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Inafiançável ou não? Entenda por que técnico preso em flagrante por injúria racial foi solto


 

Técnico preso pelo crime contra jogadora do Bahia pagou fiança de R$ 42 mil e foi liberado

  • Wendel de Novais

Publicado em 10/07/2024 às 16:00:35
Técnico Hugo Duarte chegou de cabeça coberta para audiência de custódia. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Mesmo sendo enquadrado por injúria racial, crime equiparado ao racismo, que é imprescritível e inafiançável, o técnico Hugo Duarte, 44 anos, recebeu liberdade provisória após pagar fiança de R$ 42 mil nesta quarta-feira (10). Decisão que pode causar estranheza, mas segue um ‘entendimento jurídico’ de alguns dos membros do poder judiciário de que a proibição da fiança está estabelecida para policiais. É isso o que explica Misael França, professor de Processo e Prática Penal da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

"A injúria racial foi equiparada e, a partir de então, foi submetida a forma como se lida nos casos de racismo, que é entendido como imprescritível e inafiançável. Há, porém, o entendimento no judiciário de que o crime é inafiançável apenas para autoridade policial (delegado). Alguns membros do poder judiciário têm esse entendimento de que essa vedação existe para a polícia e não para o juiz. Logo, poderia arbitrar fiança", diz.

O professor explica ainda que o valor de R$ 42 mil de fiança no caso de Hugo é estipulado a partir de dois fatores: a gravidade do crime e a capacidade do acusado de pagar o valor estabelecido. Professora de Direito Penal da Ufba e advogada criminalista, Daniela Portugal afirma, no entanto, que a fiança é vedada tanto legalmente como constitucionalmente.

“Ocorre que o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, bem como o artigo 323 do Código de Processo Penal vedam a concessão de fiança nos casos de racismo, de maneira que o juiz não tem liberdade para fixar a liberdade provisória com fiança. A Lei 14.532/2023 equiparou a injúria racial ao crime de racismo. Com isso, não há mais dúvidas quanto à inafiançabilidade deste crime. O juiz, por outro lado, poderá determinar a liberdade provisória sem a fiança, caso entenda que as hipóteses legais que autorizam a excepcional prisão preventiva não estão presentes no caso”, analisa a professora.

A advogada criminalista afirma ainda que a autoridade policial só pode autorizar fiança em casos com pena inferior a quatro anos. “O delegado de polícia somente poderá conceder fiança nos casos de infrações cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a quatro anos. Todavia, a injúria racial tem pena máxima de 5 anos”, completa Daniela.

Já Sebástian Mello, advogado criminalista e professor de Direito Penal da Ufba, explica que a questão analisada na audiência de custódia não é a gravidade do crime. Segundo ele, na verdade, em caso de flagrante, a pessoa é submetida à audiência de custódia, onde verifica-se o chamado perigo da liberdade do sujeito.

“A prisão em flagrante só é convertida em preventiva caso haja alguns dos requisitos no Código de Processo Penal que demonstrem que a liberdade do sujeito pode pôr em risco alguma coisa relativa à instrução do processo, à garantia da aplicação da lei penal, à ordem econômica, à ordem pública. E não parece ser esse o caso concreto, ele vai responder ao processo em liberdade”, analisa o advogado.

Apesar de conceder a liberdade provisória ao técnico, a Justiça determinou que o acusado deve comparecer a todos os atos processuais e manter endereço atualizado. Além disso, ele precisa comparecer bimestralmente em juízo pelo período de 1 ano, podendo cumprir essa medida em Manaus, onde mora. Há ainda proibição de se ausentar da comarca de residência, sem permissão prévia ou ausentar-se por mais de oito dias de sua residência sem autorização. Por fim, Hugo não pode se aproximar ou entrar em contato com a atleta do Bahia.