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Feira de oportunidades: o potencial empreendedor e econômico de São Joaquim


 

Arena São Joaquim debate patrimônio material e cultural da feira

  • Priscila Natividade

Publicado em 18/03/2024 às 06:00:00
Arena Feira de São Joaquim aconteceu neste sábado (16), no Comércio, em Salvador. Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Uma verdadeira mãe. É assim que a chef do Cantinho da Dadá e empreendedora da Feira de São Joaquim, Marilena Souza de Andrade – ou melhor, Dadá da Feira -, define o lugar. Seus 70 anos, acompanhando de perto todas as etapas do desenvolvimento tanto cultural quanto econômico de cada banca e negócio dali, fazem de Dadá um exemplo de resistência.

“Oitenta por cento do mulheril cria seus filhos na Feira de São Joaquim como eu criei os meus. Aquela feira é o verdadeiro lugar de combate à fome. Muita gente chegou, montou sua banca e vendeu suas coisas para sobreviver. Meu pai era feirante, foi lá que instalei meu restaurante. Você encontra conversa, troca experiência, vende e faz comida, alimenta sua família. Tudo isso na Feira de São Joaquim”, afirma.

Dadá foi uma das convidadas da Roda de Conversa que discutiu o Patrimônio Material e Imaterial da Feira de São Joaquim, durante a Arena Feira de São Joaquim, evento que aconteceu no último sábado (16), na Doca 1, ao lado do Terminal Marítimo de Salvador, no bairro do Comércio. Além de reunir comerciantes e feirantes, a ação gratuita e aberta ao público contou também com apresentações culturais e espaço para venda de produtos.

Mediada pela editora-chefe do CORREIO, Linda Bezerra, a Roda de Conversa também contou com a participação do ator do Bando de Teatro Olodum e Afrochefe no Culinária Musical, Jorge Washington. Ele foi mais um que defendeu a importância social, cultural e econômica da feira: “Faço comida a partir das minhas memórias, lembranças. E quem me abastece desses ingredientes é a Feira de São Joaquim. Andu, feijão-verde, mamão verde. A Culinária Musical é um projeto que eu já toco há 7 anos. Além disso, como ator, tem muita coisa dali que levo para o palco. A feira é um patrimônio que precisa ser tombado urgentemente”.

O debate contou ainda com a presença do coordenador da Federação Nacional do Culto Afro Brasileiro (Fenacab), pai César D'Ajagunã, que ressaltou o quanto São Joaquim faz parte da rotina do povo de santo e a relação da religião com a feira. “A gente costuma dizer que a feira é o nosso shopping. Nós, que somos do candomblé, vamos à feira de São Joaquim mais de três vezes na semana. É onde encontramos folhas, animais, grão. Tudo que precisamos é lá que encontramos”.

Pai César D'Ajagunã fez questão de recordar seu primeiro contato com a Feira de São Joaquim: “Comecei a andar por lá quando tinha uns 13, 14 anos, quando minha mãe foi iniciada. É um lugar mágico de energia muito boa. Saí com uma lista imensa, não sabia onde a feira ficava, me perdi e soltei no Terminal da França. Com o dinheiro contado, consegui chegar na feira e me perdi de novo. Só cheguei no terreiro à noite, mas levei tudo que precisava. Hoje eu viajo para outros estados e países e levo material da Feira de São Joaquim”, diz.

A presidente do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Filhos da Feira de São Joaquim e suplente administrativa do Sindicato dos Feirantes e Ambulantes de Salvador (Sindfeira), Avani de Almeida, também trouxe sua experiência sobre os aspectos culturais e econômicos de São Joaquim para o debate. Ela reforçou a necessidade de uma organização maior da feira enquanto instituição. “A gente enxerga a feira como uma comunidade. O que queremos hoje é tornar a feira uma instituição organizada, levar projetos, legalizar tudo isso”.

Incentivo

Onde há empreendedorismo é necessário crédito e incentivo. Ainda durante a Roda de Conversa, o gerente de Negócios do escritório regional do Crediamigo Salvador do Banco do Nordeste, Daniel Sande, destacou o quanto o crédito orientado tem a agregar aos negócios que estão instalados na feira, a fim de fomentar essa atividade econômica. “O Crediamigo tem linhas de crédito de até R$ 21 mil. Nos próximos dias, vamos intensificar as vistas dos nossos consultores e intensificar nossa presença na Feira de São Joaquim, indo até o feirante para conhecer a atividade e levar esse conhecimento sobre o que é o programa”.

