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Atendimentos de pacientes com Alzheimer crescem 22% em quatro anos na Bahia


 

Mais de 330 mil atendimentos foram realizados somente neste ano

  • Maysa Polcri

Publicado em 21/09/2023 às 05:02:50

Quando o sol bate na janela e Maria Edinólia, 53, levanta da cama, sempre se pergunta como será o dia que se inicia. Tudo depende de como a mãe, Oradia, de 79, anos vai acordar. Diagnosticada há seis anos com Alzheimer, a idosa intercala dias em que reconhece os familiares e outros em que não faz ideia de quem eles são. A depender do humor, Oradia chora ao ser lembrada que a mãe morreu, depois de perguntar pela figura materna repetidas vezes. Os esquecimentos são as expressões mais conhecidas da demência e o Dia Nacional de Conscientização da Doença de Alzheimer, celebrado neste dia 21, alerta para os sintomas.

Depois que os filhos se espalharam pelo mundo, Oradia Marques passou a viver o sossego da rotina interiorana em Várzea da Roça, no centro-norte da Bahia. O cotidiano pacato da vida sozinha, no entanto, foi interrompido quando vizinhos começaram a notar os esquecimentos frequentes da idosa, que tinha 73 anos na época. Foram os primeiros sinais da doença neurodegenerativa. Só na Bahia, o número de atendimentos de pacientes com Alzheimer, forma mais comum de demência, cresceu 22% em quatro anos. Apenas entre janeiro e setembro deste ano foram 334.789.

No caso de Oradia, os sintomas da doença se tornaram evidentes com os esquecimentos de situações no cotidiano, como a panela de feijão no fogo e a torneira aberta. “Os vizinhos ligaram preocupados porque ela andava esquecendo de tudo e foi quando a levamos ao médico”, relembra a filha Maria Edinólia. A partir do diagnóstico, a doença evoluiu a tal ponto que a idosa, que antes morava sozinha, não vive mais sem companhia. A mobilidade reduzida e a evolução da demência da idosa mudou a rotina de toda a família.

Oradia Sena foi diagnosticada com alzheimer. Crédito: Acervo pessoal

O número de atendimentos de pessoas com Alzheimer no estado saltou de 646,8 mil, em 2018, para 788,1 mil no ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde, através do DATASUS. Durante esse período, o número de atendimentos cresceu na Bahia. A única exceção foi entre 2019 e 2020, na pandemia, quando houve diminuição. O número total de pacientes com a doença é desconhecido pelas autoridades de saúde.

O crescimento de atendimentos está relacionado ao envelhecimento da população e a maior capacidade de diagnóstico, de acordo com Helena Pataro, diretora do Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso (Creasi). “Associado ao fato das pessoas estarem vivendo mais, existe o aumento da capacidade diagnóstica dos profissionais de saúde porque antes o esquecimento era naturalizado como algo da velhice”, explica.

Nem sempre os pacientes com Alzheimer esquecem de todos os eventos que lhe aconteceram durante a vida. Em geral, os primeiros sinais da doença são os esquecimentos pontuais, que vão, aos poucos, impactando no dia a dia. “Às vezes o paciente fala que se lembra de coisas do passado, como o batizado e casamento, mas o esquecimento do Alzheimer é mais relacionado a fatos recentes, como um recado ou lista de compras”, explica o médico Leonardo Oliva, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Os sintomas ligados à memória e lucidez costumam afetar idosos a partir dos 65 anos. A doença não tem causa definida, apesar de estudos mostrarem a relação do Alzheimer com a genética. O tratamento é feito com medicamentos que aliviam os sintomas, mas não há cura para a progressão da degeneração do cérebro.

É justamente a evolução da degradação dos neurônios que causa o avanço da demência nos pacientes. “Tem vezes que vou dar banho nela e ela coloca a escova de dente no olho. Nossa rotina é assim, ela não lembra mais de nada. Logo depois de comer, ela fala que está com fome, que não demos comida”, diz a filha de Oradia.

Maria Edinólia lembra ainda que a mãe chora toda vez que alguém diz que a mãe dela faleceu, o que aconteceu há anos. “Ela passa o dia todo chamando pela mãe. Antes a gente dizia que tinha morrido, mas ela chorava muito, então aprendemos a desconversar quando ela pergunta”, afirma.

A doença

O Alzheimer é causado pela perda progressiva de neurônios a partir do acúmulo de duas proteínas (tau e beta-amiloide) no cérebro. O Ministério da Saúde estima que existam 1,2 milhão de casos no Brasil, a maior parte deles ainda sem diagnóstico. No mundo, são cerca de 35,6 milhões.

Cerca de oito meses separaram o diagnóstico de Alzheimer da data de falecimento de Deralda Pereira, aos 81 anos. Em pouco tempo, a doença progrediu dos esquecimentos sistemáticos para a perda da autonomia e mobilidade. Mas os indicativos de que a demência se instalava já estavam presentes antes da primeira ida ao especialista. “Ela sempre foi muito ativa e era quem cuidava da comida, mas deixou de fazer as coisas. Eu, às vezes, ficava até indignada com a situação e só depois fomos entender o porquê do comportamento”, relembra a filha, Maria das Graças Pereira, 67.

A demência de Deralda (esquerda) progrediu rapidamente. Crédito: Acervo pessoal

Quanto mais cedo o diagnóstico for realizado por um especialista, maiores são os efeitos do tratamento para que o paciente tenha uma qualidade de vida melhor. “O diagnóstico precoce é importante para que os familiares saibam como pode ser a evolução da doença e existem medicamentos para melhorar os sintomas da memória através do neurotransmissor acetilcolina”, explica Mateus do Rosário, neurologista e professor de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Para além do conhecido quadro de esquecimento, mudanças de comportamento e sinais de depressão são alguns dos indícios de que idosos podem estar desenvolvendo Alzheimer. No caso de Deralda Pereira, que faleceu em 2019, o diagnóstico tardio impediu que a família se preparasse para a evolução da doença. Foi como uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que em Deralda não reconhecia os familiares, eles deixaram de conhecer a matriarca, que teve mudanças de comportamento significativas.

“Minha mãe era uma pessoa tranquila e passou a falar coisas que nunca tinha falado antes, sempre com conotação sexual, até ficar completamente debilitada”, relembra Maria das Graças Pereira, 67. A filha cuidou da mãe durante toda a evolução da doença e lembra dos momentos delicados que passou dentro de casa. “Todo o processo é muito difícil e a gente percebia que a cada dia piorava”, lamenta.

Sintomas do Alzheimer

  • repetição da mesma pergunta várias vezes;
  • dificuldade para acompanhar conversações ou pensamentos complexos;
  • incapacidade de elaborar estratégias para resolver problemas;
  • dificuldade para dirigir automóvel e encontrar caminhos conhecidos;
  • dificuldade para encontrar palavras que exprimam idéias ou sentimentos pessoais;
  • irritabilidade, desconfiança injustificada, agressividade, passividade, interpretações erradas de estímulos visuais ou auditivos, tendência ao isolamento

Na Bahia, 700 pacientes recebem medicamentos para Alzheimer através do SUS

Especialistas orientam que sinais de esquecimento em pessoas acima de 60 anos devem ser levados a sério por familiares, que devem procurar orientação médica. Em Salvador, pacientes com Alzheimer são encaminhados ao Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso (Creasi), que realiza acompanhamento e distribui medicamentos para 700 pacientes de forma gratuita. Só neste ano, o centro já forneceu 237 mil medicamentos, uma quantidade maior do que foi ofertado em todo o ano passado, quando foram 201 mil.

“Muitas vezes a gente brinca como o esquecimento como se fosse algo natural da velhice e não é. A demência é uma doença que precisa ser tratada e, quanto mais cedo, maior será o tempo que o idoso vai viver de forma funcional”, explica Helena Pataro, gerontóloga e diretora do Creasi. Gerontólogos são os especialistas no envelhecimento que, diferentemente dos geriatras, não são formados em Medicina.

O diagnóstico do Alzheimer é feito por especialistas através do exame de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR) e de exames de imagem. “Quando a doença ainda se apresenta como um transtorno cognitivo leve, o rastreio é feito através de uma ressonância magnética do crânio e, a partir daí, o diagnóstico pode avançar para a cintilografia cerebral. Por último, existe o teste específico, que é a medição das proteínas no líquido cefalorraquidiano”, explica o neurologista Mateus do Rosário.