Mãe passa mal e irmãos choram morte de músicos do Malê Debalê: 'Só ficamos nós três'
Despedida dos irmãos Daniel Natividade e Gustavo Natividade ocorreu sob forte comoção na tarde desta quarta-feira (9)
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Larissa Almeida
lpalmeida@redebahia.com.br
Na ordem natural da vida, são os filhos que precisam enterrar os pais após a morte. O contrário, quando acontece, configura uma tragédia. No caso da mãe de Daniel Natividade, 24 anos, e Gustavo Natividade, 15 anos, que perdeu os filhos na última segunda-feira (7), durante um ataque armado em Camaçari, na região metropolitana, faltaram palavras para definir o peso da perda e como será a vida sem os dois. Ela, que tem cinco filhos, chorou a morte de ambos na tarde desta quarta-feira (9) e chegou a desmaiar e ser amparada por parentes e amigos no Cemitério de Itapuã.
A dor estampada na face da mãe foi refletida nos rostos das centenas de pessoas que foram se despedir da dupla de percussionistas do Malê Debalê. Enquanto a matriarca da família Natividade se perguntava por que aquilo tinha acontecido com os filhos, os irmãos Leonardo, Lidiane e Diego sentaram juntos e se abraçaram ao constatar o que, mais tarde, foi verbalizado pela irmã: ‘Só ficamos nós três’.
Enquanto a mãe era abanada por um grupo de pessoas, uma amiga e uma prima de Gustavo e Daniel voltaram para a área externa do cemitério inconsoláveis. Uma das jovens precisou de ajuda após sentir uma forte dor no peito. Em todos os lados, homens e mulheres majoritariamente negros, vestidos de branco, entre católicos, evangélicos e candomblecistas, se sustentavam uns nos outros para suportar o luto. Uma dessas pessoas foi o tio Reinaldo Marcelo Natividade, que fez questão de prestar homenagem aos sobrinhos.
“Daniel era um menino alegre, bem-humorado, extraordinário. Gustavo, por sua vez, era o irmão mais novo da família e estava presente em todos as festividades. Os dois gostavam de estar sempre juntos. O objetivo deles, durante o passeio, era juntar a família e ter um momento feliz. É uma tristeza que meu coração fica com essa perda, porque Gustavo nem teve direito a oportunidades, não viveu nada. Por um equívoco, destruíram minha família”, lamentou.
Alex Corsino, organizador do passeio que levou cerca de 150 pessoas de Itapuã – entre eles os irmãos – para o Emissário de Arembepe, em Camaçari, na última segunda-feira, ficou abalado ao lembrar que chegou a alertar os jovens, antes de chegarem ao destino, a não fazerem gestos que pudessem ser atrelados a facções. “Na saída para o passeio, sempre falo que, quando vamos para outra comunidade, temos que respeitar. Digo para pararem de tirar foto, gritar ou falar qualquer coisa de facção, porque eles sequer são envolvidos. Foi um descuido que eles [Daniel e Gustavo] deram e saíram de onde estávamos concentrados”, contou.
A principal suspeita quanto à motivação do crime diz respeito a uma foto publicada nas redes sociais da dupla fazendo o 'sinal do 3', que faz referência à facção Bonde do Maluco (BDM), rival do Comando Vermelho (CV), que atua em Arembepe. A imagem teria sido tirada durante o tempo em que os jovens se afastaram do grupo no passeio. Apesar de terem feito o sinal, todos os familiares, amigos e integrantes do Malê Debalê, incluindo o diretor e presidente, negaram o envolvimento de ambos com o crime.
“Ficamos muito triste que foram dois jovens queridos, comprometidos com a música, com os tambores, a arte e a cultura que perderam a vida. Uma multidão veio saudar e se despedir deles porque eram queridos e de família. Eles eram do bem, não eram criminosos e o sentimento aqui é de saudade já. Espero que os criminosos sejam punidos pelo que fizeram a eles”, ressaltou Sérgio Debale, cantor e compositor do Malê Debalê.
Pouco antes do sepultamento, os integrantes do bloco afro posicionaram os tambores e cantaram os versos de “Malê vai deixar saudade”, música que emocionou todos os presentes. Ao final da homenagem, uma salva de palmas e a soltura de balões brancos deram fim ao momento. O líder comunitário e integrante do projeto social do Malê Debalê, Sérgio Carlos Santos, 57 anos, lembrou que, há um mês atás, os dois irmãos estavam tocando pela banda.
“Nós estávamos em um ensaio para o projeto Batuque na Porta, um projeto que fazemos na rua, tocando os tambores e arrecadando aliemntos para ajudar as vibrações. Eles estavam em uma vibração sem igual, sempre juntos e sendo prestativos”, disse.
Além do tempo dedicado ao Malê, Daniel e Gustavo integravam o projeto social Itapuãzeiro há oito anos. O fundador da iniciativa, Mestre Chiquinho, relata que eles eram engajados e proativos em cada atividade. “Onde nós íamos, eles iam. Eram bem educados, bons músicos, bem cuidados e alegres. Gustavo, quando me via, me chamava de Xica. A última vez que vi ele foi domingo e foi desse mesmo jeito. A partida deles causa uma dor no coração, mas eu acredito na justiça de Deus”, completou.
Por volta das 15h, Daniel e Gustavo foram sepultados no Cemitério de Itapuã. Antes, pais e irmãos de santo da dupla fizeram um ritual religioso, pedindo paz durante a passagem deles. Ao final do ato, a multidão soltou fogos de artíficio como última homenagem.