Nem Itapuã, nem Liberdade: conheça os dez bairros mais negros de Salvador
Em levantamento inédito, IBGE mapeou a raça/cor dos bairros da capital baiana com base no Censo 2022
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Larissa Almeida
lpalmeida@redebahia.com.br
Ainda é de Salvador o título de Roma Negra, mas já não é mais a Liberdade o bairro que detém o maior contingente de pessoas pretas e pardas na cidade. O título poderia ser de Itapuã se o recorte fosse somente em números absolutos, mas quem ficou com o primeiro lugar mesmo foi Ilha de Maré, que tem 97% da população composta por pessoas negras, de acordo com levantamento inédito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os bairros da capital baiana, com base no Censo 2022.
Dos 3.916 moradores de Ilha de Maré, apenas 136 pessoas não se autodeclaram pretas ou pardas. Os demais bairros de Salvador com os maiores percentuais de moradores negros são: Nova Constituinte, com 8.760 moradores (93,51%); Lobato, com 24.216 moradores (93,33%); Calabetão, com 6.877 moradores (93,29%); Engenho Velho da Federação, com 18.526 moradores (93,27%); Chapada do Rio Vermelho, com 18.666 moradores (92,84%); Cassange, com 7.591 moradores (92,77%); Cajazeiras VII, com 3.522 moradores (92,68%); Santa Luzia, com 5.227 moradores (92,64%); e São João do Cabrito, com 18.319 moradores (92,48%).
Ao total, 160 dos 170 bairros de Salvador têm maioria negra, sendo que 124 deles com mais de 80% da população preta e parda da cidade. De acordo com Mariana Viveiros, supervisora de Disseminação de Informação do IBGE, o que acontece na capital baiana é reflexo do que ocorre também nos outros municípios da Bahia e tem origem na ocupação histórica do território.
“[A história da ocupação tem] raiz na colônia e na época da escravidão. Quando vemos o Censo de 1892 e notamos a população por cor ou raça, as categorias eram iguais, só não tínhamos a classificação de indígenas e amarelos. A distribuição da Bahia por cor e raça, naquela época anterior à abolição da escravatura e ainda no Brasil Império, tinha a população parda como majoritária, seguida da preta e da branca. Ou seja, o estado se povoou quase inteiramente por escravizados e isso é o que explica esse peso demográfico”, afirma.
Quanto a Liberdade, que por muitos anos reinou como o bairro mais negro de Salvador, Mariana Viveiros afirma que segue tendo maioria negra (cerca de 89%), mas foi superado em números percentuais, já que se trata de um bairro antigo, ocupado durante o primeiro ciclo de expansão da capital baiana.
Na visão dela, a fama continuou pela força cultural da localidade: “Esse senso comum de o bairro ser o mais negro de Salvador vem muito por conta da importância cultural, social e histórica do Ilê Aiyê. Isso deu visibilidade e projeção para a Liberdade, mas há outros territórios onde essa proporção [de negros] é maior”, aponta Mariana.
Ilha de Maré
A predominância populacional negra em Ilha de Maré não é à toa. O bairro/ilha tem grande parte do território delimitado como área quilombola. Segundo o IBGE, desde que um estudo não-oficial de 2010, a localidade já figurava como a mais negra de Salvador, e esse levantamento preliminar apenas se confirmou em 2022: 70% dos moradores são negros e 30% são pardos, sendo que 90% do total são é quilombolas.
Segundo Jussara Rêgo, bióloga, doutora em Geografia e pesquisadora de causas vinculadas aos direitos de comunidades tradicionais, há duas explicações para a ocupação majoritariamente negra desse território. As versões contadas pelos moradores são histórias complementares: “Eles contam que os escravizados que fugiam a nado do Engenho Freguesia (Candeias), ocupavam a Ilha de Maré e depois iam buscar as mulheres, que eram marisqueiras. Se escondiam no meio da ilha e, depois, passaram a habitar esse lugar chamado Paciência, que era uma baixada e tinha um rio. Lá era difícil de chegar e eles podiam acender o fogo sem serem vistos”.
A segunda versão diz que a ocupação se deu a partir dos dois engenhos que funcionavam na ilha. Teria sido a partir dali que os escravizados deram continuidade à povoação do local, atualmente composta por pescadores e agricultores. “Hoje, vemos um processo de retorno da agricultura, porque estão ocorrendo muitos problemas com o ambiente pesqueiro, desde a poluição até a redução dos espaços de pesca”, pontua Jussara Rêgo.
Itapuã negona
Ao olhar tão somente para os números gerais, Itapuã é o bairro que mais abriga pessoas negras: 50.296 dos 60.968 moradores, o equivalente a 82%. Na sequência, aparecem Paripe, Pernambués, São Cristóvão, Brotas, Fazenda Grande do Retiro, São Caetano, Beiru / Tancredo Neves, Periperi e Boca do Rio.
Clímaco Dias, geógrafo e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), afirma que a liderança de Itapuã, bem como de Paripe e Pernambués, se deve às dimensões do território: “Esses bairros não têm nem as maiores densidades demográficas da cidade. Itapuã tem mais negros porque tem uma área maior. Já Paripe é um local que tem mais serviços e centralidade, assim como possui uma ocupação antiga, que ganhou uma verticalização que não é vista em muitos bairros de ocupação moderna”.
O geógrafo aponta que, frente a Nova Constituinte, Calabetão e Lobato, os bairros com maior número absolutos de negros têm baixa densidade demográfica, logo, têm menor proporção de negros em relação ao total de moradores. Para ele, Nova Constituinte, Calabetão e Lobato têm predominância negra por fruto dos processos históricos de ocupação da cidade, o que inclui a povoação do Subúrbio. “Foi uma ocupação um tanto quanto desastrada, que aconteceu no final do século 19. Foi uma industrialização, que trouxe um grande número de migrantes do Recôncavo, mas fracassou com o fim da escravidão, porque não tinham alternativas econômicas. Esses migrantes ficaram espalhados em todo o Subúrbio”, finaliza.