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'Governo Lula cheira a mofo em relação à prática política, às ações e aos projetos', afirma ACM Neto


 

Em entrevista ao CORREIO, vice-presidente eleito do União Brasil disse que o governo Lula "não deslanchou" até o momento

  • Rodrigo Daniel Silva

Salvador
Publicado em 13/05/2024 às 10:00:00
Vice-presidente eleito do União Brasil, ACM Neto. Crédito: Marina Silva/Correio

O vice-presidente eleito do União Brasil, ACM Neto, avalia que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deslanchou até o momento. Para ele, é uma gestão que “cheira a mofo em relação à prática política, às ações e aos projetos”.

ACM Neto afirmou ainda que a discussão sobre a desoneração da folha mostrou como a articulação política do governo Lula é “precária”. O Palácio do Planalto recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF)  com pedido para que seja considerada inconstitucional a desoneração da folha salarial de setores da economia e de municípios. O tema provocou uma disputa entre governo e Congresso Nacional nos últimos meses

Focado nas eleições municipais, o ex-prefeito soteropolitano ACM Neto tem atuado mais nos bastidores políticos nos últimos meses. Na primeira entrevista que concede a um veículo de comunicação neste ano, o vice-presidente eleito do União Brasil fez uma avaliação ao CORREIO dos governos Lula.

Essa é a segunda de três partes da entrevista concedida ao CORREIO. Na primeira, o ex-prefeito fez ponderações sobre o governo Jerônimo Rodrigues (PT).

O senhor disse que a queda de popularidade do governo Lula ocorreu porque o eleitor está frustrado com o presidente. O governo não deslanchou? Por quê?

Tenho certeza que o governo não deslanchou. A gente vê um governo envelhecido. Um governo que continua preso ao passado, seja na prática política, seja nas ações e planos de trabalho e de governo em si. Nas práticas políticas porque não souberam fazer uma construção política mais ampla, reeditaram a lógica do passado, do próprio PT, do toma lá dá cá. Um governo extremamente dominado por quadros petistas. Então, não é um governo plural. Outros partidos ocupam espaços periféricos, menos relevantes. E quando se trata de discutir a agenda do país, quando se trata de discutir políticas públicas, prioridades, rumos e caminhos, essas discussões acontecem intramuros, exclusivamente, entre os petistas. Então, é um governo que cheira a mofo em relação à prática política. E também cheira a mofo em relação às ações de governo, aos projetos para o país. Algumas medidas foram corretamente retomadas, do passado, reeditadas, mas parou por aí. É um governo que não tem novidades, que não tem nenhuma sinalização para o futuro. É um governo que não está discutindo o Brasil do amanhã. É um governo que não traz projetos que rompam com a lógica que nos trouxe até aqui, dos mesmos problemas que vivemos nas áreas essenciais da população, principalmente, educação, saúde, segurança, habitação e combate à desigualdade. É um governo que não tem um plano de desenvolvimento econômico para o país. É um governo que, até então, tem flertado com irresponsabilidade fiscal. A prova disso é que não se conseguiu no Brasil até agora ter uma redução mais significativa da taxa de juros. Nós continuamos com a taxa de juros muito alta. Enquanto esses juros não caírem, a economia real não vai crescer e nós não vamos ter uma retomada no ritmo que o Brasil precisa da geração de empregos e da expansão econômica.

Como vê os conflitos entre o governo e o Congresso? Um dos embates é por causa da desoneração da folha?

O governo recorre a um método de articulação política ultrapassado. O governo foi para o varejo, usou a velha prática de sempre, que é de tentar negociar a ocupação de cargos e de emendas parlamentares. O que a gente percebe em Brasília é que o governo acha que está dando muito, e o Congresso acha que está recebendo pouco. Poucas ou quase inexistentes foram as vezes que se sentou para discutir a agenda Brasil. E aí a desoneração é um exemplo claro disso. O governo tem uma visão em relação à desoneração, quer reonerar os setores, e o Congresso tem uma visão diferente, que é desonerar esses setores econômicos. Eu estou de acordo com o Congresso nesse quesito. Eu acho que o Brasil precisa facilitar a geração de emprego, precisa diminuir o encargo e o ônus sobre a contratação formal nesse país. Essa é a questão fundamental da desoneração da folha. E aí o governo, ao invés de tentar esgotar no limite máximo a possibilidade de negociação, admitindo ceder, e chegando a um ponto de convergência pela negociação em torno de pauta, não, ele quer impor uma situação ao Congresso. Não satisfeito com a derrota, o governo foi para o Judiciário e, a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, conseguiu reverter um posicionamento do Congresso Nacional. Esse é um exemplo claro de uma mentalidade política que não prestigia nem prioriza a articulação do bem, que é a discussão em torno de temas e você cede aqui e ganha ali. Um processo de alto nível, um processo em que o país seja discutido. Essa seria uma oportunidade. Ficou claro que o governo não sabe fazer.

Quando vai ao Supremo Tribunal Federal para derrubar a desoneração da folha, o governo demonstra que não está tendo competência na articulação política?

A condução desse processo de desoneração, para mim, é um exemplo bem significativo da articulação política precária do governo hoje com o Congresso. O Congresso queria tudo, e o governo não queria nada. Ao invés de sentar, encontrar um meio-termo, encontrar algo que fosse dentro de um racional, de uma lógica, não. Então, o Congresso impôs uma derrota ao governo, e o governo só restou recorrer ao STF para modificar a decisão do Congresso.

O país saiu da eleição de 2022 muito polarizado. O governo Lula tem contribuído para manter a polarização no Brasil?

Até agora, eu acho que Lula está jogando fora uma bela oportunidade que recebeu do eleitor em 2022 para desfazer esse quadro tão crítico de polarização política. As ações do governo até este momento - e eu sempre friso, porque todo mundo pode mudar e pode melhorar, e no fundo, eu torço que melhore -, eu acho as ações do presidente Lula e do governo dele só contribuíram para aprofundar o quadro de polarização. O presidente não está tendo a compreensão que se elegeu em 2022 com o apoio de uma parcela do eleitorado que não é petista, que votou nele por rejeitar mais a Bolsonaro do que a ele. Acho que Lula não está sabendo responder a esses eleitores. Por enquanto, o governo dialoga e só responde satisfatoriamente ao eleitorado mais à esquerda.

por

ACM Neto

"Pode ser (que Lula deseje a polarização), mas quem paga o preço disso é o país"

O senhor acha que Lula deseja manter a polarização porque o favorece?

Pode ser, mas quem paga o preço disso é o país. Porque, assim sendo, dificilmente nós vamos escapar de um quadro também de polarização para 2026. E o que a gente percebe é que, de certa forma, a política brasileira pós-chegada de Fernando Henrique ao poder, ela passou a ser polarizada entre PSDB e PT naquela época. Só que a polarização ganhou contornos muito mais personalistas quando acabou ficando no meio de Lula e Bolsonaro. Então, é possível que Lula deseje manter essa polarização, mas quem paga o preço disso é o Brasil. Ele não está considerando uma coisa, que é, talvez, uma janela de oportunidade que se coloca para o campo da centro-direita e da direita. O que Lula não está enxergando é que Bolsonaro está inelegível e que vai surgir um novo nome neste campo político. Se esse novo nome vier numa pegada de ter um diálogo mais amplo, de trazer uma mensagem mais ampla, que não fique apenas no campo da direita, que não seja só a crítica pela crítica, que não alimente esse quadro muito personalista e individualista, isso, talvez, possa ser o caminho para construção de um projeto vitorioso, antipetista em 2026.

Há alguma possibilidade do União Brasil apoiar o projeto de reeleição de Lula em 2026?

Nós não iniciamos nenhuma discussão sobre a sucessão presidencial em 2026. Então, esse é um tema que não está sendo tratado dentro do partido. É natural que internamente existam diferentes opiniões e pensamentos, mas eu diria que esse assunto só vai ser tratado pós-eleição municipal. Nós estamos na vizinhança de uma disputa de prefeitos e vereadores. Portanto, com uma outra lógica completamente diferente. Não há por que falar de eleição presidencial neste momento. Mas depois das eleições municipais, sim. Nós vamos começar a tratar (deste assunto). Hoje, mesmo compreendendo que o partido tem algumas correntes de opinião distintas, mas, talvez, a que prevaleça seja a de tentar construir uma candidatura própria a presidente da República, com o nome que desponta e que se destaca, que é o nome do governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Então, esse debate vai se aprofundar no União Brasil, mas há hoje um sentimento majoritário nessa direção. É cedo para falar. Estamos muito distantes das eleições de 2026, mas, sem dúvida alguma, essa é uma das nossas hipóteses mais consistentes.

O União Brasil vai ter candidato para presidência da Câmara dos Deputados e para o Senado em 2025?

O União Brasil deseja ter candidato a presidente da Câmara e do Senado. Nós temos dois nomes que despontam com muita força nas Casas. Na Câmara dos Deputados, o líder da bancada, Elmar Nascimento, e no Senado Federal, o senador Davi Alcolumbre. Eu era presidente do Democratas quando o partido conseguiu eleger, ao mesmo tempo, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Então, o fato de serem ambos do mesmo partido não traz nenhum impedimento para que se viabilize uma vitória nas Casas, porque a dinâmica das eleições é muito diferente. Pesa menos esse contexto de articulação partidária, e pesa muito mais a correlação de forças internas de cada Casa.

Os dois candidatos do União Brasil vão ter o apoio do governo Lula?

Ambos pretendem ser candidatos da Casa. Ambos têm dialogado com o governo. Tanto o senador Davi no Senado quanto o deputado Elmar na Câmara. Eu não vejo motivos para que o governo possa ficar contra eles. Não há nenhuma razão concreta e objetiva para que o governo faça oposição a eles. Agora, essa eleição, na minha opinião, não passa pela vontade do governo. O governo tem um peso, claro, sempre vai ter, porém, não é a vontade do governo que vai determinar o próximo presidente da Câmara e do Senado.

Quais são as metas do União Brasil na eleição deste ano?

Nós estamos focados com atenção especial nas capitais. É provável que o partido tenha candidatos a prefeito em 12 capitais do país. Tenho conversado muito com esses pré-candidatos para dar suporte e orientação, levando a experiência que eu vivi aqui em Salvador. Vamos ter agora uma agenda de eventos em algumas capitais de apoio a esses pré-candidatos. Nosso foco prioritário é qualitativo, e não necessariamente quantitativo. A gente debateu muito isso. Acho que vão ter partidos que disputam conosco o mesmo campo político, que estão mais focados em quantidade. Nós estamos voltados à qualidade. Por isso, é que a nossa atenção especial está voltada para as capitais. Com isso, o partido ganha musculatura e visibilidade para um projeto futuro presidencial.

*Colaborou a repórter Millena Marques