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Mãe saiu para buscar crianças na igreja e encontrou casa em chamas quando voltou


 

O marido dela e dois filhos morreram na tragédia ocorrida no Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas

  • Gil Santos

Publicado em 02/09/2024 às 15:16:55
Local onde ficava o imóvel de três cômodos. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

O pedreiro Andrelito Santos, 56 anos, estava assistindo novela quando ouviu diversos estalos e barulhos de objetos quebrando. Ele levantou, abriu a porta com cuidado e levou um susto ao ver a casa do vizinho em chamas. Lá dentro, estavam José Izaías Araújo dos Santos, 52 anos, Caleb Silva Marques, 3 anos, e Joabe Borges dos Santos, de apenas 36 dias de vida. Todos morreram. O incêndio ocorreu na noite de sexta-feira (30), no Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas.

Era por volta das 20h30 e estava chovendo. O pintor José estava em casa com a esposa, identificada apenas como Joelma, e com as duas crianças quando a mulher saiu para encontrar seus outros dois filhos, que estavam em uma igreja da comunidade. O local onde a família mora não tem energia elétrica, então, o casal usava velas para iluminar o pequeno imóvel de três cômodos.

Os moradores da Rua Canaã contaram que Joelma acredita que a vela deu início ao incêndio e que o marido não percebeu as chamas porque estava dormindo. Os vizinhos contaram que, quando notaram, o fogo já estava alto, e disseram que um botijão de gás pode ter impulsionado a tragédia. Andrelito disse que o desabamento do teto de telhas e lona foi o que despertou a atenção dele. As vítimas estavam no quarto, a área mais atingida.

Quatro crianças viviam no imóvel e duas estavam no local na hora do incêndio. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

"Corri e peguei minha mangueira. Nessa hora, outros vizinhos também já tinham chegado e correram até o tanque que ficava ao lado da casa deles. Usamos baldes e panelas para jogar água, mas o fogo estava muito alto e já tinha destruído tudo. Tenho 12 netos. Fiquei pensando nas crianças que morreram. É uma tristeza", disse.

Alguns moradores usaram tapetes para tentar conter as chamas. Eles ficaram chamuscados e foram descartados depois da tragédia. Quando Joelma retornou com os dois filhos que foi buscar na igreja, o imóvel já estava em chamas. Vizinhos contaram que ela sentou em frente à casa, bastante emocionada, passou mal e foi atendida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

Andrelito tentou apagar as chamas. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Dois meses

Moradores disseram que Joelma e os filhos tinham apenas dois meses morando no imóvel. A casa pertencia a José, que vivia há 15 anos no local e era descrito por vizinhos como um homem pacato. O casal resolveu morar junto quando ela, grávida, estava perto de dar à luz. O bebê Joabe nasceu em julho. Parte das roupas dele ficaram em uma banheira do lado de fora, ao lado de um par de botas infantis, um carrinho e uma bicicleta.

Os áudios dos vizinhos pedindo socorro ainda circulam nos grupos de mensagens da comunidade. A intensidade das chamas fundiu garrafas de vidros, chamuscou o pé de mamão e outras vegetações que ficavam em volta, e atingiu os blocos comprados pelo casal e que seriam usados na construção da casa em alvenaria. A estrutura que queimou era de madeira.

Nesta segunda-feira (2), o local ainda tinha odor de queimado. O imóvel era simples, o banheiro ficava do lado de fora em uma região de chão batido, coberto por lona e com fossa. O comerciante e vizinho, Denilson da Silva, o Rone, esteve no local no dia da tragédia, voltou nesta segunda-feira e desabafou.

"Essa comunidade tem mais de 20 anos buscando reconhecimento, mas vivemos esquecidos. As ruas são de barro, não temos rede de esgoto e nem luz elétrica. A maioria dos moradores vive de assistência social, porque não tem emprego e nem assistência para agricultura familiar. Vamos no juntar e ajudar a construir a casa dela novamente, mas precisamos que olhem pra gente", disse.

Rone cobrou mais políticas públicas para a comunidade. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

O censo demográfico do IBGE fez um recorte da população quilombola que mora em Lauro de Freitas. Segundo o estudo, o Município tem cerca de 4,8 mil quilombolas, 46,6% dos domicílios não tem esgotamento sanitário por rede de coleta ou fossa séptica ligada à rede, 7,8% dos moradores são analfabetos e apenas 47,9% têm o lixo coletado diariamente. O censo identificou seis localidades quilombolas em Lauro de Freitas, sendo o Quingoma o maior deles.

Além dos dois filhos que morreram no incêndio e das duas crianças que foi buscar na igreja, Joelma tem mais dois filhos, adolescentes, que não moram com ela. As crianças estão com familiares e amigos. O local e o horário dos sepultamentos ainda não foram definidos.

Fogo destruiu a lona do banheiro e chamuscou peças de roupa. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Em nota, a Prefeitura de Lauro de Freitas informou que está prestando apoio à família afetada pela tragédia e que durante o fim de semana a família recebeu as chaves do novo imóvel, que foi adquirido com o auxílio aluguel fornecido pela gestão. O Município informou também que fez um mutirão para limpeza do imóvel e que está acompanhando a situação.

"A prefeitura também entregou o enxoval completo, alimentação e produtos de higiene. Além disso, um benefício emergencial no valor de um salário-mínimo será liberado ao longo da semana", diz a nota.

Já o Corpo de Bombeiros informou que esteve no local, que debelou o incêndio, mas que as causas do acidente ainda estão sendo investigadas. Em nota, a Polícia Militar informou que o Departamento de Polícia Técnica (DPT) também esteve no local, fez a perícia e que o caso está sendo investigado.