Negros são 65% dos homens mortos por arma de fogo em Salvador
Dados do Instituto Sou da Paz indicam que a cidade lidera o ranking de capitais com mais mortes masculinas em 2022
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Elaine Sanoli
elaine.oliveira@redebahia.com.br
Na data em que se celebrou como feriado pela primeira vez na Bahia o Dia da Consciência Negra, iniciativa considerada como conquista para a comunidade, o relatório do Instituto Sou da Paz, Violência Armada e Racismo divulgou um dado que só entristece a população. A entidade indicou Salvador no topo do ranking das capitais brasileiras com mais registros de mortes de homens negros em 2022. Foram 128,7 pretos mortos a cada 100 mil homens, o que equivale a cerca de 65% de todo o quantitativo de óbitos por arma de fogo do sexo masculino na cidade. Foram 65,9 vítimas não-negras, de um total de 194,6 registros gerais.
Para Dudu Ribeiro, diretor e cofundador da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, esses dados revelam uma predominância da comunidade negra vinculada à violência e ao encarceramento como reflexo da realidade racial e de gênero, com as diferentes ofertas de oportunidades.
“Se olharmos mulheres negras na base da pirâmide, sustentando famílias, não sendo visitadas dentro dos presídios, [vemos que] muitas vezes não é uma opção para o homem negro que não tem um lugar de privilégio no patriarcado, senão o lugar que o homem branco determinou para ele. Esse homem negro muitas vezes foi eliminado, encarcerado ou adoecido pelo Estado”, opina.
Ele caracteriza Salvador, cuja segurança pública é gerida pelo Governo do Estado, como um dos exemplos da chamada “alta temperatura da guerra racial no Brasil”, seja pela reorganização geográfica e política das facções criminosas ou pela violência policial contra a população negra.
“Nós temos uma polícia altamente letal e um contexto da guerra às drogas muito mobilizado pela movimentação das organizações tradicionalmente do Sudeste, que ocupam a capital baiana, e um conjunto de outros fatores”, explica o estudioso.
Dudu Ribeiro afirma ainda que debater a mortalidade de homens negros é repensar novas políticas para toda a população: “Salvador deve ser observada como lugar importante para a gente produzir políticas de proteção da vida do homem negro, não enquanto uma pauta do homem, mas uma pauta da comunidade negra”.
As disparidades raciais, no entanto, não se restringem apenas à cidade de Salvador. Ao observar todo o estado baiano, a diferença é ainda maior: os homens negros são quatro vezes mais afetados pelos homicídios. Durante o ano analisado, o mesmo em que o IBGE realizou o Censo, foram 90,4 a cada cem mil homens negros mortos, contra 23,1 não-negros. Com o incremento dos números registrados na Bahia, o nordeste registrou cerca de 48% dos casos de todo o país, sendo a região com a maior proporção.
“Há um racismo, de fato, por conta das questões das menores oportunidades para os negros. A gente observa ainda que, quando há homicídios associados à ação policial, os negros são maiores vítimas também”, avalia Horácio Hastenreiter, que é professor do Mestrado em Gestão da Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Não é uma especificidade nossa, é uma situação grave, mas que se repete em todo o país”, acrescenta.
Violência no estado
A situação não diverge muito para a capital nos dados gerais do cenário estadual. A Bahia chegou à marca de 113,5 vítimas masculinas da violência armada a cada cem mil, ficando também no topo da lista neste aspecto. Em seguida, vem o Amapá, com 104,6, uma diferença de 8,9 homicídios.
Para o professor, a principal das razões para o número alarmante é a disputa de grupos criminosos por território de tráfico. “A Bahia tem essa taxa de homicídio por 100 mil homens tão alta por vários fatores explicativos, mas talvez o mais importante seja a existência de 21 organizações criminosas por aqui. Fundamentalmente, o que a gente observa dentro do país é que quando o poder das organizações criminosas está mais consolidado tem menos conflitos entre eles, então, tem menos mortes e assassinatos entre eles próprios”, argumenta.
Horácio Hastenreiter cita como exemplo a capital paulista: dominada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a cidade registrou uma queda nos conflitos e consequentemente no índice de mortes por armamento de fogo. Na pesquisa do Instituto Sou da Paz, São Paulo aparece como a capital brasileira com menos morte de homens, com 15,7 por 100 mil. “Como a gente tem aqui 21 facções no nosso estado, existe um conflito permanente e, certamente, isso leva a perdas importantes nessa guerra entre grupos criminosos”, pondera.
A pesquisa do relatório Violência Armada e Racismo: O Papel da Arma de Fogo na Desigualdade Racial considerou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos geridos pelo Ministério da Saúde.
*Com orientação das subeditoras Carol Neves e Monique Lôbo.