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Da Bahia para Harvard: quem é estudante que leva jovens para debater na ONU


 

Aos 17 anos, Dhena Pinheiro é campeã de simulações da ONU e criou uma fundação para ajudar alunos em condições de vulnerabilidade

  • Thais Borges

Publicado em 02/09/2023 às 05:00:00
Dhena partipou de simulações da ONU em Harvard e Yale e criou uma fundação para levar outros estudantes. Crédito: Acervo pessoal

Se há alguns anos alguém dissesse à estudante Dhena Pinheiro, 17 anos, que ela estaria nas universidades de Harvard e Yale debatendo em simulações da Organização das Nações Unidas (ONU), com estudantes do mundo inteiro, dificilmente ela acreditaria. Talvez a jovem duvidasse mais ainda se escutasse que, ainda na escola, criaria uma fundação com o objetivo de levar mais estudantes de todo o país para as mesmas instituições, gratuitamente.

“Encontrei um sentido para minha vida, que é levar para as pessoas as oportunidades que eu tive e democratizar ao máximo o acesso à educação. Não falta talento, falta oportunidade. O pessoal fala que a juventude está perdida, mas tem muita gente que está precisando de oportunidade. Eu fui uma dessas pessoas”, lembra ela, hoje co-presidente e fundadora da Brazilian Youth Academy (BYA), entidade criada no início deste ano para oferecer mentoria para simulações internacionais a estudantes de baixa renda.

As simulações da ONU (no inglês, também conhecidas pela sigla MUN, de Model United Nations) são eventos acadêmicos dos quais participam estudantes de todos os níveis de ensino, em diferentes países do mundo. Nesses encontros, os alunos interpretam diplomatas, congressistas e outras autoridades debatendo os problemas dos países designados a cada um deles. A própria ONU estima que mais de 400 mil jovens participem por ano dessas atividades, em todo o mundo. Os principais eventos, contudo, acontecem em Nova York, na própria entidade, e em grandes universidades dos Estados Unidos.

No caso de Dhena, ela nem precisa fazer muito esforço para elencar os momentos que foram o ponto de virada em sua vida. Era dezembro de 2019 e, pela primeira vez, estava estudando em uma escola municipal militarizada, do tipo que tem sistema integrado com a Polícia Militar, em Araci, no Nordeste baiano, onde viveu a maior parte do tempo. Na época, cursava o 8º ano do ensino fundamental e, como sempre teve espírito de liderança, tinha se envolvido com o grêmio. Naquele dia, participava de uma reunião do conselho com professores quando um dos docentes falava de como ajudar outra estudante - colega de sala de Dhena.

A menina, que devia ter a mesma idade dela, não tinha dinheiro para itens básicos de higiene. "Durante minha vida, a gente nunca teve conforto de marca, mas eu nunca passei dificuldade. Porém, eu vivia numa bolha e aquele foi o momento em que minha bolha foi quebrada". Aquele choque de realidade foi uma tomada de consciência - e já um prenúncio do que estaria por vir.

Pouco depois, também em Araci, a pandemia da covid-19 a atingiu fortemente. A depressão e a ansiedade, diagnosticadas desde a infância, a levaram a uma crise em que chegou a tentar suicídio. No dia seguinte, contudo, ao lembrar do pai - um dos seus maiores exemplos e alguém que também travava sua própria batalha contra a depressão -, teve outra virada de chave. Ali, fez uma promessa: estudaria todos os dias. Era o começo de um caminho que não apenas a levaria à ONU, como faria o mesmo por outros estudantes do Brasil.

"Eu comecei a estudar sobre Albert Einstein, no dia seguinte estava estudando sobre Isaac Newton. Eu adoro política, direito e relações internacionais. Então no fim de 2020 para 2021, eu conheci as simulações da ONU". Foi justamente quando ela começou o ensino médio, já em uma escola estadual, o Cetep Sisal II.

Política

Dhena começou a participar das simulações em julho de 2021 e entrou em um programa de líderes da rede pública estadual. Em pouco tempo, se tornou a representante dos estudantes das escolas estaduais baianas. Em 11 de agosto daquele ano, quando se comemora o Dia do Estudante, ela apresentou uma live no Instituto Anísio Teixeira (IAT), em Salvador. Ao fim do evento, o ouvidor geral da Secretaria de Educação do Estado (SEC), Jocivaldo dos Anjos, a abraçou e apresentou um projeto de dignidade menstrual, que distribui absorventes para as alunas da rede.

"Naquela época, eu já estava muito entrosada com as simulações e, com a pandemia, estava tudo adaptado para o online. Porém, eu sabia que as pessoas vinham do presencial e era gente das elites que se adequou ao sistema online".

Ali, ela percebeu que existia a necessidade de fazer o mesmo pelos estudantes que, como ela, não tiveram as mesmas oportunidades que outros tantos simuladores pelo mundo. Dhena, por exemplo, desenvolveu suas habilidades no inglês sozinha, assistindo a vídeos no YouTube.

"Criei um projeto chamado BaMUN (Bahia Model United Nations) com Pedro Sampaio, outro fundador. A ideia inicial era democratizar o acesso a simulações para estudantes da escola pública", explica. Ela apresentou o projeto ao ouvidor da secretaria e, desde então, a BaMun já teve duas edições presenciais no Centro de Convenções do Hotel Fiesta. No ano passado, o programa se tornou oficialmente uma política pública da SEC.

Para o ouvidor, a simulação da ONU foi um ato de coragem que reorientou a participação estudantil. "Se tratou de uma política endógena, que veio dos estudantes. Nós aprovamos a ideia e também decidimos apoiar as ações que foram integralmente realizadas pelos estudantes", diz ele, citando Dhena e Pedro. "Cabe a nós possibilitar mais espaços para os mais jovens e construir uma sociedade plural em que o fator etário seja motivo de aprendizados pelas diferenças", acrescenta.

Dhena liderou a delegação baiana que viajou para os Estados Unidos para a simulação em Harvard e Yale. Crédito: Acervo pessoal

Futuro

Enquanto isso, Dhena alcançava metas pessoais: ganhou como a melhor debatedora da Bahia e do Nordeste por dois anos seguidos e chegou ao terceiro lugar do ranking nacional. Por isso, no ano passado, esteve à frente de uma delegação com alunos da rede estadual baiana que passou uma semana na simulação de Harvard e uma semana na simulação de Yale. Em 2023, ganhou uma bolsa para estudar no Colégio Leffler, escola internacional em Salvador, onde mora sozinha desde então.

Foi também no início deste ano que ela conseguiu formatar o que realmente viria a ser a BYA, uma organização sem fins lucrativos. Vinha crescendo o desejo por criar um projeto que ajudasse academicamente mais estudantes. Atualmente, a fundação oferece mentoria e auxílio financeiro para jovens participarem das simulações de Harvard e Yale.

Dhena Pinheiro e Aloísio Cavalcanti presidem a BYA. Crédito: Divulgação

Ao todo, a equipe tem cerca de 20 voluntários, entre estudantes e professores, além de patrocinadores. Para o ano que vem, já foram escolhidos 10 alunos de diferentes estados brasileiros, mas a seleção para a próxima mentoria será aberta em abril de 2024.

"Todas as consequências são positivas. Você consegue estudar e gostar de estudar, inclusive geopolítica, direito, relações internacionais e ciências, porque os comitês simulam coisas da realidade. E uma das coisas mais importantes é o desenvolvimento de soft skills, porque você aprende sobre liderança, oratória, lobby e networking".

Atualmente, ela está se preparando para aplicar para universidades estadunidenses - inclusive Princeton, que é seu principal objetivo. Antes, porém, pretende fazer estágios voluntários no Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) e com congressistas baianos. "Uma das coisas que mais me orgulha é que eu sei onde quero chegar", completa.