Médica cotista que foi preterida em vaga na Faculdade de Medicina da Ufba toma posse
Lorena Pinheiro Figueiredo se tornou a primeira professora cotista negra da história da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB)
-
Millena Marques
milena.marques@redebahia.com.br
A médica otorrinolaringologista Lorena Pinheiro Figueiredo tomou posse como professora da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) nesta quarta-feira (6), em cerimônia realizada na sede da instituição, no Largo Terreiro de Jesus. Impedida de assumir a vaga após a aprovação no concurso para Universidade Federal da Bahia (Ufba), a médica se tornou a primeira professora cotista negra da história da FMB.
“Em nenhum momento eu pensei em desistir, em nenhum momento eu fraquejei. Essa luta não era minha individualmente, era uma luta coletiva. Seria mais uma luta diante de tantas outras que eu e o meu povo teríamos que enfrentar”, disse Lorena durante o discurso.
Lorena Pinheiro foi habilitada em concurso público homologado em 13 de agosto de 2024 para o cargo de Professora Adjunta da FMB, com regime de trabalho de 20 horas semanais. A designação atendeu a uma determinação da 1ª Vara Federal SJBA que reconheceu que a médica foi aprovada em primeiro lugar dentro das vagas do concurso para cotistas e, por isso, tinha direito à nomeação para “não ter prejuízos de difícil reparação”.
A médica ficou em primeiro lugar após a última fase - a de heteroidentificação -, mas teve o resultado questionado pela candidata aprovada na ampla concorrência, em uma ação contra ações afirmativas. A derrubada de nomeação, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 21 de agosto, foi uma surpresa.
“Ela (derrubada de nomeação) impediu que a primeira professora negra cotista ocupasse esta faculdade em seus 216 anos de existência, impediu que a população negra ocupasse esta faculdade, que a reparação histórica de fato começasse a acontecer em tantos anos de discriminação e portas fechadas aos negros”, disse.
Foram 77 dias entre a derrubada de nomeação e a cerimônia de posse. Ao ser nomeada, Lorena dedicou a vitória à mãe, Maria Ivoneide Pinheiro, que morreu em janeiro do ano passado, aos 68 anos. "Foi a minha mãe, em especial, que falou que eu era capaz, que eu deveria, sim, fazer o curso de Medicina, que eu era capaz de passar na universidade pública, que eu deveria fazer o mestrado e doutorado para seguir o meu sonho de ser professora na Universidade Federal", disse.
Formada em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Lorena é mestre em Ciências da Saúde, com pesquisa em leishmaniose mucosa, e doutora em Otorrinolaringologia – ambas especializações pela FMB. A médica fez residência em otorrinolaringologia na Santa Casa da Bahia.
A cerimônia contou com a participação de diversos nomes da Ufba, incluindo o diretor da FMB, Antônio Alberto Lopes, primeiro diretor negro da instituição, e a diretora da Faculdade de Educação (Faced/Ufba), Nanci Franco, além da Banda Didá. “A gente está reconstruindo uma história, com a entrada destes que são a cor dessa cidade. Fico muito satisfeito e muito alegre por viver esse momento histórico”, disse Antônio Alberto.
Defesa às cotas
Após a cerimônia de posse, um ato de apoio à Lei de Cotas foi realizado por professores da Ufba e representantes de movimentos sociais. O professor Henrique Saldanha, recém-chegado no Departamento de Medicina Preventiva da FMB, ressaltou as ameaças que as cotas raciais estão sofrendo nos últimos anos. "O caso de Lorena precisa ser levado em consideração para a gente entender que ele não é um caso isolado. É ataque as cotas na pós-graduação, na graduação, nos concursos públicos e, pasmem, na formação dos novos médicos e médicas nas residências", disse.
"Hoje, nós estamos dando mais um passo na transformação da fotografia do poder. Nós entramos e nós não sairemos daqui, porque esse lugar foi construído por nós e é nosso por direito", complementou o docente.
Primeira mulher negra a ocupar a direção da Faced, Nanci Franco destacou a vitória de Lorena como uma questão de representatividade. "Quando as nossas crianças olharem para Lorena, elas vão pensar que existem outras possibilidades concretas de existência, que as nossas crianças podem sonhar sobre o que elas quiserem", afirmou.
*Com orientação da subeditora Carol Neves