Descaso, parto forçado e falta de profissionais: maternidade de Salvador é alvo de denúncias
Mãe e bebê morreram após parto normal ser induzido em unidade de saúde
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Maysa Polcri
maysa.polcri@redebahia.com.br
Quando levou a neta, Kevelli Barbosa, de 22 anos, à Maternidade Albert Sabin, em Salvador, Edilene Santos estava tensa. Era o nono mês de gestação, e a cesariana ocorreria na sexta-feira (29), por indicação médica. No local, a família foi avisada que o parto seria normal, e o receio se concretizou: mãe e bebê morreram dentro da maternidade. O relato da avó de Kevelli se junta a outros de supostas negligências médicas na unidade. Famílias denunciam que os profissionais induzem partos normais, mesmo quando há encaminhamento para a cirurgia.
Segundo a família de Kevelli, a médica que a acompanhava durante o pré-natal, na Maternidade Albert Sabin, havia recomendado que a gestante fosse submetida à cesariana. A gravidez era de risco devido a pressão alta da mãe e o tamanho da bebê, ainda segundo os parentes.
Quando foi atendida por outra equipe médica, na sexta (29), Kevelli foi informada que o parto normal seria induzido com medicação para dilatação vaginal a cada quatro horas. Foram sete doses em 24 horas. A recomendação médica é que sejam entre quatro e seis doses. Durante o atendimento médico, Edilene Santos, a avó, questionou o procedimento.
“Ela começou a sentir muitas dores, durante a madrugada, e a médica não ouviu mais os batimentos [cardíacos] da bebê. Chamaram a equipe para fazer a cirurgia de urgência e, 15 minutos depois, ela deu a notícia que Valentina tinha nascido com o cordão umbilical amarrado no pescoço e que não tinha resistido”, conta.
Kevelli morreu pouco tempo depois, após uma parada cardíaca. Os atestados de óbito, que vão determinar as causas das mortes, ainda não ficaram prontos. No dia 31 de outubro, um outro bebê morreu na maternidade após ser lesionado no pescoço. Segundo Liliane Ribeiro, mãe do bebê, o ferimento teria sido causado pela unha da médica. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) investiga o caso.
Violência
Gestantes têm direito de escolher o tipo de parto que desejam ter, e a decisão deve ser respeitada pelos profissionais de saúde. A ginecologista obstetra Jaqueline Neves explica que, nas maternidades públicas, as gestantes que escolhem a cesariana entram em uma lista de prioridades. “Se existir outras gestantes de risco que precisam realizar o parto imediatamente, elas vão passar na frente”, diz.
Assim como aconteceu com Kevelli Barbosa, Patrícia de Sena Teixeira, 33, conta que também teve o parto normal induzido, mesmo com a indicação médica para a cesariana, em julho de 2020. “A própria médica da maternidade [Albert Sabin] indicou que deveria ser cesariana, mas os plantonistas não quiseram fazer. Eles só deixam a gestante passar pela cirurgia quando não tem mais jeito”, denuncia.
Patrícia de Sena só foi levada à sala cirúrgica quando os batimentos cardíacos da bebê diminuíram significativamente. A pequena Laura Sofia precisou ser reanimada após o parto. “Eu senti muito medo de perder ela. Quando reanimaram, ela estava toda roxinha e, finalmente, me entregaram”, relembra a mãe, que conta que foi destratada pela equipe médica. A bebê se recuperou bem, mas o trauma ficou.
“Ver outros casos como o meu é muito triste porque sabemos que é negligência. Não foi o primeiro caso e nem o último. As maternidades estão cheias e os profissionais tratam as pacientes com descaso”, diz emocionada. Patrícia conta ainda que teve o direito a acompanhante negado na maternidade, o que caracteriza violência obstétrica. Ela não denunciou o caso às autoridades.
Sobre o caso de Kevelli Barbosa, que morreu na maternidade na última sexta-feira (31), a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) disse que investiga as circunstâncias dos óbitos. “Destaca-se que a equipe de assistência adotou todos os procedimentos indicados para o caso. Diante da causa não definida de óbito, a equipe de plantão elaborou relatório para avaliação em Sistema de Verificação de Óbito (SVO), declarou a pasta.
Procurada pela reportagem, a Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (Sogiba) disse que se posicionará somente após a apuração sobre o ocorrido. A associação não informou se recebeu denúncias sobre os atendimentos na Maternidade Albert Sabin.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) foi questionado, mas não respondeu se investigações estão em curso e nem quantas denúncias recebeu em relação ao atendimento na unidade.
O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) disse que não recebeu denúncia sobre o caso. "A autarquia federal orienta que a família formalize a denúncia, para a devida apuração dos fatos. Todas as informações de como realizar uma denúncia no Cremeb estão disponíveis no portal da instituição", pontua.
Supostas negligências
Jaqueline Neves, ginecologista obstetra, explica que o parto normal costuma ser a melhor opção para a mãe e para o bebê. A recomendação, no entanto, pode ser alterada para a cesariana em condições como alteração de batimento cardíaco, sofrimento fetal e estado de saúde da gestante.
“Qualquer coisa que coloque em risco a saúde da mãe ou do bebê precisa fazer com que a indução do parto normal seja descontinuada. A hipertensão materna, por si só, não é indicação para cesariana. É preciso que tenha alguma descompensação atrelada ao caso”, pontua a especialista. Em casos de parto induzido, as gestantes devem ser acompanhadas a cada duas horas.
Tainá Oliveira, 27, também denuncia que foi vítima de negligência na Maternidade Albert Sabin, em outubro de 2022. Ela conta que buscou atendimento médico na emergência durante o terceiro mês de gestação quando estava com sangramento vaginal. A equipe médica não realizou exames e sequer observou o sangramento. Tainá voltou para casa e perdeu o bebê durante a madrugada.
“Eles disseram que era um sangramento normal e me mandaram para casa com a receita de um analgésico. Eu insisti, pedi para ir no banheiro mostrar o sangramento, mas eles não deram atenção”, lembra. A negligência médica ocorre quando o profissional realiza ação com descuido ou comete omissões.
Durante a madrugada, Tainá acordou sentindo forte dor nas costas. Quando foi ao banheiro, notou que teve um aborto expontâneo. “Eu sinto muito até hoje a perda do meu filho. Apesar de estar no início da gestação, foi uma alegria imensa para toda a família”, lamenta Tainá, que não teve filhos desde então.
Segundo profissionais que já trabalharam na maternidade, o fluxo intenso de pacientes na unidade de saúde faz com que a equipe médica prefira induzir partos normais. As cesarianas, por serem procedimentos cirúrgicos, demandam mais profissionais e tempo, o que diminui a quantidade de partos diários. “A Albert Sabin atende toda a região de Cajazeiras e adjacências. São muitos pacientes para poucos profissionais", comenta uma médica que trabalhou no local.