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Familiares de vítimas de ações policiais lutam por justiça enquanto enfrentam a dor do luto


 

Casos ocorridos em 2022 continuam sem conclusão do processo investigativo e policiais estão soltos, segundo testemunhas

  • Larissa Almeida

Publicado em 16/11/2023 às 13:30:31
Catimile dos Santos Bomfim (à direita) foi vítima de disparo de policiais durante confronto com suspeitos em Brotas, em setembro de 2022. Crédito: Acervo pessoal

No escuro. É esse o lugar que Silvana dos Santos, 49 anos, sente que está quando se trata de esclarecimentos a respeito da morte do seu filho Alexandre dos Santos, 20 anos, que estava em um bar na comunidade da Gamboa, no dia 1º de março de 2022, quando foi rendido por policiais militares, levado em uma viatura para uma casa na mesma comunidade com o estudante Patrick Sousa Sapucaia, 16, e o vendedor ambulante Cauê Guimarães, onde foram assassinados. A mãe tentou impedir que o filho fosse levado, mas foi em vão. Ela, que teve uma arma apontada para a cabeça, carrega consigo o sentimento de injustiça, aflorado pela falta de informações das autoridades.

“Eu pergunto como está o andamento das coisas. Falaram que no mês de outubro iam indiciar os [quatro] policiais, mas até hoje eu não sei de nada. [...] Mas eu tenho esperança de justiça, é o que eu mais tenho. É uma questão de honra”, afirma.

Mãe de outros sete filhos, Silvana conta que tenta seguir a vida normalmente, mas aponta mudanças desde a morte do filho. Uma delas é a aversão aos domingos e feriados, quando, segundo ela, ocorre mais episódios de letalidade policial. Nos outros dias, ela se esforça para estar bem para os filhos e netos.

“Abro um sorriso aqui, danço ali, brinco aqui, mas sentindo que está me faltando algo, que é esse pedaço que me levaram há um ano e oito meses. Dia 12 de novembro foi aniversário dele. Meu filho completaria 22 anos e esse mês não é muito bom para mim, pelo simples fato de ele completar idade e não estar aqui para me abraçar, me dar um beijo, me dar um presente e [me ouvir] dizer, como sempre dizia, que o amava e que estaria com ele sempre. Mas terminou comigo não estando, nem ele comigo”, lamenta.

Com sonho de ser modelo e sair da Gamboa com a família, Alexandre trabalhava como entregador e ajudava nas contas de casa. Classificado pela mãe como filho ciumento, ele era apegado à família, mas tinha a mãe e a irmã Vitória dos Santos, de 20 anos, como seus maiores xodós.

“Vitória era muito amiga dele. Ele era louco por essa irmã e ela era louca por ele, tanto é que vira e mexe ela posta fotos dele, fala ‘se você estivesse aqui, meu irmão, nem eu nem minha mãe estávamos passando por certos tipos de coisa’. Ele se preocupava muito comigo, [...] ajudava na alimentação, roupa para os meninos, remédio se alguém ficasse doente e dava dinheiro para me levar para médico”, lembra.

Alexandre dos Santos e sua irmã Vitória dos Santos. Crédito: Acervo pessoal

Silvana, que vez ou outra se vê abalada pelo luto, diz sentir saudades, sobretudo, de ouvir o filho. “Ele dizia bastante que me amava. Às vezes eu estou bem debilitada e sinto bastante falta dessa frase: ‘eu te amo, minha mãe. Eu vou te ajudar, a senhora vai ver. Essa situação que a senhora está vivendo vai passar’. Era isso que ele me falava e eu ainda escuto isso no meu subconsciente”.

A Polícia Civil da Bahia (PC-BA) foi procurada para informar qual é a situação da investigação do caso que vitimou Alexandre e outros dois jovens na Gamboa, em março de 2022. A reportagem também pediu informações sobre a situação dos policiais militares envolvidos no assassinato. Em nota, a PC-BA informou que o caso teve apuração por parte da Polícia Militar e sugeriu contato com a referida instituição para obter informações a respeito de que medidas administrativas foram tomadas em relação aos servidores. 

Procurada para responder sobre a situação dos policiais militares envolvidos no assassinato, a Polícia Militar disse que solicitou informações junto à Corregedoria da PM e aguarda retorno para responder ao CORREIO.

Caso Catimile

No dia 30 de setembro de 2022, Catimile dos Santos Bomfim, de 37 anos, e seu filho de cinco anos foram atingidos durante uma ação policial na localidade do Brongo, no bairro de Brotas, em Salvador, enquanto estavam a caminho da igreja. A criança sobreviveu mesmo perdendo a visão de um dos olhos, mas Catimile não resistiu. Desde então, a prestadora de serviços gerais Vitória Marina dos Santos Bomfim, 24 anos, se tornou responsável pelos irmãos e pela casa, mas sem deixar de encontrar tempo para buscar respostas pela injustiça sofrida.

“Eles não dão resposta de nada. O caso tem um ano e um mês e nem laudo eles nos entregaram. Estamos sem saber de nada. [...] Os policiais continuam na rua trabalhando normalmente. Isso é o que mais me machuca, pois não existiu justiça. E mesmo que a justiça dos homens possa ser falha, a de Deus eles não vão escapar”, fala.

Sendo a única mantenedora da casa, Vitória relata que tem encontrado dificuldades no dia a dia, uma vez que a mãe era a maior responsável pelas despesas. Ainda assim, ela diz estar se esforçando para dar oportunidade de os irmãos terem ajuda médica e psicológica. “Luis Messias hoje está bem, passando por psicóloga e especialista em visão para ver como vai fazer como vai tirar o projétil, que ainda se encontra atrás dos olhos dele. E tem Mel também, que presenciou a morte da mãe com 5 anos. Ela estava com os dois a caminho da igreja”, conta.

Catimile e Vitória Marina . Crédito: Acervo pessoal

Enquanto cuida dos irmãos, Vitória diz não ter tempo para si mesma e sentir saudades da mãe em tudo. “Cada dia é mais difícil, pois a saudade vem, a dor permanece, assim como a angústia ao olhar para meus irmãos e ver eles sofrendo com a perda da nossa mãe. Ficar sem minha mãe tem sido muito ruim, pois ela era o pilar da nossa casa e, hoje, olhar pra nossa casa e ver o vazio sem aquele sorriso [...] é difícil até de falar, pois sinto falta de minha mãe em tudo”, desabafa.

A Polícia Civil da Bahia (PC-BA) foi procurada para informar qual é a situação da investigação do caso que vitimou Catimile, em setembro de 2022. A reportagem também pediu informações sobre a situação dos policiais militares envolvidos no caso. Em nota, a PC-BA informou que entrou em contato com a unidade responsável pela apuração e aguarda resposta.

A Polícia Militar também foi procurada para responder sobre a situação dos policiais militares envolvidos na morte de Catimile. Em nota, a pasta disse que solicitou informações junto à Corregedoria da PM e aguarda retorno para responder ao CORREIO.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro