Santa careca: peruca de cabelo natural de Nossa Senhora está sem doadoras
Há 7 meses não acontece doação de cabelos para a imagem
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Fernanda Santana
fernanda.lima@redebahia.com.br
Todos os dias, há 40 anos, José repete rituais de trabalho na Basílica de Conceição da Praia, que tem como dia principal o 8 de dezembro, quando acontece a grande festa da paróquia em homenagem à santa. Chegou a morar, com o pai, antigo zelador, e a mãe, nas dependências da igreja. Lá, acompanhou a mudança de mais uma tradição. Antes, as moças deixavam, em promessa ou pedido, mexas de cabelo. O cabelo seria usado para a produção da peruca natural da imagem móvel que segue em procissão. Ele, durante anos, recolheu os fios doados. Desde junho deste ano, não mais cumpriu uma de suas funções: nenhuma doação foi registrada. Os preparativos na imagem da Santa começam, geralmente, na metade de cada ano. É o tempo necessário para a costura de novos mantos e, tão importante quanto, da nova peruca. Sem troca, os cabelos estragam e prejudicam o material da imagem. O local de doação de cabelo varia conforme a devota, mas, quando acontece, os fios são deixados aos pés da imagem da santa.“Antigamente, até roupa de noiva as noivas as mulheres que casavam aqui deixavam. Hoje, não tem mais isso não. Cabelo então, a gente não tem visto”, lembra. José sabe tudo... só não onde está o cabelo da santa (Foto: Betto Jr.) A arrumação da imagem é realizada por mulheres na noite anterior à procissão. Neste ano, o processo começou às 18h desta sexta-feira (7). A roupa e o cabelo do ano anterior são trocados ali. “A devoção é popular. Ou seja, vai além das paredes da Basílica. Não acontece só aqui dentro”, comenta o turismólogo e presidente do apostolado de oração, Joselito dos Santos, 34. Por isso, opinar os porquês da falta de cabelo para a padroeira seja tão difícil para ele.
Mas, a maioria não só opina, como está certa dos motivos: distanciamento de fieis e falta de publicidade. Mesmo na Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Elda Cavalcanti, 50, não sabia da necessidade de doações para a imagem da procissão.“Quem me contou agora disso foi você, eu nem sabia que poderia doar. Se eu soubesse, até eu já teria doado. Essa informação precisa ser mais divulgada”, diz. No palco instalado em frente à Basílica para celebração da missa de Dom Murilo Kriegger, Ana Lúcia, 60, também opinou: “Acho que pode ter a ver com a presença de fieis mesmo, de divulgação... A gente está precisando”. Na falta de doações, a Basílica precisará mudar a tradição e, juntar aos gastos, a peruca anual para Nossa Senhora. Sem cabelos ou não, a celebração continuará.
A festa em louvor à Nossa Senhora da Conceição da Praia é a mais antiga festa religiosa do Brasil, comemorada desde 1550. A primeira capela do Comércio foi erguida em taipa a pedido de Tomé de Souza que, segundo relatos, teria ajudado na construção. A igreja atual começou a ser construída em 1739. A celebração também ocorre nos bairros de Itapuã e Valéria, que contam, cada um, com uma Paróquia Nossa Senhora da Conceição.
*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier