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Como vendedor de trufas na escola se tornou o criador do melhor ovo de Páscoa de 2024


 

Conheça o ovo vencedor do concurso do CORREIO e a história do chocolatier, Valentin Swag

  • Carolina Cerqueira

Salvador
Publicado em 16/03/2024 às 05:01:25
Valentin Swag cursa o sexto semestre de gastronomia na Ufba. Crédito: Marina Silva/CORREIO

A goiabada cascão traz o doce. O queijo parmesão rebate com o sal e ainda confere crocância à mistura reunida pelo chocolate branco mais puro. A combinação é a fórmula secreta que o CORREIO desvenda agora do vencedor do melhor ovo de Páscoa de 2024. O responsável pela criação é o chocolatier da Casa Ópera. O termo é chique, mas o jovem de 26 anos que cursa o sexto semestre de Gastronomia na Ufba não está acostumado com glamour.

Valentin Swag é o nome profissional que adota, mas, para os íntimos, é Ney Wanderson mesmo, como está na certidão. Contratado pela empresa há um ano, é dele a mente e as mãos responsáveis por criar receitas e transformar o chocolate em verdadeiras obras de arte. Mas sua trajetória começou aos 11 anos, quando passou a vender na escola os bombons trufados que a mãe fazia para complementar a renda que o pai, metalúrgico, trazia para a família, composta ainda por mais dois irmãos.

Valentin era péssimo em calcular o troco; seu talento é mesmo gastronômico. Aprendeu com a mãe a fazer os bombons, bolos e – por coincidência ou destino – também ovos de Páscoa, sem imaginar que, cerca de 10 anos depois, ganharia um concurso com eles. Ainda em São Luís, no Maranhão, onde nasceu, trabalhou por seis anos em um ateliê de bolos antes de vir buscar em Salvador a profissionalização.

“Viemos só eu e Deus, na coragem”, conta o filho da dona de casa e doméstica que é a sua maior inspiração. Para se sustentar na cidade, ele precisava trabalhar. Passou por uma confeitaria, depois por um restaurante e, já desiludido com a profissão, foi convencido por uma amiga a tentar no ano passado uma vaga na Casa Ópera, fábrica de chocolates criada por Fabiane Teixeira em 2016 que teve sua loja física inaugurada no bairro da Pituba em dezembro de 2022.

No jovem faltava esperança e sobrava uma timidez direcionada a quem o conhece pela primeira vez, mas o talento e a paixão pela profissão foram suficientes para a contratação. Ele passou a comandar a “sala de chocolate”, que recebe a matéria-prima da “sala de cacau” e enfrenta pela primeira vez este ano a maratona de produção para a Páscoa. “Eu vivo e respiro chocolate, até já deu para dar uma enjoada”, diz ele. Mas que fique registrado: só de comer mesmo, enjoar de fazer chocolate, jamais.

No espaço, a criatividade e a experimentação têm lugares garantidos. É uma brincadeira - para lá de saborosa - de gente grande. Valentin conta que a primeira ideia para o ovo vencedor foi misturar a goiabada com o chocolate branco e veio de Fabiane, dona da marca. Mas ainda não estava bom o suficiente. Foi aí que o chocolatier resolveu adicionar o queijo parmesão.

Valentin é o chocolatier da Casa Ópera desde o ano passado. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Apesar de não estar acostumado a comer o clássico Romeu e Julieta, o profissional quis colocar uma pitada da combinação que seu olhar atento descobriu ser uma das queridinhas dos baianos e o seu paladar aguçado aprovou. “O queijo dá a crocância para valorizar a textura do ovo e ainda equilibra o doce da goiabada e do chocolate e acentua os sabores através do sal”, explica.

Na pequena cozinha, que divide com mais duas pessoas, Valentin se mune do uniforme, da touca e das luvas, e então se solta, preenchendo o espaço com a naturalidade e desenvoltura de quem sabe o que faz. E conta o passo a passo da receita com humildade e empolgação.

“O chocolate branco nasce na sala de cacau a partir da manteiga de cacau extraída dos grãos torrados e prensados. Ele chega para mim na sala de chocolate e eu começo o processo de tablagem manual. O chocolate vai para a mesa fria para baixar de 45ºC para 27ºC com a técnica de temperagem. É uma margem para que ele chegue a 28 ou 29ºC, que é a temperatura ideal para os chocolates brancos”, começa.