Reconhecimento

Após a troca de experiências, a mediadora da roda de conversa e editora-chefe do CORREIO, Linda Bezerra, destacou a importância da valorização da feira. “Visitar a Feira de São Joaquim é uma declaração de amor à Bahia. Ela ainda não foi tombada. É um papel de todos nós zelar por isso. É lá que encontramos a velha Bahia”, defendeu Linda Bezerra.

Atualmente, o projeto de lei, de autoria da deputada Fabíola Mansur (PSB), que prevê o reconhecimento da Feira de São Joaquim como patrimônio imaterial da Bahia (PL nº 25.194/2024), ainda não foi votada na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba).

Outra tentativa de reconhecimento é o projeto para que a Feira de São Joaquim seja considerada patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No entanto, esse segue estacionado desde março de 2005. No site do órgão, a feira aparece entre os “bens imateriais em processo de instrução para registro”. 

Gerente da Fábrica de Artes, Adriele Boa Morte, afirma que chega a vender mais de 500 peças por mês. Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Localizada no box 1122, em um dos espaços da Feira de São Joaquim, a Fábrica de Artes trabalha com artesanato, decoração em palha e folhagens secas e chega a comercializar mais de 500 peças por mês, como afirma a gerente Adriele Boa Morte. A comerciante foi uma das expositoras da Arena e está na feira há mais de 20 anos. “É muito importante trazer esse movimento para cá. São Joaquim precisa ser valorizada. Muitas vezes, quando as pessoas falam da feira, não pensam na sua cultura, nas coisas bonitas que temos lá. Esse reconhecimento com o tombamento vai, com certeza, mudar essa imagem”.

Adilene Conceição, da banca Transformação em Pimentas, trabalha na feira de São Joaquim há 20 anos. Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Expositora na Arena e também feirante em São Joaquim, Adilene Conceição, da banca Transformação em Pimentas, acredita que a solução está em uma gestão responsável. Na barraca que fica próxima ao segundo portão, tem pimenta carolina, pimenta-de-cheiro, pimenta japonesa e pimenta-doce. “Ainda tem gente que não conhece direito a feira, não sabe que aqui ela vai encontrar de tudo, mas tudo mesmo. Essa gestão responsável pode colocar São Joaquim em outro patamar. Estou na feira há 20 anos e a gente não tem a quem recorrer quando algo acontece”.

Vetor de revitalização

A Arena São Joaquim é a primeira fase da Trilha Empreendedores do Futuro e Trilha Empreendedora, que capacitou e acelerou negócios de 14 feirantes no ano passado. A iniciativa é uma colaboração entre a JA Bahia, organização social que incentiva jovens em todo mundo, e a Wilson Sons, que conta com o apoio do HUB Salvador, CEEP Empreende e IEL. O evento tem patrocínio do Banco do Nordeste e apoio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Emprego e Renda de Salvador (SEMDEC).

Para o presidente da JA Bahia, Elde Oliveira, esse movimento traz clareza das oportunidades que a feira tem para os empreendedores. “A feira é um símbolo da nossa cidade e o seu tombamento é mais que justo. A revitalização do centro é um movimento mundial e é preciso usar melhor esse lugar e oportunizar esses feirantes”.

O diretor da Salvador Tec e Criativa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Vinicius Mariano, concorda: “A prefeitura tem diversos programas para revitalizar o centro como um todo, desde o Pelourinho até o Comércio, passando pela Feira de São Joaquim. O centro tem uma potência criativa muito forte e a feira, com todo seu artesanato, música, religião e cultura, se tornou um polo importante para viabilizar esse crescimento”.

Feirantes são certificados

Após passarem por capacitação profissional, feirantes e jovens familiares de feirantes que trabalham na Feira de São Joaquim receberam durante o evento o certificado de conclusão do curso. Ao todo, 14 empreendedores receberam qualificação em educação empreendedora e sustentabilidade. Um dos empreendedores que concluíram o curso foi Edgar Marcelo de Andrade, filho de Dadá da Feira, do Cantinho da Dadá.

“Foi um curso muito interessante para se informar sobre o que está acontecendo e entender as mudanças necessárias para a feira. Não dá só para reclamar, se a nossa voz não chega. Se nós queremos uma feira pujante, que não perde cliente para o mercado e o bairro tem que se qualificar”.

Quem também estava entre as feirantes qualificadas pelo projeto foi a comerciante Dione Andrade Boa Morte, que já trabalha há 45 anos na Feira de São Joaquim. “Fui nascida e criada em São Joaquim. A gente sabe que conhecimento é tudo e o projeto traz esse conhecimento para que o nosso negócio possa crescer, mostra o que tem que ser feito, faz esse chamado”, opina.