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Como deve ser o retorno dos alunos de Heliópolis após ataque? Especialistas analisam volta às aulas


 

Episódio deixou três mortos na última sexta-feira (18)

  • Maysa Polcri

Publicado em 22/10/2024 às 05:15:00
Colégio Municipal Dom Pedro I, em Heliópolis. Crédito: Divulgação

Escuta ativa, acompanhamento psicológico e paciência. Esses devem ser passos prioritários para o acolhimento de uma comunidade escolar após episódios de violência. Os sobreviventes do massacre com quatro mortes em Heliópolis começaram a receber atendimento especializado nessa segunda-feira (21). Para especialistas, o acolhimento é emergencial e imprescindível para o retorno das atividades na escola.

Não é por acaso que as escolas são escolhidas como alvo de atentados desse tipo. A advogada Cleo Garcia, que pesquisa a temática em sua dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que uma identidade coletiva é construída no contexto escolar. Quando ela é ferida, os impactos são sentidos por toda a comunidade. Na pequena cidade de Heliópolis, o luto é compartilhado por moradores.

“A escola é um território onde os membros cultivam senso de identidade e pertencimento comunitário. São múltiplos públicos que interagem e promovem laços fortes. Inclusive de troca de afeto, mas não podemos negar também que é uma fonte de eventos conflituosos e diversas violências”, explica. No ano passado, Cleo Garcia identificou todos os ataques registrados em escolas do país entre 2002 e 2023.

Ações de combate

O primeiro foi registrado em Salvador, no Colégio Sigma, quando um adolescente de 17 anos assassinou duas colegas de turma. Naquele dia 28 de outubro, o atirador utilizou uma arma do pai adotivo, que era perito da Polícia Técnica. A pesquisa de Cleo Garcia identifica que episódios como esses se tornaram mais recorrentes a partir de 2010. Para especialistas, o avanço do extremismo está ligado a aumento de ataques a escolas

Apenas em setembro de 2022, dois casos ocorreram na Bahia. Em Barreiras, uma estudante que utilizava cadeira de rodas morreu em um ataque. Já em Morro do Chapéu, um adolescente de 13 anos tentou atacar colegas com materiais inflamáveis, bombas de fabricação caseira e uma faca. Voltar a frequentar esses espaços após episódios de violência não é tarefa fácil.

“Após ataques desse tipo, as pesquisas indicam a importância do atendimento de pequeno, médio e longo prazo, adaptados para aqueles que foram afetados. Vimos casos, no exterior, em que esses acompanhamentos duraram mais de dois anos, até que as pessoas se sentissem fortalecidas para retornar à vida normal”, explica Cléo Garcia, que integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem).

Há um ano, o Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas publicou um relatório sobre os episódios no país. O documento traz recomendações para a ações do governo que podem mitigar os danos e evitar novos atentados. Entre as medidas citadas estão: adotar um registro de notificação das violências nas escolas e encaminhá-las para órgãos do governo, valorizar o cuidado com a saúde mental e estimular a participação da família.

Discurso de ódio

Entre as medidas apontadas no relatório Ataque às Escolas no Brasil está a necessidade de debater a diversidade e os direitos humanos nas unidades de ensino. Isso acontece porque, apesar de diversos fatores contribuírem para a ação dos autores de ataques, eles costumam ter características semelhantes. São do sexo masculino, brancos e jovens, na maioria dos casos.

Além disso, eles costumam ser isolados socialmente, terem histórico de violência doméstica e participarem de grupos de ódio na internet. Entre os temas debatidos em fóruns online estão o racismo e a misoginia, que é o ódio às mulheres. Apesar de a motivação do crime em Heliópolis ainda não ter sido identificada, o Ministério da Justiça confirmou que o Laboratório de Operações Cibernéticas auxiliará na investigação.

Para a socióloga Miriam Abramovay, doutora em Ciências da Educação que pesquisa crimes escolares, é preciso que familiares e a escola estejam atentos aos sinais que podem antever os crimes. “Nós vemos que há sinais de que ataques iriam acontecer. Os autores já tinham chamado atenção por algum motivo. Seja um bilhete que foi enviado, por estar muito isolado ou por ter inimizades na escola”, afirma.

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado (SEC) afirmou que está em articulação com o Ministério da Educação (MEC) e a prefeitura de Heliópolis para atender a comunidade escolar e famílias atingidas pela tragédia. O MEC, inclusive, disponibilizou uma equipe especializada em desastres, para lidar com situações traumáticas e violentas em espaços escolares. A reportagem buscou a a prefeitura da cidade, mas não obteve retorno até esta publicação.