Quase metade dos municípios baianos estão com déficit financeiro
Prefeituras aderem à paralisação na próxima quarta-feira (30)
-
Maysa Polcri
maysa.polcri@redebahia.com.br
Quase metade dos municípios da Bahia gastaram mais recursos do que arrecadaram e encerram o primeiro semestre deste ano com as contas no vermelho. São 200 localidades em estado de déficit, que correspondem a 48% de todas as cidades baianas, de acordo com um estudo realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A queda na arrecadação de impostos e a diminuição de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) neste mês são alguns dos motivos que tiram o sono dos gestores municipais.
Com pouco mais de 36,5 mil habitantes, a cidade de Amargosa, no centro-sul baiano, é uma das que já enfrenta diminuição nas verbas repassadas pela União através do FPM. O prefeito Júlio Pinheiro (PT) estima que a perda em agosto deve chegar aos R$600 mil em comparação com o ano passado. “Nós temos tido uma perda no FPM nos últimos meses e, apesar de não configurar grande perda no montante do semestre, está acentuada em comparação com o ano anterior”, analisa o gestor.
O FPM, principal fonte de receita de 7 a cada 10 municípios brasileiros, é formado por parcelas dos recursos do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os repasses são feitos pela União três vezes a cada mês e as cidades menores são as mais dependentes dos recursos. A Bahia é o quarto estado do Brasil com maior número absoluto de municípios em déficit no primeiro semestre do ano, ficando atrás apenas de Minas Gerais (309), São Paulo (260) e Rio Grande do Sul (227). Nem todas as cidades do país fizeram parte do estudo.
A mudança na forma de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), aprovada pelo Congresso Nacional em julho do ano passado, também impactou negativamente os municípios que não fecharam as contas com superávit. O Instituto de Auditores Fiscais da Bahia (IAF) aponta que o estado sofreu perda de 7,02% em relação ao primeiro semestre do ano passado. Pela lei, os municípios têm direito a 25% do que é arrecadado pelo imposto estadual.
Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), a arrecadação de ICMS nos primeiros sete meses de 2023 foi 0,9% menor que a do mesmo período em 2022. Enquanto no ano passado a receita com o tributo havia somado R$ 19,93 bilhões até julho, este ano o total chegou a R$ 19,75 bilhões. A queda de receita, ainda que inferior a um ponto percentual, é ainda reflexo do impacto das leis complementares 192/22 e 194/22, patrocinadas pelo governo federal em 2022, tendo como alvo o ICMS dos estados.
"As perdas, no caso da Bahia, vêm sendo atenuadas graças a medidas adotadas para fazer face a este cenário, em especial no que diz respeito ao combate à sonegação e à modernização do fisco estadual. Como consequência destas medidas, o desempenho do fisco baiano vem superando a média dos estados: entre 2012 e 2023, a Bahia aumentou progressivamente a sua participação no total do ICMS arrecadado nacionalmente, de 4,22% para 5,11%", diz a pasta, em nota.
Assistência social
Entre os fatores elencados pela Confederação Nacional dos Municípios para que os municípios estejam com as contas no vermelho estão ainda: atrasos no pagamento de emendas parlamentares (houve redução de 73% em comparação com o ano anterior); aumento do piso do magistério e diminuição de verbas repassadas pelo Governo Federal. Segundo o estudo, entre 2014 e 2022, a União deixou de repassar R$7,6 bilhões para o Sistema Único de Assistência Social (Suas). Valor que, corrigido pela inflação, pode chegar aos R$9 bilhões. A CNM não divulga a lista das cidades que possuem déficit.
Quando o Governo Federal diminui os recursos destinados à assistência social, cabe aos municípios se reestruturar para garantir os serviços básicos à população. É o que explica o consultor governamental Fernando Carlos Almeida. “Na área da saúde, o financiamento se dá nas três esferas federal, estadual e municipal. Muitas vezes os municípios ficam com o ônus de ofertar o serviço demandado pela população sem receber na mesma proporção os recursos do estado e da União”, explica.
Vitória da Conquista, terceira maior cidade da Bahia, também já sofre com a diminuição de repasses do Fundo Nacional de Municípios. Segundo a gestão municipal, a comparação de julho até os dez primeiros dias de agosto deste ano e de 2022, aponta que houve perda de R$2,075 milhões. Em Jequié, as perdas somadas chegam a R$4 milhões em comparação com o ano passado. Evitar assumir despesas em caráter continuado, diminuir contratações e controlar gratificações são atitudes essenciais durante o período de desequilíbrios das contas públicas, de acordo com o consultor governamental Fernando Carlos Almeida.
O especialista ressalta que a pandemia trouxe impactos para os gastos públicos, mas garante que os altos e baixos são comuns. “Passamos pelo período atípico da pandemia e os municípios e estados perderam receitas, quando os custos também foram diminuídos diante da paralisação de serviços. Em 2023, a economia está a todo vapor e a receita não está correspondendo aos custos e demanda de serviços públicos”, pontua.
Censo
Em janeiro deste ano, a União dos Municípios da Bahia (UPB) estimou queda de R$467 milhões anuais para ao menos 101 cidades da Bahia, que tiveram perda de população com o Censo Demográfico. Os municípios recebem repasses do Fundo de Participação dos Municípios de acordo com o tamanho da população e renda per capita do estado a que pertence.
Diante da iminente perda de recursos, o Governo Federal sancionou, em junho, um projeto de lei que estabelece um regime de transição de dez anos para amenizar as perdas de repasses do FPM. Por isso, a divulgação do Censo Demográfico ainda não causou impacto nas contas públicas das cidades.
O Governo Federal foi procurado, através do Ministério do Orçamento e Planejamento, mas não se manifestou sobre as críticas de prefeitos e nem informou qual a estimativa de repasse de verbas do FPM neste mês. A Secretaria de Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz) também não se pronunciou sobre a situação de déficit das 200 cidades baianas neste semestre.
Prefeituras baianas aderem à paralisação na próxima quarta-feira (30)
Ao menos três cidades baianas já confirmaram adesão à paralisação das atividades não essenciais na próxima quarta-feira (30), como forma de protesto contra as oscilações nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Vitória da Conquista, Jequié e Ibirataia suspenderão as atividades administrativas durante a mobilização, que também acontecerá no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
A iniciativa é articulada pela União dos Municípios da Bahia (UPB), que aponta para o risco de colapso financeiro nos municípios menores. “Os prefeitos defendem caminhos minimizar o impacto da crise, a exemplo de um Auxílio Financeiro aos Municípios (AFM) que a União pode liberar de forma emergencial, a aprovação da PEC 25/2022, que sugere um aumento de 1,5% no FPM, o PLP 94/2023, visando à recomposição de perdas do ICMS com um potencial benefício de R$ 6,8 bilhões”, pontua a organização.
Nem todos os prefeitos concordam com a paralisação. Em Amargosa, Júlio Pinheiro (PT), que é do mesmo partido do presidente, defende que o momento não é o mais adequado. “Temos encontrado portas abertas em Brasília para dialogar com o Governo Federal e construir soluções [...] Existe a possibilidade de aprovação do projeto que reduz a alíquota do INSS, que é uma das maiores despesas do município”, afirma. O Projeto de Lei 33/2023, o qual ele se refere, foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e reduz de 20% para 8% a alíquota de contribuição previdenciária de municípios de até 142,6 mil habitantes.