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'Não é só sobre racismo': veja a repercussão da redação do Enem entre os estudantes baianos


 

Tema da redação do Enem foi sobre valorização da cultura africana

  • Maysa Polcri

Publicado em 03/11/2024 às 18:20:16
Bahia teve mais de 376 mil inscritos no Enem neste ano. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Quando se deparou com o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no início da tarde deste domingo (3), Thamires Ferreira, 23, respirou aliviada. Tinha referências em mente e soube, de cara, o que iria escrever. A sensação não foi a mesma para todos os candidatos, segundo a percepção da jovem, que fez a prova na Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba). "Eu vi muitos, especialmente brancos, encarando o papel paralisados. Parecia que as cabeças estavam fritando", comentou após sair da sala.

tema da redação da edição deste ano foi "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. O primeiro dia de prova incluiu, além da dissertação argumentativa, perguntas das áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Apesar de reclamar do cansaço depois do exame, Thamires Ferreira elogiou o tema da redação. A jovem trabalha em uma loja de conveniência, mas quer ingressar no curso de Psicologia.

"É um tema muito importante porque as pessoas estão acostumadas a falar apenas sobre o lado de negativo das heranças africanas e sobre a escravidão. Mas não é só sobre racismo. Temos que lembrar do outro lado da moeda, a música, a cultura, a arte, entre outros. Assim, as pessoas vão se aproximar dessa cultura", disse. A candidata não economizou nas referências e citou os filmes Pantera Negra e Black Is King, produzido e dirigido pela cantora Beyoncé. 

Para a professora de História Joselice Souza, mestra em Educação, é possível que muitos estudantes tenham tido dificuldades em escrever sobre o tema. Ela lembra que a Lei 10.639/03 incluiu o tema História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial das escolas. "Acho que vai haver uma dificuldade [em escrever] por parte de grande parcela dos candidatos. Embora exista a lei, é sabido que muitas escolas negligenciam, rechaçam e não transformam o seu currículo de uma maneira séria e comprometida", avalia. 

Entre os candidatos que aprovaram a escolha do tema, estão aqueles que já haviam discutido a temática em sala de aula. É o caso de Vinicíus Falcão, de 18 anos. Ele estuda em um colégio particular de Salvador e vai concluir o Ensino Médio neste ano. "Eu achei que o tema teve a cara do Enem, que costuma cobrar questões sociais. Achei fácil porque falamos muito sobre isso nas aulas", falou o jovem, que espera ingressar na graduação em Geologia. 

Clara Menezes, 15, estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, fez a prova pela primeira vez neste domingo (3). Como "treineira", ela admitiu que achou a prova cansativa e que chutou as respostas de alguma questão no final. "O tema, em si, não foi difícil. O problema é o cansaço. Não aguentava mais ler tantas questões e acabei terminando a redação com pressa", lamentou. "Queria ter feito a redação mais bem estruturada, mas foi bom para conhecer a prova", emendou. 

Como referência, a aluna utilizou o livro Utopia, do escritor britânico Thomas More. "O autor fala sobre como seria uma sociedade perfeita e eu argumentei que nossa sociedade não é assim porque não valorizamos e desrespeitamos outras culturas", explicou. Joselice Souza, professora de História, acredita que a escolha do tema propicia uma reflexão social importante. 

"Faz a gente olhar para o próprio cotidiano, mostrar como a sociedade, de modo geral, é hostil às heranças africanas. Como seleciona aquilo que de África lhes interessa trazer como herança e aquilo que é descartado ou excluído. É que pode ser discutido para além do currículo escolar, mas falando da própria sociedade", pontua. 

No próximo domingo (10), candidatos de todo o país voltarão aos locais de prova para realizar a segunda etapa do exame. Serão 90 questões das áreas de Matemática e de Ciências da Natureza, sendo 45 de cada. O Enem é a principal porta de entrada para universidades públicas brasileiras. Só na Bahia, quatro universidades federais, quatro estaduais, além de dois institutos federais aprovam candidatos a partir do desempenho na prova.