“Aí temos a segunda etapa, na qual acontece a inserção da goiabada cascão e do queijo parmesão, que é ralado e torrado no forno. Por último, o ovo vai para a geladeira por cerca de 20 minutos para a etapa de cristalização. É assim que ele fica mais rígido para fazer o famoso ‘croc’ quando partido e ainda brilhante por fora”, completa.

Para o jurado Pietro Gavazza, que é influenciador digital, o ovo é uma caixinha de surpresas, assim como a trajetória de Valentin. “São ingredientes relativamente simples e bem brasileiros, formando uma combinação que deu super certo, equilibrando muito bem o salgado e o doce”, avalia. Para o chef Luan Moura, o produto merece destaque por não ser enjoativo. “Você fica com o gosto salgado na boca e quer mais uma mordida para sentir o doce, e aí quer a próxima para trazer o salgado e vira um vício delicioso”, acrescenta.

A junção da dupla queijo e goiabada teria surgido no Brasil, ainda na época colonial, e pesquisadores acreditam que ela nasceu a partir do desejo dos portugueses de substituir a marmelada, doce da terra natal, com a fruta tropical. O doce teria encontrado no queijo, em Minas Gerais, seu par perfeito, assim como o Romeu e a Julieta de William Shakespeare.

Na produção de Valentin, o par encontrou o chocolate branco. Para aqueles que defendem que ele não é chocolate de verdade, o profissional rebate: “Estamos acostumados a provar os chocolates brancos das grandes indústrias, que têm conservantes e adição de gorduras, perdendo a essência da manteiga de cacau. O que fazemos aqui leva apenas leite, açúcar e mantém um alto teor de manteiga de cacau”, explica Valentin.

O ovo de goiabada com queijo faz parte da linha Páscoa Tropical da Casa Ópera, composta também pelos sabores cupuaçu com castanha de caju, limão com pistache, chocolate 70% com geleia de cacau e maracujá com cocada.

Todos eles estão inseridos no estilo “bean to bar”. “Vamos da aquisição dos grãos até o produto final, num processo no qual a sustentabilidade, a qualidade do cacau e uso de poucos ingredientes na fabricação são máximas inegociáveis. Em 2023, compramos mais de uma tonelada de cacau de produtores do sul da Bahia e a expectativa para 2024 é ter um crescimento em torno de 20%”, diz Fabiane Teixeira.

Apaixonada por chocolate, Fabiane rodou o Brasil estudando e retornou a Salvador para abrir o seu negócio. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Valentin também quer crescer junto com a marca. Deixou para trás a confeitaria, fez do sonho da chefe e amiga Fabiane o seu próprio e diz ter, finalmente, encontrado o seu lugar. Aliás, foi a gastronomia que o encontrou. “Acho que é coisa de Deus mesmo, de destino. Hoje me vejo como profissional e voltei a sonhar. Daqui a 10 anos, me vejo como dono ou sócio de um negócio reconhecido até mesmo fora do Brasil. O sonho é grande, mas não é impossível”.

Completando o pódio

Ocupando o primeiro lugar do ranking de 30 ovos degustados no concurso, Valentin desbancou nomes como Jeanne Garcia, em segundo lugar, e Petrina Cabral, em terceiro. As confeiteiras abriram seus próprios negócios em 2016 e 2015 e acumulam 37 mil e 12 mil seguidores em seus perfis profissionais, respectivamente.

A aposta de Jeanne para o concurso foi o ovo de chocolate branco, maracujá, brigadeiro de cream cheese e crumble de castanha de caju. “Como eu queria inovar, pensei em combinar sabores mais suaves e que harmonizassem com a acidez da fruta. Foi aí que pensei no conceito de ‘cheescake de maracujá’, diz Jeanne.

O ovo da confeiteira Petrina Cabral nasceu a partir do blondie - uma versão do brownie em que o chocolate é substituído por baunilha. “Nós sempre buscamos aprender mais sobre confeitaria e foi assim que conhecemos o Blondie. Ficamos encantados e, desde então, pensávamos em introduzir em algum produto. A Páscoa foi a oportunidade perfeita”, explica Petrina.

*Colaboraram Fernanda Santana, Priscila Natividade e Thais Borges