'Ela me acompanha': as histórias de quem convive com a dor crônica
Entenda por que a dor crônica deve ser tratada como diabetes ou pressão alta; alvo de polêmica na última semana, opioides são menos usados do que deveriam no Brasil
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Thais Borges
thais.borges@redebahia.com.br
Ela nunca vai embora. É daquelas presenças indesejáveis, mas que está sempre ali - ainda que mais ou menos intensa. "A dor me acompanha o tempo todo" é uma das declarações comuns de quem convive com ela. Mesmo com remédios e terapias de última geração, de alguma forma, a dor resiste.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que cerca de 30% da população sofra de dor crônica. No Brasil, estatísticas da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor apontam números próximos - entre 30% e 40%. O tema ficou em evidência essa semana após uma discussão sobre um dos principais tratamentos da dor crônica - os opioides - estarem no centro de uma polêmica que viralizou nas redes sociais.
Depois de uma postagem do youtuber Felipe Neto falando sobre o crescimento do uso desses remédios no Brasil, médicos, cientistas e outros profissionais de saúde defenderam que o país vive uma situação diferente dos Estados Unidos, país que enfrenta uma epidemia de dependência de opioides.
Mas, afinal, há mais gente sofrendo de dor crônica hoje do que no passado? Para o médico neurologista Felipe Costa, mestre em Biotecnologia em Saúde e Medicina e professor do curso de Medicina da Unifacs, o cenário é ambíguo: é possível tanto que haja aumento de casos quanto que o crescimento de diagnósticos seja devido ao fato de se falar mais sobre o tema.
"Não é tão difícil encontrar pacientes que têm dores crônicas há décadas e depois de tanto tempo decidiram tratar agora. Quando você pergunta o motivo, é porque ele achava que não tinha jeito ou que aquilo era normal para ele. Outra questão é que pode de fato ter aumento, quando você pensa que o que pode fazer com que a dor crônica aumente são as condições associadas a essa dor, como a diabetes e neoplasias de câncer”, avalia.
O preconceito também é algo que costuma ser um problema para pacientes - e que influencia diretamente essa percepção de que há mais gente sofrendo de dor hoje. “Num passado nem tão longe, um homem não poderia falar de dor. A mulher falava que estava sentindo dor e era negligenciada. Era muito comum a pessoa chegar no consultório médico e ouvir que não tinha mais o que fazer. Hoje, nós olhamos mais em busca de mais qualidade de vida”, diz o médico intervencionista da dor Bruce Salles Fernandes, que é coordenador do serviço de dor do Hospital Mater Dei Salvador.
Tipos
Há diferentes tipos de dor, mas a principal diferença é entre a chamada dor aguda e a dor crônica. A aguda é aquela que, de certa forma, protege quem sente. Isso porque é uma sensação que, ao incomodar, informa que há algo de errado ali. Em geral, essa dor costuma durar menos de 15 dias. No entanto, quando a dor permanece por mais de três meses, ela passa a ser vista como crônica.
“Essa dor perde o caráter informativo, protetivo. Ela está ali só causando sofrimento. Então, a dor crônica tem que ser tratada como doença, como uma pressão alta, uma diabetes. A dor crônica é uma doença”, explica Salles Fernandes.
As causas da dor crônica são variadas. Há desde fatores como o sedentarismo até transtornos emocionais. Uma dor crônica pode não ser diretamente causada por doenças como depressão e ansiedade, mas ela pode ser amplificada por essas condições. “O médico tem que olhar o paciente com dor crônica como uma dor total que tem aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais”, acrescenta.
Nos atendimentos, é comum que os profissionais de saúde peçam que os pacientes definam uma nota para a dor, em uma escala de 0 a 10. É a chamada escala visual numérica, que foi concebida para tornar a abordagem mais objetiva para os pacientes.
Definir a pior dor que existe, por vezes, pode ser algo muito difícil. Em geral, quem sente qualquer dor vai achar que sua dor é a pior do mundo - e, segundo os médicos, isso não deve ser invalidado.
Contudo, alguns pesquisadores acreditam que a pior dor que existe é pela chamada neuralgia do trigêmeo, uma condição provocada pelo nervo trigêmeo, que é aquele responsável pela sensibilidade do rosto. “É uma dor na face na qual o simples toque de vento gera crises de dores intensas, excruciantes”, diz o médico intervencionista.
Alguns dos quadros de fato terão que ser acompanhados por toda a vida. Uma das doenças mais complexas hoje, a fibromialgia, se torna mais desafiadora porque ainda precisa de mais compreensão e estudos. Por outro lado, há aquelas em que a possibilidade de ser reversível depende, inclusive, do tratamento de outras doenças.
Esse é o caso da neuropatia diabética, em que o tratamento da diabetes pode não apenas controlar a doença original como melhorar realmente a dor. “Entender a causa da dor é fundamental. Para as pessoas, é muito importante entender o que elas têm. Para o paciente isso traz alívio, em parte”, diz o médico Felipe Costa.
Na opinião do ortopedista Gustavo Göhringer de Almeida Barbosa, médico da Novamed Porto Alegre e mestre em Saúde da Criança e do Adolescente, os maiores desafios sobre dor crônica têm a ver com a conscientização de que há formas de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. "Uma outra questão importante é o diagnóstico preciso. As síndromes dolorosas geralmente são multifatoriais, o que torna o diagnóstico potencialmente desafiador. Isso acaba impactando diretamente nas opções de tratamento e consequentemente na sua eficácia".
Mais frequente
A dor crônica mais frequente na maioria dos países é a lombalgia - ou seja, a dor nas costas. Segundo o médico Bruce Salles Fernandes, estudos clínicos têm apontado que essa é a principal causa de anos vividos com baixa qualidade de vida no mundo, além de ser uma das principais causas de incapacidade laboral.
“Se você tem pacientes com lombalgia, acaba gerando uma coisa muito comum nas empresas que é o absenteísmo, ou seja, o paciente faltando trabalho por causa de dor nas costas. Pior que isso, gera o presenteísmo, que é aquele paciente com dor nas costas que vai ao trabalho ainda assim, mas não produz da mesma maneira que produziria se estivesse em condições normais”, explica.
Há, ainda, as dores oncológicas, que estão relacionadas tanto ao câncer em si quanto ao tratamento. A abordagem terapêutica desses quadros tende a ser difícil, intensa e até refratária de outros tratamentos - quando não há melhora.
“Algo que às vezes nos deixa muito preocupados é que mesmo entre aqueles pacientes que sobrevivem ao câncer, 30% deles evoluem com dor crônica e muitos não têm o atendimento adequado. Não procuram um médico (para dor) e acreditam que o processo faz parte da doença”, explica a médica anestesiologista Anita Rocha, com atuação em Medicina da Dor.
De acordo com ela, há uma prevalência de dor de origem osteomuscular, que inclui desde pacientes com artrose aos que têm dor na coluna cervical, torácica ou lombar por doenças degenerativas e hérnia de disco. Muitas vezes, essa condição é decorrente de posturas inadequadas durante o dia. Na pandemia da covid-19, por exemplo, isso se tornou algo frequente por conta do aumento de pessoas que passaram a trabalhar de casa - a maioria sem as condições adequadas para isso.
“O impacto da dor está mais associado à sua identidade do que à sua etiologia. Cada paciente vivencia a dor de uma forma diferente e um dos grandes desafios para nós, profissionais da área de saúde, e até para o próprio paciente, é graduar essa dor e identificar o impacto na qualidade de vida”.
Possibilidades
O tratamento também é individualizado. Há desde os não invasivos, que incluem fisioterapia, atividade física, acupuntura e psicoterapia, até os mais invasivos. Em geral, os médicos precisam subir uma “escada” na escolha da abordagem terapêutica. “As práticas integrativas estão muito em alta hoje em dia. Hoje acho que o principal exemplo é a acupuntura, que é associada a grande melhora na qualidade de vida de pacientes”, conta a anestesiologista Anita Rocha.
O primeiro degrau são os medicamentos. Quando a dor é nociceptiva - que vem de danos nos tecidos, como a dor muscular - é possível usar anti-inflamatórios ou opioides fracos, como codeína e tramas (tramadol). Se a dor é neuropática (lesão nos nervos), é comum usar anticonvulsionantes e antidepressivos.
A polêmica sobre os opioides, porém, para todos os médicos ouvidos, não se justifica. Nos Estados Unidos, de fato, há uma epidemia de opioides que começou a partir de uma proliferação ainda nos anos 1960, em que esses medicamentos eram apontados como milagrosos. Já no Brasil, de acordo com o médico Bruce Salles Fernandes, porém, o que houve por muito tempo foi uma ‘opiofobia’.
“Tínhamos medo de usar opioides e, durante anos, isso fez com que o tratamento da dor no Brasil não fosse adequado. A maioria dos estudos para dor crônica tem todo esse cuidado com o manejo dos opioides. Lógico que tem risco de dependência, mas estamos muito atentos a isso. Estamos melhorando daquela fase de opiofobia. Nossos pacientes não estão mais subtratados como antes, mas estamos atentos para não chegar a uma crise de ópio”, acrescenta.
O neurologista Felipe Costa, da Unifacs, também reforça que nenhum remédio deve ser demonizado. De acordo com ele, a dependência é a exceção, nunca a maioria dos casos. “Tem que ter muito cuidado, porque é uma classe de remédio excelente. Como qualquer medicação, se bem indicada, é ótima. Não estou dizendo que não tem que ter atenção, mas nos Estados Unidos, a epidemia é realmente muito distante do que tem aqui”.
Em seguida, há os bloqueios - venosos ou locais. A depender do quadro e da trajetória do paciente com outros tratamentos, porém, o bloqueio pode ser uma estratégia mais precoce, na avaliação da médica Anita Rocha. “Na grande maioria das vezes, quando você trabalha com intervenção e realização de bloqueios, a gente recebe o paciente que já passou por vários tratamentos, fez práticas não farmacológicas, fez medicações que não foram efetivas. Nesse contexto, a gente indica o bloqueio mais precocemente”.
A individualização do tratamento deve ser sempre considerada, mesmo quando há abordagens terapêuticas em alta - como é a situação dos canabinoides, como o CDB e o THC. Para a anestesiologista, a cannabis medicinal pode ser usada no controle da dor, mas tem indicações específicas. “Precisa identificar os pacientes que têm perfil e melhor resposta. Na literatura, tem sido identificado para pacientes portadores de dor neurológica, neuropática refratária e com síndrome fibromiálgica”.
Se não houver mudança no quadro, alguns pacientes têm possibilidade de cirurgia. No entanto, segundo o médico intervencionista Bruce Salles Fernandes, os procedimentos cirúrgicos têm diminuído nos últimos anos, devido aos bloqueios menos invasivos. “Na neuralgia do trigêmeo, antes era sinônimo de cirurgia, de abrir a cabeça. As sequelas eram muito grandes. O que fazemos hoje a gente chama de radiofrequência térmica ou compressão por balão”, diz.
Para a anestesiologista Anita Rocha, é fundamental trabalhar com uma equipe multiprofissional de saúde. Esse time deve incluir enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e outros profissionais que possam acolher o paciente com dor. “A medicina é um contínuo e tem muitas estratégias chegando a cada dia. Conhecimento é algo que se amplifica. A esperança de recuperação do paciente jamais deve ser retirada”.
De acordo com o ortopedista Gustavo Göhringer, médico da Novamed Porto Alegre, o tratamento deve ser multimodal e multidisciplinar. "A abordagem multidisciplinar é imprescindível, haja vista que a dor envolve todos os âmbitos da vida do paciente. Portanto, o apoio psicológico associado a uma boa orientação nutricional e fisioterápica são de suma importância", completa.
"No pico, você não tem forças nem para chorar"
As dores da assistente social Mariana Queiroz, 38 anos, começaram em 2019. Um ortopedista disse que era na coluna. O médico especialista em coluna fez ressonância e não encontrou nada. Com a ginecologista, investigou endometriose - também não era. Consultou um gastroenterologista para saber a possibilidade de gastrite, que também deu negativa. Enquanto todos os exames davam negativo, Mariana chegava a acordar chorando de dor.
“Comecei a achar que era da minha cabeça. Teve até um descrédito das pessoas”, lembra ela, que passou por uma crise de labirintite em agosto de 2019. Ficou internada, fez exames neurológicos e, novamente, nada. Em novembro daquele ano, após uma viagem para a Chapada Diamantina, foi parar na emergência novamente com as dores. Consideraram dengue, depois chikungunya. Não era nada disso. O diagnóstico de fibromialgia só veio em março de 2020, por uma reumatologista - que, antes disso, investigou se era algo autoimune.
Mariana foi encaminhada a um psiquiatra e também para acompanhamento em uma clínica da dor, onde faz bloqueio venoso a cada 15 dias. Além disso, por mês, são cerca de R$ 350 apenas nos medicamentos. Os de uso contínuo são um ansiolítico e o regulador de humor, mas a prescrição para alguns momentos inclui um relaxante muscular e um derivado de morfina. Por um tempo, experimentou canabidiol, mas o valor elevado - cerca de R$ 750 mensais - tornou a opção inviável.
Na rotina, precisa incluir atividades físicas leves como pilates, ioga e dança. “Meu ritmo de vida não é mais o mesmo e não consigo ter a mesma disposição. Mesmo com o tratamento, não significa que a crise não vai vir. Estou numa crise desde setembro. Já tive que tomar morfina, já fiquei afastada seis meses do trabalho”, conta.
Funcionária pública, ela teve que mudar de função. Saiu do trabalho de campo para atividades internas. Com a alta sensibilidade pela fibromialgia, temperaturas frias ou quentes também provocam dor. “A concentração diminui, a memória falha. Eu esqueço coisas bestas. Hoje, meus amigos conseguem compreender melhor, mas as pessoas acham que por você estar com dor, tem que andar como uma maluca. Como você está com dor e está com unha feita, cabelo arrumado? Mas a doença já tira muita coisa de você”, desabafa Mariana. Ela fazia segunda graduação em Farmácia na Universidade Federal da Bahia, mas teve que abandonar o curso.
Não é incomum encontrar quem não acredite na dor. Hoje, porém, ela diz buscar a melhor forma de levar a rotina. Os médicos nunca conseguiram identificar o que causou a doença e Mariana ainda acredita que boa parte dos profissionais não está preparada para atender pacientes com fibromialgia, mesmo na rede privada.
“Estou vindo de um atestado de três dias porque terça saí chorando do trabalho. A dor não passa. Não é como uma dor de batida. A indisposição, a fadiga é constante. A dor me acompanha o tempo todo. Tem horas melhores, mais aceitáveis e horas que não. Fora os efeitos secundários, como o calor que piora, o frio que piora, a insônia”, relata.
A fibromialgia leva à hipersensibilidade auditiva e visual. Até alguns tecidos de roupas incomodam. No dia em que conversou com a reportagem, ela classificou a dor que sentia em 7. Numa crise, chega a 10. “É um descontrole do sistema nervoso que ativa a dor sem nenhum motivo, sem estímulo. No pico, você não tem forças às vezes nem para chorar”.
Para Mariana, as pessoas podiam ser mais compreensivas e empáticas com quem tem dor crônica. “Escuto que é falta de Deus, que é falta de vontade, que o desânimo é porque você quer. E não é. É uma condição do seu corpo e ninguém gostaria de estar nessa condição”, enfatiza.
'De uma hora para outra, você sente choques no rosto'
A designer e professora Phaedra Brasil, 52, estava em um voo quando sentiu pela primeira vez. Suspeitou que fosse algo em algum dente e chegou a consultar um dentista que a encaminhou para um especialista em canal. Lá, ouviu que deveria procurar um médico neurologista. Depois de uma ressonância magnética, descobriu que tinha neuralgia do trigêmeo - aquela que é considerada a pior dor do mundo, de acordo com alguns estudos.
"A dor é algo insano. Imagine que, de uma hora para outra, você sente choques no seu rosto. São curtos, mas o suficiente para deixar qualquer um desestabilizado", descreve. Até quando não está em crise, há a presença de uma dor como se algo queimasse.
A causa da doença nunca foi fechada. "Os portadores ficam em busca de outros portadores para ter mais informações. É assim que a gente vai amenizando nosso desespero no início", explica Phaedra, que usa carbamazepina desde então. "Os efeitos colaterais são muito desagradáveis como, visão dupla, tontura, enjoo, esquecimento. Para mim, foi muito difícil porque dava aulas e palestras. Muitas vezes, parei chorando porque não lembrava o conteúdo. É uma situação muito vexatória, até porque somos muito julgados", desabafa.
Ela tentou acupuntura, massagens e pedras quentes enquanto continuava com o remédio. Além da carbamazepina, toma lamotrigina e, há pouco mais de um ano, usa canabidiol. De acordo com a designer, a substância tem ajudado, assim como exercícios leves e alimentação balanceada. Descobriu que alguns alimentos, como canela e gengibre, além da mistura de comidas quentes e geladas, eram gatilhos.
Nesse período, Phaedra relata viver com apreensão constante de uma crise, até quando está sem dor. Ventos fortes, ambientes muito frios por ar-condicionado ou mesmo mastigar algo muito duro também podem desencadear um pico de dor. "Quando sinto que a crise está se aproximando, deixo tudo que estou fazendo e vou para casa deitar. Aumento a dose dos remédios e coloco uma toalha quente sobre a bochecha".
