício residencial.

No último dia 5, foi autorizada a licença ambiental para a demolição parcial da estrutura. Isso quer dizer que a construtora respeitará e garantirá as condições ambientais para a demolição. Por exemplo, se para a destruição dos anexos for preciso derrubar 100 árvores, a empresa deve atestar que plantará novamente essa mesma quantidade.

Em épocas de festas, o Othon abrigava um pouco de cada parte do mundo. Turistas de todos os cantos procuravam quartos para passar Carnaval ou Réveillon no hotel. Mas quem mora na capital baiana também aproveitava.

“Eu passei o ano novo de 2017 para 2018 lá. Foi o último Réveillon do hotel. Uma amiga veio de São Paulo e se hospedou aqui, nós não tínhamos para onde ir e fomos para a festa do Othon. Estava lotado de turistas. Foi muito animado”, diz o corretor de seguros Roberto Frediani, de 39 anos, morador da Ondina há nove anos.

Apesar de sentir a perda do hotel, ele vê a mudança como algo natural. “Infelizmente, o hotel não teve condições de continuar. Ficam as histórias dos carnavais, das festas, dos turistas e de todos que passaram por aqui”.

O surgimento do Othon, em 1975, está intimamente relacionado ao momento em que Salvador estava inserido. Na década de 1970, a cidade se abriu para o Brasil e o mundo, a partir das atividades de desenvolvimento do turismo, propostas sobretudo pelo governo estadual.

Entre essas ações, estava o incentivo para que novos hotéis fossem construídos em Salvador para atender à demanda crescente na cidade, sobretudo por conta da popularidade crescente do Carnaval.

Nessa época, já havia alguns ícones no setor hoteleiro em Salvador, como o Hotel da Bahia – então Hotel Tropical da Bahia, primeiro cinco estrelas da capital baiana. Mas, a partir dos anos 70, esse número só aumentou.

“[É importante] pensar no Hotel Othon, o próprio Pestana, o antigo Meridien, entre outros que existiam, sempre como uma rede de hotéis que deram impulso e ofereceram a possibilidade de que Salvador estivesse inserida nas grandes cidades turísticas e que com espaço para hospedagem no contexto brasileiro como um todo”, afirma o historiador Rafael Dantas, antigo coordenador do Turismo Cultural, Histórico e Religioso na Secretaria de Turismo (Setur) do Estado da Bahia.

Com o tempo e a popularização da festa momesca, o hotel se tornou também um ponto para ter uma vista privilegiada dos trios que arrastam multidões no Circuito Dodô. Desde 2003, parte do imóvel se transforma em camarote para a folia. Antes, era o Camarote Planeta Othon, que passou a se chamar Camarote Planeta Band em 2011. 

A vendedora Maria Gilvanete de Jesus, 59, tem uma barraca de salgados em frente ao hotel desde 1998. De lá para cá, viu muita coisa. E lembra de todas como se tivessem acontecido hoje: famosos entrando no hotel, turistas hospedados vindo à sua barraca, grupos inteiros de diplomatas.

“Uma vez, uma comitiva de árabes se hospedou, foi um andar inteiro para os homens e outro para as mulheres. Eu tive o prazer de conhecê-los. Minhas paixões também se hospedavam aí e eu via de pertinho. Agnaldo Timóteo na janela, Erasmo Carlos, que ficava mandando tchauzinho e beijos para nós, aqui do outro lado”, conta.

Nos tempos áureos, ela lucrava mais que o dobro em relação às vendas atuais. Todos os dias, ‘gringos’ desciam para tomar uma xícara de café ou um copo de cerveja na sua barraca. Agora, ela torce para que o movimento retorne com a construção do novo edifício.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.