É favela ou não? Moradores de Pernambués e Tancredo Neves se dividem sobre termo usado pelo IBGE
Ambas estão entre as maiores "favelas" do Brasil, segundo o instituto
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Maysa Polcri
maysa.polcri@redebahia.com.br
Vitorino Praxedes, 24, é cria de Pernambués, como tem orgulho de dizer. O músico nasceu e cresceu na localidade, mas se mudou para o bairro Tancredo Neves há cinco anos. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), significa dizer que ele já morou em duas favelas diferentes. Ambas estão entre as 15 mais populosas do Brasil. O termo utilizado pelo IBGE para definir partes dos bairros divide moradores: enquanto alguns acolhem, outros se ofendem com a nomenclatura.
O músico que nasceu em Pernambués e mora em Tancredo Neves é do time que concorda que ambos os bairros são “favelas”. Para ele, a nomeação não é pejorativa, pelo contrário: é símbolo de afirmação. “Quem vive aqui, nunca deixou de chamar de favela. É um nome de resistência, que ouvimos desde pequenos. A favela nasce no momento de desejo por independência, de encontrar um espaço com possibilidade de moradia”, diz.
O termo “favela” voltou a ser utilizado pelo IBGE no Censo de 2022 após 50 anos. A nomenclatura havia sido trocada pela expressão “aglomerados subnormais”. Nesta sexta-feira (8), o órgão divulgou os dados sobre essas localidades brasileiras, que também são chamadas de “comunidades urbanas”. Mariana Viveiros, supervisora de disseminação do IBGE explica que a mudança foi uma decisão coletiva.
“A adoção desse termo veio depois de uma longa discussão que o IBGE teve com uma série de representantes da sociedade organizada, movimento de favelas e ativistas. A própria Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza uma terminologia análoga, que é o slum”, detalha Mariana Viveiros.
Assim como Vitorino, o fotógrafo Pedro Henrique Mota, 26, concorda com o termo. “Favela é o que nós somos, por mais que as pessoas queiram maquiar as coisas ou usar outros nomes. O termo favela, para mim, é como quilombo. Algo que muitos acham pejorativo, mas para mim, que sou um jovem negro, é símbolo de resistência”, comenta.
Definição
Mas, afinal, quais características fazem uma localidade ser considerada "favela"? Para o IBGE, as comunidades devem ter precariedade (ou inexistência) de serviços públicos, como iluminação e saneamento, além de infraestrutura distinta das definidas por órgãos públicos e estarem localizadas em áreas com restrição de ocupação. É o caso de faixas de rodovias ou áreas de risco.
O número de moradores de Salvador que vivem em favelas, segundo o IBGE, é grande. Eles correspondem a 42,7% dos habitantes da capital, ou seja, 1,033 milhão de pessoas. Em comparação com o último Censo, feito em 2010, o número de favelas mais do que dobrou na Bahia, saindo de 280 para 572.
Isso se deve ao aumento de moradores e a melhoria dos processos de pesquisa. O estado é o 8º com maior quantitativo de favelas do país, ficando atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. O perfil dos moradores baianos nas favelas é majoritariamente feminino - mulheres representam 53,4% - e preto (39,2%).
Enquanto parte dos moradores se identifica com o termo, outros discordam. Uma moradora que prefere não se identificar critica a “glamourização” do nome. “Por mais que tentem glamourizar, a favela é um espaço caótico e sem estrutura, e essa não é a realidade de Pernambués. Aqui, temos serviços, ruas e avenidas”, opina.
Assim como em qualquer bairro, moradores de Pernambués e Tancredo Neves cobram melhorias nos bairros. Segurança, saneamento básico e coleta de lixo estão entre as principais reivindicações. No entanto, eles discordam da visão de que as comunidades só produzem notícias negativas. "Pernambués é um lugar com muita gente boa e talentosa. As pessoas são o que eu mais gosto no bairro. Nós amparamos até os desconhecidos", diz Pedro Henrique.
As maiores favelas
Fato é que nem todo o bairro deve ser considerado favela. Até mesmo o IBGE sinaliza que as regiões “favelizadas” são partes desses bairros. O índice FipeZap de Venda Residencial divulgou que o preço do m² em Pernambués custava, em média, R$7.514, em agosto deste ano. Na prática, um imóvel de 50 m² custaria R$376 mil - valor acima do preço de imóveis do mesmo padrão na Graça (R$347 mil) e na Pituba (R$338 mil).
Além de Tancredo Neves e Pernambués, as maiores favelas de Salvador, segundo o IBGE, são: Valéria (21.635 moradores), Bairro da Paz (20.509) e Santa Cruz (19.833). Para Tânia Scofield, presidente da Fundação Mario Leal Ferreira, autarquia de planejamento urbano vinculada à prefeitura de Salvador, a atualização dos dados é essencial.
“Não há como trabalhar com o planejamento de uma cidade e políticas públicas sem dados primários. Estávamos trabalhando com dados de 2010, e projetando para 2025. Agora, vamos nos reunir para atualizar essas informações”, disse.
Além de Salvador, as cidades baianas com as miores concentrações de favela são: Feira de Santana (49), Camaçari (47) e Lauro de Freitas (35).