Ela acredita que deixou de processar informações com a mesma facilidade e rapidez de antes. O barulho incomoda e deixou de beber álcool pelos remédios. Phaedra chegou a ser orientada a deixar o trabalho, mas refutou a ideia. Tinha medo de entrar em depressão, como muitas pessoas entram. "Hoje estou bem, mas quando o diagnóstico vem é muito difícil. A gente se sente perdida e com a sentença de ter que conviver para sempre com essa doença".
Existe a possibilidade de cirurgia para a neuralgia do trigêmeo, mas Phaedra explica que não tem coragem de fazer o procedimento. "Como é uma doença pouco conhecida e não aparente, invisível aos olhos de quem vê, a gente sofre um pouco de discriminação. Já ouvi muitas piadinhas do tipo: 'agora tudo é essa dor', 'isso é dor de cabeça, que frescura'.
'Cada vez que eu passo por um neurologista, eu estou pior do que eu esperava'
A enxaqueca da médica Tayná Barreto, 27, começou a dar sinais quando ainda tinha 13 anos. Naquela época, porém, não era tão frequente nem incomodava tanto. Ao longo dos anos, porém, a dor foi se tornando mais frequente. Enquanto estava na faculdade, sentiu a piora. Até que, no ano passado, tudo foi tomando uma proporção a ponto de ter dor todos os dias.
“Tenho dor leve, que é nível 2, 3, até 7, 8, 9…. Quando é uma dor leve, consigo levar uma vida normal. Quando é uma tipo 7 ou 8, fico esperando resolver, porque não consigo fazer muita coisa. É como se tivesse uma coisa pulsando na minha cabeça. A luz incomoda, o barulho incomoda”, conta.
Ela tenta evitar gatilhos que piorem a dor. Além disso, toma medicamentos que incluem um anti-inflamatório, um psicotrópico, um antidepressivo e um inibidor imunobiológico. Além disso, faz uso de toxina botulínica para enxaqueca (não é o botox estético) e usa a injeção de cetamina, um anestésico que tem sido usado para depressão. Esses são os tratamentos preventivos, mas tem também os abortivos - medicamentos específicos para os momentos de crise, que podem ser um antiinflamatório ou um antipsicótico.
“Cada vez que eu passo por um neurologista, eu estou sempre pior do que eu esperava. Então acho que estou longe de começar a reduzir”, diz ela, que inclui cuidados como atividade física, comer de forma balanceada e dormir bem.
No entanto, ela teve que mudar coisas da rotina. Atualmente, Tayná não faz mais plantões noturnos porque atrapalhava o sono. Com isso, ela tem que trabalhar todos os fins de semana. Até julho deste ano, a convivência com a dor era melhor. Como algo que já fazia parte da vida há muitos anos, era comum sentir aquilo. Nos últimos meses, porém, a enxaqueca passou a ser diária.
“Independente do quanto eu esteja com dor, mesmo que seja uma dor intensa, se eu tiver que trabalhar ou fazer algo, não vou render a mesma coisa. Eu não falto, mas fico naquela coisa de presenteísmo, que é quando você não está rendendo totalmente. Isso atrapalha mais as minhas relações comigo mesma, com as coisas que eu queria fazer e deixo de fazer por estar com dor de cabeça”.
'O melhor tratamento que tenho feito é a atividade física consciente'
Desde criança, o engenheiro civil Lucas Gomes, 25, sentia algumas dores e desconforto. Na adolescência, elas foram se agravando. Entre os 11 e os 12 anos, ele já fazia fisioterapia nos dois joelhos e nos dois tornozelos. "No meu caso, as dores não eram fortes na maior parte do tempo. Porém eram muito constantes, frequentes e sem 'motivos' claros", explica.
Aos 17 anos, ele foi diagnosticado com espondilite anquilosante, uma doença reumática autoimune que inflama os tecidos conjuntivos. O diagnóstico foi relativamente rápido porque sua mãe convive com a mesma enfermidade.
Desde então, ele é acompanhado por um médico reumatologista e faz terapia imunobiológica. "Mas o melhor tratamento que tenho feito é a atividade física consciente e acompanhada, que sempre foi recomendada pela minha médica. Porém, somente com 24 anos eu consegui tomar gosto e iniciar", explica.
As dores são constantes, mas nem sempre fortes. O problema é que, mesmo com o tratamento, ele tem momentos de crise. Lucas acredita, porém, que elas eram piores quando era sedentário. "As dores causam uma indisposição geral. Já deixei várias vezes de ir para algum lugar por causa disso".
Na adolescência, ele evitava situações que demandavam esforço físico. Na época, ele sabia que o resultado seria de agravamento das dores, que a coluna travaria, que sentiria o joelho e aí por diante.
"Eu entendo que é difícil de entender, por que às vezes é difícil de explicar também. As dores não tem um padrão - nem de intensidade, nem de momento. Às vezes, elas vêm simplesmente do nada, sem um motivo claro", completa.
'Mesmo tomando medicação todo dia, não fico sem dor'
Há 21 anos, pouco se falava em fibromialgia. Por isso, a médica veterinária e motorista por aplicativo Josevania Santiago, 52, classifica o processo para conseguir um diagnóstico de ‘via-crúcis’. Na época, passou por ortopedistas, reumatologistas e anestesiologistas para entender o que estava por trás de sintomas que iam da própria dor à dormência, formigamento de pés e mãos, além de quadros de depressão e ansiedade.
“Demorou (o diagnóstico), mas não sei dizer quanto tempo. Talvez dois anos porque, como trabalhava de turno, muitas vezes atribuía ao cansaço. Era como se fosse para a academia e pegasse aqueles pesos. No outro dia, você está quebrada”, diz.
A exaustão virou companhia permanente e vieram também problemas de memória e falta de concentração. “Não tem cura, só tratamento. Os gastos são muito altos com médicos, remédios. Já fui à Justiça uma vez (pelo tratamento). Uma vez ganhei. Na última vez, perdi e, assim, fica difícil”, explica.
Atualmente, ela avalia que não tem mais condições de trabalhar na área de medicina veterinária. “Trabalhei por 11 anos no Polo Petroquímico (de Camaçari) e, quando descobri a doença, tive problemas até ser demitida. Daí fui pro INSS e fiquei 10 anos. Tive alta, mas tenho que rodar Uber pois não consigo dar plantão em clínica”, conta Josevania.
Como motorista por aplicativo, tem dias que não consegue trabalhar por conta da dor. Já ouviu de pessoas que seus sintomas eram frescura ou ‘falta de Deus'. “Mesmo tomando medicação todo dia, não fico sem dor. Ela fica num nível suportável", completa.
'A sensação é de que você está caminhando em brasas'
A queimação nos pés e das mãos começou em novembro de 2021. "A sensação é de que você está caminhando em brasas. E não passa", conta a psicóloga Anne Karoline Leite, 35. Era algo que ela nunca tinha sentido. Por um tempo, ela tentou administrar aquilo, até que os sintomas a levaram para a emergência.
Lá, recebeu medicamentos - que não aliviaram - e os médicos começaram a investigar. Um dos exames, uma eletroneuromiografia, identificou que era uma neuropatia. Foi identificado que ela tinha uma polineuropatia de fibras finas porque atingia mais de um membro - os dois pés e as duas mãos. As causas, porém, nunca foram definidas.
Hoje, Anne Karoline toma remédios diários e também faz, todas as terças, um bloqueio venoso com lidocaína com uma médica da dor. Desde o início, porém, ela ouvia do médico que precisava de atividades físicas de fortalecimento. Assim, começou a fazer pilates, natação e acupuntura. Hoje, trocou o pilates por musculação, que faz cinco vezes por semana.
"No início, eu ficava dopada com o bloqueio. Chegava em casa do hospital e só acordava no outro dia. Mas nas trocas com outros pacientes na sala de espera, eles me orientaram a tomar café da manhã reforçado. Agora, eu faço o bloqueio de manhã e consigo sair para trabalhar. Atendo das 13h30 às 20h", conta.
Apesar de a dor ser constante, a psicóloga afirma que não se priva de nada, nem de trabalhar ou sair. "Ficar sem dor nenhuma é muito difícil. São raros os momentos mais leves. Essa semana mesmo está super intensa".
Contudo, a rotina agora precisa prever todas as medidas preventivas - dos horários para idas aos médicos e às diferentes terapias aos gastos com remédios. Para onde vai, leva uma sacolinha com os remédios e o creme anestésico.
"Meus dias são super ocupados nesse sentido, mas é o que me ajuda. Porque só a medicação não adianta. Mas não me privo de nada porque a dor que eu vou sentir em casa é a mesma dor que vou sentir se estiver fora dela. Claro que tem dias que você está mais reclusa pela dor, mas eu lido no sentido de que a vida segue".