Assine

Mulher negra e lésbica: feirense conta como alcançou cargos majoritariamente ocupados por homens


 

Iuri Larry Rodrigues é supervisora de Edificações e Hidráulica e lidera grupo de quase 40 pessoas

  • Millena Marques

Salvador
Publicado em 08/03/2024 às 05:30:00
Iuri Larry Rodrigues. Crédito: Reprodução

Ir contra a maré, ocupar espaços historicamente reservados para homens e fazer a diferença no mundo: mantra de vida carregado por mulheres que ostentam, com excelência e força, histórias inspiradoras e de superação. No Dia da Mulher, o CORREIO reuniu jornadas distintas e encantadoras sobre mulheres que ousaram fazer mais.

Mulher negra e lésbica, a supervisora de Edificações e Hidráulica Iuri Larry Rodrigues, 40 anos, foge dos padrões estabelecidos historicamente para quem atua na área de construção civil. Nascida e criada na cidade de Feira de Santana, a 100 quilômetros de Salvador, a engenheira civil superou os desafios de uma infância humilde e dos preconceitos de um setor ocupado majoritariamente por homens e atualmente lidera uma equipe de quase 40 pessoas em um dos maiores shoppings centers da capital baiana.

A relação da feirense com a construção civil começou no final da década de 80, quando ainda era menina e acompanhava o pai, Antônio Roberto Rodrigues, nos serviços de casa. “Eu sempre estava do lado dele [do pai] em todos os serviços que ele fazia em casa. Às vezes, ele falava que criança não podia mexer com os serviços, mas eu sempre estava acompanhando”, afirma.

Com o tempo, o desejo natural de montar e consertar coisas foi associado ao bom desempenho nas aulas de matemática. A junção não deixou dúvidas para Larry: assim que terminasse o segundo grau, cursaria Engenharia Civil. O sonho de entrar na faculdade foi realizado em 2005, aos 16 anos, mas teve que ser postergado porque ela precisava ajudar a fechar as contas de casa.

Nessa época, os pais de Larry já haviam se separado. A mãe, Lucidalva Pereira dos Santos, sustentava a casa e três filhas (de oito, seis e quatro anos) com o salário de auxiliar de serviços gerais. “Era difícil ficar sem trabalhar nesse período para poder me manter numa universidade pública, e eu costumava tomar conta das meninas enquanto minha mãe trabalhava”, conta Rodrigues.

Se engana quem acha que Larry abandonou os estudos nesse período. No tempo em que ficou longe da faculdade, a Universidade Estadual de Feira Santana (Uefs), ela cursou Eletromecânica em uma escola técnica da cidade. Em 2009, a jovem conseguiu o primeiro estágio em uma empresa de instalações elétricas. Após oito meses como estagiária, Larry começou a liderar uma equipe com 80 funcionários, aos 23 anos.

Três anos depois, Larry retomou o curso de Engenharia Civil na Uefs, mas concluiu a formação em Salvador, em 2017, após ser transferida pela empresa de Feira. Além de trabalhar com instalações elétricas, ela passou pelo Polo Industrial de Camaçari. Até chegar ao cargo de supervisora de Edificações e Hidráulica no Salvador Shopping, a engenheira percorreu um caminho de desafios, nutridos especialmente por olhares duvidosos.

Desafios

Antes de enfrentar pessoas que duvidaram de sua capacidade enquanto profissional, Larry enfrentou um inimigo interno: a timidez excessiva. Quando foi líder de uma equipe de 80 pessoas, aprendeu a desenvolver estratégias de comunicação. Era isso ou não suportaria o cargo. “Eu tinha que falar com o pessoal, passar informações e orientar tarefas. Isso me ajudou a ter uma desenvoltura na comunicação. Eu falava com todas as pessoas, do proprietário ao colaborador”, afirma Rodrigues.

Embora não se lembre de muitos episódios de hostilidade no ambiente de trabalho, há memórias de olhares que, sem discrição, contestaram os lugares ocupados por Larry. Um deles aconteceu quando já era supervisora. “Certa vez um fornecedor precisou resolver um problema técnico. Entrou na sala e foi conversar com o gerente do meu setor. Não falou comigo, falou com todo mundo e foi diretamente para o meu chefe”, disse.

Em seguida, o chefe teria orientado que falasse com quem realmente era a responsável pelo setor afetado, Larry. Durante as explicações, o fornecedor teria contestado as orientações da supervisora. “Ele começou a ficar irritado porque comecei a explicar o que de fato era preciso”.

Por ser mulher, Larry tem que estudar o triplo porque suas capacidades técnicas serão contestadas com uma certa frequência. “Eu tenho que sempre estar atualizada em relação às normas dos serviços que eu estou fazendo. Eu tenho que ter argumentos sólidos e fixos para poder argumentar com outras pessoas”, pontua.

Com certeza, a menina que começou a consertar coisas com o pai não imaginava que alcançaria cargos como os que já ocupou. Com 40 anos e mais de duas décadas de experiência profissional, Larry sonha mais. Não sabe ao certo o que ainda quer conquistar, mas estagnar está fora de cogitação. “Eu ainda não cheguei aonde quero e nem sei definir qual seria esse lugar. Descobrirei quando acontecer”

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela