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Deus proverá: baianos são os que mais fazem gastos desnecessários no país, aponta Serasa


 

20% dos baianos confessam não cortar despesas supérfluas

  • Millena Marques

Publicado em 19/10/2023 às 07:33:31
Salvador Shopping. Crédito: Divulgação/Salvador Shopping

O famoso meme que traz a frase ‘não posso mais gastar’, seguido da imagem da endividada comendo um x-tudo ou com uma sacola cheia de compras nas mãos, pode ser personificado na dona de casa Dandara Nery, 24 anos. No lugar do hambúrguer, no entanto, ela costuma optar pelo açaí. Gastos supérfluos que lhe renderam uma dívida de R$7 mil em apenas um, dos quatro cartões de crédito que ela usava para comprar os lanches e roupas que não precisava, mas queria muito.

O descontrole põe Dandara entre os baianos que fazem da Bahia um estado acima da média brasileira quando o assunto é não abrir mão de gastos supérfluos. Segundo o estudo “Finanças Regionais: as diferenças na relação com o dinheiro entre os estados do Brasil”, do Serasa, enquanto a média de brasileiros que não evitam gastos supérfluos é de 13%, o percentual na Bahia é de 20%, ou seja, 7% a mais do que a média nacional.

Em sua defesa, Dandara afirma que se arrepende de gastar excessivamente com supérfluos. Segundo ela, não porque se tornou uma endividada, mas por se sentir mais madura. “Eu gastava com roupa porque para mim nunca é demais, sempre gosto de um look novo. Já o açaí e outros lanches, porque são sempre bem-vindos. Como nunca faltou almoço, café, jantar e móveis em casa, eu gastava com o que me dava prazer no momento”, conta Dandara.

De acordo com o diretor da Serasa, Fernando Gambaro, é justamente a falta de uma dívida que abale significativamente o orçamento mensal que deixa as pessoas menos preocupadas em gastar sem planejamento.

"No Brasil, o planejamento financeiro só acontece em momentos de descontrole ou de alguma variação de renda que exista no orçamento mensal. Infelizmente os hábitos de controle não são aplicados na rotina. A dica é sempre para que essas compras supérfluas sejam avaliadas mais de uma vez e sejam consideradas no planejamento mensal", pontua.

Um outro recorte do estudo aponta que 17% dos consumidores da Bahia afirmam já ter optado por cortar gastos supérfluos, mas deixaram o hábito de lado em algum momento. A atendente de farmácia Viviane Alves, 28, vive esse dilema desde de 2021, quando passou a ganhar pouco mais que um salário mínimo (quase R$1,5 mil), trabalhando em uma sorveteria de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

"Eu achava que tinha o dinheiro do mundo inteiro, saía gastando com várias coisas desnecessárias", conta. Apesar de fazer uma lista de gastos fixos mensalmente, Viviane diz que o dinheiro não sobra no fim do mês. Pelo contrário, é capaz de terminar no vermelho, ou seja, precisando de alguns trocados. "A minha maior dificuldade é achar que sou herdeira e que o dinheiro vai brotar de algum lugar. Na semana passada, fui acompanhar uma amiga que iria fazer compras. O que fiz? Comprei um jogo de cordas de violão. Precisava de todas? Não, só de uma", afirma, rindo.

A estudante e assistente de vendas Beatriz Oliveira, 25, também é uma das consumidoras que não fazem corte de gastos supérfluos. Ela não aguenta ver uma 'blusinha na promoção' que já quer levar o item para casa. As despesas desnecessárias da jovem são feitas praticamente nos mesmos locais, seguindo um certo padrão: itens de cosméticos, peças de roupas e sapatos, adquiridos em shoppings centers e lojas varejistas. "Não tenho um controle particular. Se eu gostar de uma coisa, a depender do valor, normalmente eu compro", relata.

O gasto só é evitado pela universitária se ela não possuir dinheiro em espécie, valor em conta (para transferências via Pix) ou limite nos cartões de crédito no momento em que algo lhe chama atenção. Caso a grana esteja no bolso – ou na conta – Beatriz não passa vontade e adquire o item desejado, sem pensar no planejamento mensal. A prática da estudante é reflexo de um comportamento natural humano, que, muitas vezes, age por impulso em determinadas situações, conforme explica o educador financeiro Raphael Carneiro.

"O ser humano tem uma uma dificuldade para diminuir despesas e ter uma certa restrição. Às vezes temos um estilo de vida e não queremos deixá-lo de lado. Mesmo sabendo da necessidade de reduzir os gastos, a dor de deixar algo de lado é grande", diz Beatriz. Apesar de assumir práticas de compras excessivas, ela entende que sente um impacto emocional ao pensar em necessidades financeiras futuras, que podem surgir inesperadamente, em casos de emergência, por exemplo.

Saúde

As despesas desnecessárias podem estar relacionadas com transtornos de controle dos impulsos ou bipolaridade. De acordo com o médico psiquiatra Antônio Freire, coordenador do Componente em Saúde Mental e Autocuidado IV da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e doutor em Medicina e Saúde Humana, os pacientes diagnosticados com adoecimento psiquiátricos podem apresentar gastos excessivos como sintomas.

"Os transtornos psiquiátricos precisam causar prejuízo importante no funcionamento do indivíduo ou sofrimento emocional significativo", explica Freire. Além de apresentar gastos excessivos como sintomas, o adoecimento psiquiátrico pode apresentar outras alterações psíquicas, tais como alteração de humor, insônia, diminuição da percepção de riscos, aumento da energia, pensamento acelerado e com conteúdo de grandiosidade, dentre outras possibilidades.

Uma doença psiquiátrica não identificada e adequadamente tratada pode trazer prejuízo para além das dívidas, como capacidade de execução e tomada de decisão mais lenta e mais queixas pontuais de memória, com potencial de neuroprogressão – termo utilizado para definir a intensificação acelerada de um doença psiquiátrica não tratada, que pode causar danos em estruturas cerebrais.

Por outro lado, o especialista afirmou que as despesas supérfluas podem estar associadas a uma tentativa de defesa e estímulo de prazer para alguns indivíduos. "A pessoa pode utilizar a compra como busca de prazer ou fuga de uma realidade incomodativa, até mesmo como solução para problemas financeiros".

Para evitar os transtornos psiquiátricos, Freire destaca a necessidade de regularidade de atividades físicas, rotina de lazer, fortalecimento da rede de apoio social e busca por valores de espiritualidade - fatores de proteção para a saúde mental.

Inadimplentes na Bahia

De acordo com o último levantamento do Mapa da Inadimplência da Serasa, publicado no mês passado, mais de 4,6 milhões de baianos estão inadimplentes e somam dívidas que chegam a R$ 17,3 bilhões, com média de R$ 3,7 mil para cada um. Esse número representa 40,67% da população adulta do estado – percentual abaixo do índice nacional, de 43,88%.

As dívidas são concentradas, em maior parte, em três setores: bancos e cartões (32,23%), utilities (21,41%) – contas de gás, água e luz – e varejo (17,32%). O recorte de faixa etária apresenta que os maiores inadimplentes têm entre 41 e 60 anos (35,5%). Em segundo lugar estão os adultos de 26 e 40 anos (33,3%), seguidos por pessoas acima de 60 anos (18,8%).

Raphael Carneiro dá duas dicas para os endividados: elaboração de um levantamento de todas as dívidas e ter consciência de todo o gasto mensal. "Um mês sem contar as dívidas, entre despesas e receita, tem que ficar positivo. Se o mês ficar negativo, não adianta fazer qualquer movimento", diz. Segundo o educador financeiro, para que negociações de dívidas sejam feitas, o mês tem que estar positivo.

Pedir empréstimo pode ser solução?

Uma solução comum para reorganização financeira é o pedido de empréstimos, com o objetivo de concentrar diversas dívidas em uma só. No entanto, tal alternativa não pode ser aplicada de qualquer forma. Segundo Raphael Carneiro, receitas, despesas e dívidas devem estar em um planejamento, para que o empréstimo seja uma boa opção de solucionar o endividamento.

Os melhores locais para solicitar um empréstimo são instituições que já possuem um relacionamento com o cliente. “Nessas entidades, a tendência de um cenário positivo é maior. É possível que uma taxa de juros menos impactante seja ofertada por essas instituições”, explica. Caso não seja possível, a segunda alternativa seria buscar cooperativas, das quais o cliente tenha conhecimento sobre as regulamentações e as parcelas caibam no orçamento mensal.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro