Historiador faz sequência de descobertas arqueológicas no interior da Bahia
Os achados pré-históricos podem ter entre 6 a 8 mil anos
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Nilson Marinho
Em abril deste ano, a equipe da TV Bahia esteve na cidade de Tucano, no nordeste baiano, para a produção do quadro “Panela de Bairro”, do programa Bahia Meio Dia, onde o repórter Dalton Soares mostra pratos tradicionais e receitas únicas de todo o território baiano.
Naquela ocasião, o historiador tucanense André Carvalho acompanhou o repórter e seu cinegrafista até uma trilha em uma região conhecida como Marizá, para mostrar as belezas naturais da cidade, além de sua gastronomia.
O grupo subiu uma serra e chegou a uma elevação de pedras onde está fincada uma cruz, enquanto um drone capturou imagens panorâmicas dos terrenos acidentados ao redor. Em algumas das rochas da região, havia inscrições, mas nada que chamasse a atenção da equipe de reportagem e do historiador, já que eram marcas recentes deixadas pelos frequentadores da trilha.
De maneira muito despretensiosa, André até brincou com o grupo ao avistar as marcas: "Vamos dizer que aqui tem gravura rupestre." A equipe da TV Bahia retornou a Salvador, e o quadro foi ao ar, destacando como fazer fígado de carneiro no redém. O historiador, por sua vez, seguiu sua rotina em sua cidade de pouco mais de 48 mil habitantes.
Descobertas
Em outubro, André retornou à região para uma nova trilha, desta vez acompanhado de dois casais de amigos. O caminho que eles fizeram foi diferente daquele trilhado pela equipe da TV Bahia.
Em determinado momento, um boi de uma propriedade rural, que fica a caminho da trilha, ultrapassou os limites da cerca de arame e fugiu para uma estrada de terra. O fazendeiro abriu a cancela da fazenda e, montado a cavalo, foi em busca do animal, esquecendo-se de fechar a estrutura de madeira.
O historiador, que caminhava mais atrás e não presenciou a fuga, encontrou a propriedade aberta e entrou, sem imaginar que mais adiante se depararia com achados pré-históricos em um paredão de pedras.
“Vi uma rocha com riscos. Fiquei tentando entender se era algo recente, mas logo percebi que não era. Tirei algumas fotos e enviei para dois amigos arqueólogos. Eles confirmaram: eram gravuras rupestres”, conta o historiador.
Os achados pré-históricos em questão eram uma série de figuras geométricas talhadas na rocha, com formas lineares repetidas. Algumas lembravam patas de um pássaro, enquanto outras eram abstratas aos olhos dos seres humanos atuais.
Felipe Sales, diretor da CRN-Bio Ambiental e Arqueologia, formado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), um dos profissionais que recebeu as imagens do historiador, afirma que os achados arqueológicos pertencem a uma tipologia chamada Tradição São Francisco, comum no Nordeste.
Ela já foi mapeada em diversas regiões e apresenta uma datação conhecida, entre seis e oito mil anos, com padrões decorativos e temáticos específicos – tanto geométricos quanto representativos de animais, pessoas ou objetos.
“Essas gravuras e pinturas rupestres foram feitas por grupos caçadores-coletores que viveram na região durante o período pré-histórico e são os ancestrais dos indígenas encontrados na época da colonização. Devem ter uma datação relativa entre seis e oito mil anos e atestam que esta região foi densamente povoada, possuindo um significativo potencial arqueológico e cultural”, explica Sales.
O também arqueólogo André Prous, francês com grande contribuição no estudo da pré-história brasileira, definiu a Tradição São Francisco após realizar trabalhos ao longo do rio que corta cinco estados, incluindo a Bahia. Em seus trabalhos acadêmicos, afirma que essa tradição é composta por grafismos abstratos, que se sobressaem em quantidade em relação aos zoomorfos (figuras que lembram animais) e antropomorfos (que fazem referência a humanos).
“Falam sobre a ancestralidade, história e memória dos povos que aqui viviam e deram origem às populações atuais, resultantes de uma miscigenação com europeus e africanos escravizados. Essas representações são um patrimônio cultural e arqueológico protegido por lei e devem ser geridas e preservadas pela União e pelo Brasil”, completa o diretor da CRN-Bio Ambiental e Arqueologia.
André ficou animado com a descoberta e compartilhou com alguns amigos o que havia encontrado. Um deles é dono de uma propriedade rural, próxima àquela onde foram localizadas as primeiras gravuras rupestres. O historiador mostrou as imagens ao conhecido e perguntou se, por acaso, ele já havia visto algo parecido em sua fazenda. A resposta foi “sim”.
“Ele sabia que tinha algumas marcas antigas, mas nunca imaginou que pudessem ter valor histórico. Conseguimos um quadriciclo para chegar até lá, e foi surpreendente: um paredão cheio de gravuras, muito mais do que o primeiro achado”, disse o historiador.
O arqueólogo Felipe Sales, que é da região, inclusive, já vinha insistindo com pesquisadores locais para direcionarem seus trabalhos para os sítios de representações rupestres, pois ele sabia da possibilidade da existência das gravuras em Tucano.
“Especialmente aqui em Tucano e áreas próximas, como Queimadas e a região do Rio Itapicuru, há muitos afloramentos rochosos que apresentam sítios de representação. Alguns me diziam que não havia como encontrar algo, pois as rochas da região são compostas de rocharenito, carenito e arenito, que sofrem com a ação do intemperismo muito mais rapidamente. De fato, não são o melhor suporte para pinturas rupestres, mas insisti dizendo que, se procurarem, encontrarão. A ausência de sítios cadastrados ou conhecidos não significa que eles não existam; talvez apenas não tenham sido explorados ainda”, explica Sales.
O historiador continuou compartilhando os achados com conhecidos, e uma colega de trabalho mencionou que havia algo parecido em outra região rural, chamada Caldeirão. André, já empolgado com as duas descobertas, foi adiante.
“Ela comentou que algumas pessoas já tinham visto símbolos estranhos por lá. Fui com um amigo e, ao chegar, percebi que se tratava mesmo de pinturas rupestres. Esse local é bem diferente, a rocha é mais resistente, então os símbolos só poderiam ser pintados, e não riscados”, ilustra André.
O dono da propriedade onde foram encontradas as pinturas, sabia da existência delas, mas não achava que se tratavam de arte rupestre. Eram traços avermelhados feitos com pigmentos naturais, diferentes das outras duas descobertas, que possivelmente foram produzidos com objetos rudimentares.
Tombamento
Tudo que foi encontrado pelo historiador foi documentado em foto e vídeo e enviado para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão afirma que são considerados sítios arqueológicos os locais onde se encontram vestígios positivos de ocupação humana, como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado, aldeamentos, “estações” e “cerâmicos”, grutas, lapas e abrigos sob rocha. Além das inscrições rupestres, como em Tucano, são incluídos sulcos de polimento, sambaquis e outros vestígios de atividade humana.
Ainda conforme o órgão, são passíveis de processo judicial por danos ao patrimônio da União e omissão, por exemplo, os proprietários de terras que encontrarem qualquer achado arqueológico e não comunicarem ao Iphan no prazo de 60 dias. “Todos os sítios arqueológicos têm proteção legal e quando são reconhecidos devem ser cadastrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA)”, diz.
Enquanto o processo de tombamento não tem reconhecimento, André conversa com os proprietários para evitar visitas sem orientação, pois isso poderia causar danos às descobertas arqueológicas. Além disso, ele tenta encontrar algum programa de pesquisa em universidades para fazer um estudo mais detalhado, incluindo datação das gravuras e pinturas.
“Também vislumbramos agregar essas descobertas ao turismo local. Aqui temos a estância hidromineral de Caldas do Jorro, mas o turista costuma ficar apenas entre o hotel e a praça. Com essa descoberta, poderíamos desenvolver um roteiro de turismo histórico”, avalia.